E, tal como a irmã do Solnado, nós só
diremos “Pois!”, sujeitando-nos, tal como a irmã daquele, a esse mesmo
comentário desagradável, ainda que do Além: “Porque a minha irmã é muito amiga de dizer coisas”. Não sei se já
faleceu, a irmã do Solnado, ou se continua a dizer coisas. Nós, sim.
Mas sempre acrescento à minha interjeição
conclusiva, que a cara de Putin, na doçura da sua suavidade sorridente, não
engana. Tal como o algodão do anúncio, que tudo limpa. Todavia, gostaria de crer
que Diana Soller não está
enganada, nem nos engana, algodão puro, de verdade.
Podemos mesmo falar de guerra?
As tensões na Ucrânia são um tipo de cenário que vamos
ver muito mais vezes: potências a testar os limites umas das outras. Muito mais
difícil será se estas tensões se replicarem no Indo-Pacífico.
DIANA SOLLER, Colunista do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 19 fev 2022, 00:1215
A situação na Ucrânia que se arrasta, pelo menos, desde dezembro, é um tipo de tensão a que vamos assistir muitas vezes nos próximos anos. É uma situação típica de fases de transição de poder, como a que estamos a viver agora, em que uma potência com intuitos revisionistas testa os limites da potência de status quo. A Rússia, que nunca escondeu que quer estender a sua esfera de influência e empurrar a NATO para uma posição de insignificância, viu uma oportunidade de exercer pressão sobre os Estados Unidos e fez questão de a aproveitar – como, aliás, seria de esperar tendo em conta o comportamento russo desde que Vladimir Putin tomou o poder, há mais de duas décadas.
Vamos, então, aos factos.
No
Verão passado, na primeira cimeira bilateral EUA-Rússia, Biden declarou a
Putin e à imprensa que considerava que Moscovo era uma grande potência.
Isto quer dizer, pelo menos, três coisas: (1) que os norte-americanos não se intrometerão na vida
russa, caso não haja atravessamento de linhas vermelhas que prejudiquem
Washington e os seus aliados; (2) que os norte-americanos reconhecem legitimidade à
existência de Moscovo, tal como é. Enquanto a China continua a ser um
inimigo existencial, a Rússia é um actor com o qual se compete e coopera
consoante as necessidades; e (3) o Kremlin tem o direito do tutelar a sua vizinhança
próxima, porque as grandes potências têm o direito a ter uma esfera de
influência. Concedendo um estatuto diferente à Rússia, terá
pensado a administração americana, “isolava” Pequim e apaziguava Moscovo.
Putin esperou por um momento de
fragilidade norte-americana para reclamar o seu prémio. Este chegou com a debilidade internacional da
retirada do Afeganistão (final de agosto) e a franqueza com que os
norte-americanos têm vindo a analisar a sua situação interna – a fraca popularidade
de Joe Biden desde setembro e o incremento da polarização americana que,
segundo diversos especialistas, tem condições para se tornar violenta.
Assim, Putin fez uso do cenário que lhe proporcionavam os exercícios
militares regulares de Inverno e apresentou aos Estados Unidos um ultimato em
que exigia o regresso da NATO às fronteiras de 1997, o recuo do armamento,
mesmo que defensivo, entre outras exigências que nunca seriam aceites por
Washington, sob pena de destruir a NATO que, salvo melhor opinião, ainda é a
aliança mais duradoura da história. Putin
cobriu as suas exigências com um manto de intimidação, fazendo acreditar que,
caso não se cumprissem parte das suas exigências – o Kremlin sempre soube que
nunca seriam todas – deflagraria uma “guerra” na Ucrânia.
A resposta dos Estados Unidos foi
gradual mas persistente. Primeiro, insistiu em sanções severas. Depois, começou a denunciar diariamente os avanços da
Rússia, tal como Kennedy tinha feito com sucesso, na Crise dos Mísseis de Cuba. Uma vez ou outra, por Anthony Blinken ou Jack
Sullivan, deu a entender que não estava fora de questão usar
“outros meios” caso a Rússia avançasse para além das suas fronteiras. O facto de a
diplomacia americana estar a tratar estas tensões como se trata de uma guerra
iminente, torna a intimidação da Ucrânia por parte de Moscovo um acontecimento
em grande escala junto da comunidade internacional e denuncia as intenções não
justificadas do Kremlin. Biden,
visto por muitos como um presidente fraco, está a manobrar esta situação com
bastante perícia.
