Analisados por diversos analistas da nossa crónica
quotidiana:
A
análise aos resultados das eleições legislativas desde a maioria absoluta do
PS, às derrotas do PSD, Bloco e PCP. Sem esquecer a 'extinção' do CDS e a força
ganha pelo Chega e a Iniciativa Liberal.
OBSERVADOR, 31
jan 2022
I - José Manuel Fernandes: Será que algum dia sairemos da armadilha?
Faz-nos muita falta Medina Carreira.
Fazem-nos muita falta as suas lições sobre este país submetido ao que designava
por “partido Estado”. Um partido fácil de definir: é composto de todas as
dependências, das dependências alimentadas pelos empregos públicos, pelo
sistema público de pensões, pela escola pública e pelo sistema público de saúde. “O Estado é um padrinho, é um companheiro, é um
treinador, é uma coisa qualquer assim deste estilo que acompanha o cidadão
desde o berço até à morte”, disse ele
aqui há uns anos. Ora, quem se habitua a ter assim um padrinho, um
companheiro, um treinador, quem se habitua ao seu amparo, quem depende do seu
braço e da sua bolsa, tem medo do mundo.
Em
Portugal, o “partido Estado” encarnou no Partido Socialista, e nestas eleições nele coalesceram todos os medos
de mudança – os justificados e os injustificados. É um
partido envelhecido, mas como o país está envelhecido, é um partido
maioritário. Por enquanto não houve energia, nem votos, para evitar que
obtivesse uma maioria absoluta que pediu e depois deixou de pedir. Mas que
desejava.
Quando
um país alimenta uma legião de dependentes, quando o Estado é a referência de
sobrevivência da maioria dos seus cidadãos, é muito difícil tirar esse país da
anomia e da rotina, é muito difícil desinquietá-lo e relançá-lo. Triunfa
sempre o imobilismo.
É esta a armadilha em que estamos e
que a eleição de ontem confirmou –
como Medina Carreira teria certamente observado, se ainda fosse vivo.
É certo
que nem tudo ficou igual e ainda bem.
Há coisas que ficaram melhor – é sempre bom ver os partidos da esquerda radical
perderem peso eleitoral, é especialmente saboroso assistir à derrocada da
arrogância do Bloco de Esquerda.
Também
é bom que, no outro lado do hemiciclo, tenha surgido uma força política com um
discurso diferente, urbano e mais moderno, capaz de abalar velhos dogmas. Falo
da Iniciativa
Liberal.
Mas
o “partido Estado” tem outro efeito perverso: gera anticorpos, alguns especialmente virulentos.
O Chega, partido do Portugal zangado, partido do país esquecido
por esse mesmo “partido Estado”, partido que se tornará no abcesso de fixação
de medos e oposições. Como terceira força política no Parlamento não ajuda,
desajuda.
Quanto
ao nosso futuro, e à esperança de sair desta armadilha, essa fica à espera da
próxima crise. Se pensarmos bem, tem sido sempre assim nas últimas décadas.
P.S.: No entretanto, esperemos também que o
PSD tome juízo.
II - Helena Matos: Afinal deitámo-nos cedo
É precisamente no útil que está o busílis desta
questão: enquanto Rui Rio centrava a sua proposta na utilidade de uma colaboração
do PSD com o PS, o PS tratava da sua vida captando o voto útil
da esquerda.
Desde
o terramoto do PRD em 1985 que não vivíamos nada assim: o PS consegue uma maioria absoluta e, mais importante
ainda, ganha todos os distritos de Portugal Continental: o BE e a CDU cabem num
Uber daqueles maiorzinhos, o PSD deixa de ser um grande partido e torna-se num
partido médio, a terceira força política é o Chega, o CDS desaparece do
parlamento… e tudo isto aconteceu tão rapidamente que vamos para a cama a tempo
e horas.
Mas para alimentar a insónia aqui ficam
umas perguntas:
E
agora Marcelo? Uma maioria
absoluta do PS não fazia parte dos cenários, pois não? A meio das suas
declarações, António Costa deu conta da profunda alteração de forças que se
registou no país: “O garante de que não pisaremos o risco sou eu”. Há
poucos dias ainda o mesmo António Costa dizia: “Quem é que acredita que com um
Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa uma maioria do Partido
Socialista podia pisar a linha?”. Como se pode perceber destas palavras onde
antes estava a linha traçada pelo PR está agora António Costa a ver quem pisa o
risco, PR incluído.