A
tensão e a guerra de informação vão manter-se por mais algum tempo. Washington continuará a dizer que a guerra vai
começar no dia do encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim e que
nada justifica a acção musculada de Putin na fronteira. Moscovo
vai continuar a dizer que a NATO não correspondeu às suas imposições legítimas
e a evocar os direitos das minorias russas em território estrangeiro. os
membros da NATO vão continuar a dizer que ainda há lugar para uma solução
diplomática.
Ainda pode ainda haver uma guerra?
Pode. Por três razões: nestas situações em que se escalam tensões pode sempre haver um
momento em que um acidente ou mesmo um cálculo mal feito pode levar algum dos actores,
mais afoito, a disparar o primeiro tiro.
E se as forças militares estacionadas na fronteira da Ucrânia não têm
dimensão para uma invasão em larga escala, o Kremlin ainda pode ordenar uma
incursão capaz de destruir o exército ucraniano. E as manobras de quinta-feira dos separatistas do Donbass abrem a
porta a Putin para fazer a alegada defesa dos cidadãos russos fora de
fronteiras.
Ainda
vamos ter de esperar até que as tensões se desanuviem. Mas mesmo que não haja uma guerra limitada, o Kremlin
pode dizer que “ganhou” a Ucrânia (mesmo que seja por falta de comparência
ocidental), a NATO pode dizer que mantém as suas fronteiras intactas, os
Estados Unidos podem dizer que evitaram uma guerra iminente. Ninguém perde a face.
É legítimo perguntar se alguém ganha
com estes meses de inquietude para, na verdade, nada mudar significativamente.
Não me parece que haja vencedores nem vencidos. Há, essencialmente, um tipo de
tensão que vamos ver muitas vezes daqui para a frente: potências a testar os
limites umas das outras. Muito mais difícil será se estas tensões se replicarem
no Indo-Pacífico, o que não está, pelas razões elencadas acima, do todo, fora
de questão.
COMENTÁRIOS:
David Pinheiro: Quem ganha, de
certeza, é a NATO, que ganhou nova vida. João Afonso: E o Trump é que coiso e tal. Já o Biden, ui ui. A Europa está entalada, impotente e completamente
exposta a um jogo perigoso, mas nem assim há a honestidade de fazer uma análise
retrospectiva da política externa americana durante a presidência Trump em
comparação com a actual. Ou pensam que o cheiro a guerra, a incerteza e a
ameaça à Europa é fruto da sorte ou do azar? Censurado Censurado > João Afonso: Deixa lá essa paixão de quem é mais que passado e nem
as contas paga. João
Afonso > Censurado Censurado: As contas fazem-se no fim, e agora que chegou ao fim,
convém relembrar as tontas marionetas canhotas que profetizaram o fim do mundo
e asseguraram que com Trump viria a guerra. Só pela paixão se explica como engoles o flop Joe.
Deves andar angustiado com as escolhas:
de um lado o Joe, do outro o Putin ! Censurado Censurado: Adoro estas colunistas que fazem questão de começar
logo por dizer ao que vêm e que de independentes não têm nada. Além de mais
honestos quanto ao engajamento ainda poupam imenso tempo c/ statements:
“(2)
que os norte-americanos reconhecem legitimidade à existência de Moscovo, tal
como é.” E o Mundo rejubila de contente porque os EUA reconheceram finalmente
Moscovo! Melhor mesmo só: “A Rússia, que nunca
escondeu que quer (…) empurrar a NATO para uma posição de insignificância…”
Ou seja, para toda a existência que
consegue justificar ou os 50 anos até à queda do muro. Como foi aliás
prometido ao Mundo e à Rússia à época. Que a Nato nunca procederia a qq
alargamento. Como ainda hoje defendem muitos estrategas norte americanos que
sempre previram outra Guerra Fria. Posto que a Rússia tem todo o direito de não
conviver bem com esse alargamento! Quanto mais não fosse porque o período até à
queda do Muro é realmente o único período que consegue justificar a existência
da NATO como foi criada! Depois do populista mais sobrevalorizado da história,
Mr. Chrchill cambalhotas - ter criado o conceito e declarado o início da Guerra
Fria! Mr. Churchill que já no deflagrar da 1ª
guerra no Almirantado até a alma do RMS Lusitania com mais de 1 000 vidas
humanas encomendou ao Criador para trazer os EUA para a Guerra na Europa. O que
acabava com a carreira de qq político menos aristocrático em qq parte do mundo.
Já na 2ª Guerra Putin tb costuma dizer que Stalin devia ter um colchão de
ginástica só para o receber com os seus pedidos de ajuda. Putin que até é um
grande crítico da sua geriatria ortodoxa comunista. Outra coisa que Mr.