A esquerda é agora o PS? O
PS ganhou e não ganhou apenas ao PSD. Ganhou também ao BE e à CDU. Daqui
resulta uma situação nova, com um PS hegemónico à esquerda e também um aviso
para eventuais parceiros de futuras geringonças, sejam elas de esquerda ou de
direita: entre 2015 e 2022, BE e PCP perderam mais de um terço dos seus
eleitorados. À direita, a Iniciativa Liberal e o Chega não deixarão de
tomar nota desta espécie de comboio descendente em que partiram todos à
gargalhada e acabam com uns a rir (o PS) e outros (BE e CDU) a cerrar os dentes
para não chorar.
Rui
Rio útil ou inútil? Rio atribui
a vitória do PS ao voto útil da esquerda. Declara que não percebe como pode
“ser útil se o PS tiver maioria absoluta”. É precisamente no útil que está o
busílis desta questão: enquanto Rui Rio centrava a sua proposta na utilidade de
uma colaboração do PSD com o PS, o PS tratava da sua vida captando o voto útil
da esquerda.
Rui
Tavares teve sorte ou azar? O homem
de quem já se dizia que dava azar desta vez teve sorte. Mas dentro da sorte —
conseguiu entrar no parlamento — teve o azar de não ser o deputado que
garantiria a maioria absoluta ao PS.
Nas
próximas legislativas o PCP terá um novo líder? Jerónimo de Sousa
apresenta sinais de uma debilidade que já nada consegue iludir. Mas o
falhanço do possível sucessor, João Oliveira, que não conseguiu ser eleito
deputado, é uma pedra na engrenagem dessa sucessão que se adiou tempo demais.
O
CDS constará do próximo boletim de voto? Provavelmente
não. Francisco Rodrigues dos Santos merecia mais, mas os partidos também
morrem.
…
Contra todos os cenários vamos deitar-nos cedo. Boa noite.
III- Alexandre
Homem Cristo. Dr. Rui Rio, a porta da rua
é ali
Incompreensivelmente,
Rui Rio não se demitiu esta noite. Fez mal: é um cadáver político e um bloqueio
no espaço político da direita. Nos próximos quatro anos, a direita atravessará
um longo deserto.
Lembra-se
de a campanha do PSD ridicularizar a estratégia eleitoral do PS por ser aos
ziguezagues? Recorda-se de ouvir Rui Rio sugerir a António Costa que aceitasse
perder com dignidade? Tem ideia de
Francisco Rodrigues dos Santos se declarar ministro da Defesa de um eventual
governo de direita? Tudo isto se ouviu há três dias. Nesta noite eleitoral, soa
a piada de mau gosto. O PS ganhou com maioria absoluta, António Costa obteve uma
vitória histórica e a estratégia de ruptura à esquerda provou-se acertada – o
PS dizimou eleitoralmente os parceiros da geringonça.
A
vitória socialista teve méritos e teve sorte. A maior das sortes foi ter Rui Rio na liderança do
PSD, pois a maioria absoluta do PS ergueu-se pela diferença abismal de
votos entre os dois partidos. E essa diferença começou na opção de Rui Rio se
abster de conduzir a oposição ao PS e de renegar o posicionamento no
centro-direita. Não há outra forma de o colocar: a estratégia de
posicionar o PSD no centro falhou estrondosamente – entregou o eleitorado da
direita ao Chega e à Iniciativa Liberal, enquanto foi incapaz de mobilizar o
eleitorado insatisfeito com a governação socialista. Recorde
dos recordes: pela primeira vez na história, o distrito de Leiria não foi ganho
pelo PSD. Tudo somado,
incompreensivelmente, Rui Rio não se demitiu esta noite. Fez mal: é um cadáver
político e um bloqueio no espaço político da direita.
Nos
próximos quatro anos, a direita atravessará um longo deserto. Terá de o aproveitar para a sua redefinição e
reorganização – o CDS desapareceu do parlamento, enquanto o Chega e a
Iniciativa Liberal têm agora os seus momentos de afirmação. O PSD, que
é o motor político da direita, terá de escolher: ou elege finalmente uma
liderança para esse projecto alternativo ao PS, ou será o parceiro de sonho
para o PS se enraizar no poder para lá da vida desta maioria absoluta.
IV- Nuno Gonçalo Poças: O PS é
Portugal e Portugal é do PS
O
centro-direita tem muito em que pensar. Terá o tempo de chegarmos a uma nova
crise
Para ser totalmente honesto, a única
coisa surpreendente nestes resultados eleitorais é a diferença percentual entre
socialistas e o PSD. Não contava
com uma vitória de Rui Rio, mas não esperava um fosso tão grande. Ainda assim,
reconheço que mesmo aqui sofri de algum optimismo: pode ser surpreendente, mas
não era assim tão imprevisível que isto acontecesse.