Churchill não deve ter previsto na 2ª Guerra foi que os americanos só vieram
engolir a libra esterlina. Finalmente saudar a colunista por ao menos não ter
enveredado pela narrativa do imperialismo de antanho. Ao que eu me pergunto
sempre se os seus crentes não terão ao menos dois neurónios que lhe digam que
os Impérios tb acabaram porque são insustentáveis sem escravos. Por maiores
esforços da globalização tb nesse sentido de retorno. P.S. E
também é verdade que Kennedy fez algo parecido com os mísseis de Cuba.
Esqueceu-se, foi de fazer o mesmo uns meses antes quando instalou os mísseis na
Turquia. Que pagou por essa via o ingresso no clube. Como outros a partir de 97
como diz e bem a colunista. Cisca
Impllit: Não queria os russos como vizinhos. Ou
se lhes faz a vontade ou destroem de uma forma ou de outra! Censurado Censurado > Cisca Impllit:
Eu tb preferia russas. JS M:
A Ucrânia faz parte da Rússia quer a gente queira, quer
não queira. Já houve Dolgorukis (príncipes da Ucrânia) que foram Czares da
Rússia. Por isso nem NATO nem americano nenhum poderá mudar a geopolítica.
klaus muller > JS M: Mas se eles não querem ser parte da Rússia atualmente,
terão de sê-lo à força apenas porque "príncipes da Ucrânia foram czares da
Rússia"? J
Sm > klaus muller: As coisas não são assim tão simples. E quem são
'eles'?! Quer pesar a vontade histórica de milhões de ucranianos na mesma
balança que uma hipotética vontade conjuntural, impulsionada por uma
também hipotética adesão a uma união europeia, que sabe-se lá quanto tempo vai
durar?! Mas nem precisamos de ir por aí. A soberania nunca é absoluta. Se os
portugueses se levantassem todos num dia e votassem a existência de bases
russas no Alentejo essa vontade nunca seria satisfeita. A não ser que
estivessem dispostos a morrer todos por isso. Portugal existe porque muita
gente morreu para que ele existisse. Não teve nada a ver com vontades episódicas
e conjunturais. Uma votação apaga a outra no dia seguinte. klaus muller > J Sm: Isso não foi resposta à minha pergunta que, aliás,
saltava à vista que não era para ter resposta. Mas uma coisa é factual: tal
como os russos se acham no direito de se sentirem ameaçados com a NATO logo ali
ao seu lado, os Europeus também têm o direito de se acharem ameaçados com a
possibilidade (real) dos russos concentrarem e ameaçarem com tropas mesmo aqui
ao nosso lado. Daí que recorramos à NATO, pois é a única saída que temos, caso contrário
há muito que seríamos engolidos. Francisco Tavares de Almeida: Que trapalhada. Putin e Biden a testar quem faz
xi-xi mais longe. E, já agora, vamos juntar Xi à competição de xi-xis no
indo-pacífico. Tudo egos; nada de interesses geo-estratégicos. No Verão passado, na primeira cimeira bilateral
EUA-Rússia, Biden declarou a Putin e à imprensa que considerava que Moscovo era
uma grande potência. Ora aí está uma frase verdadeira mas que vale zero sem enquadramento.
Quando Trump elegeu a China
como inimigo principal, fez questão de impedir a Rússia de se aproximar à
China. Conferenciou directamene com Putin - sem nunca reconhecer a Rússia como
grande potência - e fez declarações elogiosas mas totalmente inócuas. Foi
então crucificado por todos, imcluindo Diana Soller. Internamente chegaram a
acusá-lo de estar a trair os EUA em favor da Rússia. Biden acede ao cargo e a
primeira coisa que fez foi declarar publicamente que considerava Putin um
assassino. Menos de 15 dias depois, a pedido dele próprio, foi encontrar-se com
Putin e fez a declaração em epígrafe. Ou seja, pediu desculpas públicas, deu a
Putin o reconhecimento que procurava e nem sequer segurou o futuro
comprometimento da Rússia com a China que é hoje um facto notório, na aviação,
no espaço, na energia e sobretudo na política. Xi apoiou a Rússia na
questão da Ucrânia e Putin irá apoiar a China na questão de Taiwan.
Numa coisa,
Diana Soller tem razão. A Europa continuará a pedir a intervenção da diplomacia
porque, de facto, mais nenhuma intervenção lhe é possível. No actual quadro de
dependência, se as coisas azedarem, a indústria alemã pára e os alemães
(polacos e outros) arriscam-se a ver os seus velhos a morrer de frio em casas
sem aquecimento, como se fossem portugueses.
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