O
fenómeno começa lá atrás, depois das autárquicas, com os desenvolvimentos da
crise que levou ao chumbo do Orçamento. O que me pareceu naquela altura foi
isto: um bluff inicial dos comunistas, para tentar ganhos políticos;
o BE inicialmente forte na sua posição política, acreditando que o PCP acabaria
por viabilizar o Orçamento, e que depois ficou sem poder voltar atrás; Marcelo
Rebelo de Sousa a tentar uma vitória política com a chantagem da dissolução; um
PS cada vez mais dominado internamente por Pedro Nuno Santos; a direita em
frangalhos; o PSD com a cabeça cheia da ilusória vitória em Lisboa; e António Costa vislumbrou em tudo isto a chave ideal
para tentar, pela derradeira vez, a maioria absoluta. Ou, no mínimo, a
consagração do PS enquanto partido-mor do reino, com o empurrão de algum
pequeno partido que lhe garantisse poder hegemónico. Teve o que queria: o PS é
cada vez mais dono e senhor do País, das instituições, da economia, e tem tudo
a seus pés.
Com mais participação eleitoral que em
2019, a extrema-esquerda sai desta noite de rastos. Resta saber o que seis anos de Geringonça significaram
efectivamente em reforço orgânico para o PCP: é a partir de agora que o PS
começará a sofrer contestação sindical. Se ela não se verificar, então os
comunistas podem fazer as malas. Idem para o Bloco de Esquerda. A única
alternativa era a sua moderação económica. Não sendo previsível que ela se
verifique, resta-lhes esperar por um Governo de direita que os faça renascer
das cinzas.
Por
seu lado, o PSD fica, e a partir de agora de forma ainda mais evidente,
perante um problema grave: a direita tem questões estruturais por
resolver, e não parece sequer compreender que esse problema exista. Para já resta salientar o óbvio: Rui Rio não tem
outro remédio que não abandonar. E não parece haver ninguém capaz de o
substituir com sucesso.
A
Iniciativa Liberal e o Chega representam na perfeição o que significa a erosão
eleitoral do PSD e também do CDS. As
mudanças de siglas, de imagem, de discurso, de programa, de abordagens,
ajudaram a deixar tudo isto mais claro: enquanto que o PS representa na
perfeição uma sociedade conservadora, envelhecida, muito dependente do Estado,
há uma parte do País que, procurando um futuro diferente, já não o encontra nas
respostas que PSD e CDS têm dado nos últimos anos. A IL ganha aqui. E André Ventura ganha onde o populismo
pode ganhar: nos segmentos, sempre crescentes, da sociedade que estão zangados
com a democracia, com a economia, talvez nalguns casos zangados até com tudo. O
centro-direita tem muito em que pensar.
Terá o tempo de chegarmos a uma nova crise económica para chegar a conclusões
válidas. Este é o
grande desafio desta noite eleitoral. O resto é mais do mesmo: a certeza de que
a nossa pobreza continuará a ser gerida pelos mesmos dos últimos 25 anos. Boa noite e boa sorte.
V - Raquel Abecassis: Maioria
mesmo absoluta
O
surpreendente resultado desta noite não trouxe surpresa apenas num ponto. Os
portugueses deram mais uma vez uma mensagem clara e inequívoca. Querem o PS a governar sozinho. António Costa soma troféus na política portuguesa. Ao
fim de seis anos de governo consegue aquilo que parecia uma miragem e conquista
a impossível maioria absoluta. O próprio António Costa esperava tudo menos
este presente de Natal atrasado dos portugueses.
Rui
Rio vê assim chegar ao fim aquela que sempre disse ser uma surpreendente
carreira política. Afinal, o Still Standing não durou mais de um mês. A derrota do PSD nestas eleições é também um recado
claro dos portugueses. Não é este PSD concebido por Rui Rio que os portugueses
consagraram como o grande partido de alternativa ao poder. O centro ao
centro não convenceu nem convence ninguém. Num momento em que tipicamente os
portugueses poderiam querer optar pela mudança, Rui Rio não conseguiu
apresentar-se como o rosto mobilizador para a mudança. Não houve
voto útil à direita e os defensores da mudança preferiram dar a oportunidade a
outros. Ao Chega e à Iniciativa Liberal.
Bloco
de Esquerda e PCP tiveram o troco dos portugueses. A senhora que num mercado
deu um raspanete em público a Catarina Martins deu voz à esquerda profunda. Catarina
e Jerónimo deitaram para o caixote do lixo o seguro de vida que António Costa
lhes tinha oferecido e agora vai ser muito difícil aos dois sobreviver. Vai
voltar o protesto no Parlamento e na rua. A
ver vamos se os portugueses, que agora experimentaram como se portam PCP e BE
na hora de assumir responsabilidades, ainda alinham no canto da sereia dos
amanhãs que cantam.
O
semivencedor da noite é Marcelo Rebelo de Sousa. Terá respirado de alívio por não ter um país
ingovernável após os resultados desta noite. Quando um Presidente assume a
decisão de dissolução do Parlamento é porque conclui que o país necessita de
uma clarificação política. Se essa clarificação não resulta das eleições é
uma clara derrota do juízo presidencial. Nesse sentido, o Presidente da
República ganhou porque acertou no juízo que fez. Já Marcelo
Rebelo de Sousa, o Presidente que gostava de mexer os cordelinhos e de ter o
governo e a oposição dependentes dos conselhos presidenciais, esse Marcelo
Rebelo de Sousa perdeu. A partir de agora, António Costa é o homem do leme. A
torre de controlo já não está em Belém.
Finalmente,
este é o dia em que, pela primeira vez em 47 anos de
democracia, deixa de estar representado no Parlamento um partido fundador da
democracia. O CDS não conseguiu eleger nenhum deputado. É um dia triste para o partido e para os muitos
milhares de eleitores que em muitos actos eleitorais ao longo dos anos votaram
no CDS. Não sei se o partido resiste a este terramoto, mas sei que o eleitorado
que deu vida ao CDS ao longo de quase 50 anos continua a existir e será
interessante ver como se vai reorganizar daqui para a frente.
VI- Paulo
Tunhas: Uma grande vitória ou uma enormíssima derrota?
O
PC, e sobretudo o Bloco, caíram aos trambolhões por aí abaixo. Muita gente não
lhes terá
A
vitória esmagadora do PS, com maioria absoluta, sobre o PSD, de Costa sobre
Rio, é, é claro, a coisa mais surpreendente da noite. É de tal modo maciça que
dificilmente se concebe que Rio possa continuar à frente do PSD. Aquela
estratégia de afirmar o PSD como sendo um partido de centro-esquerda deu no que
se viu. Uma parte não despicienda da direita fugiu-lhe claramente, e já vinha,
muito compreensivelmente, fugindo muito antes das eleições. O centro também não
veio a correr, amoroso, para os seus braços.
Os
portugueses mostraram que, em grande número, confiam em António Costa, que não
vai precisar de Rio para nada. Se a derrota de Rio é, na sua vasta dimensão,
retrospectivamente explicável, a enorme vitória de Costa não o é tanto. Todos
os ziguezagues da campanha, para não falar do resto, deviam inspirar no eleitor
algumas dúvidas. Mas há de certeza várias razões que podem ser contadas.
Sobretudo, uma grande parte das pessoas não terá gostado de ver o orçamento do
PS chumbado pelo Bloco e pelo PC e decidiu-se por uma vingança fatal. Além de
que os eleitores preferem os partidos que afirmam a sua identidade claramente
(o PS apresenta-se como sendo de esquerda) àqueles cuja identidade é
incapturável (como foi o caso do PSD de Rio).
O
PC, e sobretudo o Bloco, caíram aos trambolhões por aí abaixo. Muita gente não
lhes terá perdoado a maldade. Não se vê como Catarina Martins possa continuar à
frente da agremiação e duvido imenso que alguém possa, no futuro, fazer melhor
do que ela. Quanto ao PC, eles lá sabem. Em todo o caso, uma desgraça para
ambos. O Livre lá conseguiu um deputado e o PAN também, quase voltando ao
estado de natureza. Pelo seu lado, o Chega e a Iniciativa Liberal tiveram
óptimos resultados. O que é que podem fazer no Parlamento e no País, ninguém
sabe. A clamorosa derrota do PSD, produto daquela mirífica ideia de um PSD de
centro-esquerda, impede tanto uma aliança fecunda com a IL como uma
“domesticação” do Chega. Claramente, no meio do grande mapa cor-de-rosa, vai
ser cada um por si. E sem o CDS, tristemente, que fica fora do Parlamento.
Se
a ambição máxima dos portugueses era a pura e simples estabilidade, então
tiveram uma grande vitória. Se era a de encontrar um meio de relançar o País,
receio bem que tenha sido uma enormíssima derrota. Com uma grande ajuda do PSD,
que não ofereceu nenhum fio condutor à direita durante estes últimos anos. Não
foi nos debates nem na campanha que o PSD perdeu. Aí nem esteve particularmente
mal. Foi muito antes.
E,
francamente, com estes resultados, Rui Rio vir-se gabar, no seu discurso de
admissão da derrota, que o PSD não tinha ficado com dívidas por causa da
campanha, foi a coisa mais surrealista que podia acontecer… Ou quase… Porque
logo a seguir começou a falar em alemão… Meu Deus!
Nenhum comentário:
Postar um comentário