Com que a providência previdente – ou
vice-versa, a previdência providente - do forreta do Salazar possibilitou, provavelmente, a
manutenção do status anterior – (de mediana, se não inferior, vivência, embora)
– e mesmo aquando dos tempos extasiados do 25 de Abril e seguintes, de vivência
mais condigna – e, aparentemente generalizada - embora não pelo esforço
próprio. Barras que só chegaram aos dias de hoje - já bem reduzidas, todavia, como
se lê em notícias da Internet - graças à inestimável participação esmoler da
Europa Unida, que a nossa adesão à CEE em 86, possibilitou. As tais toneladas
estão, naturalmente, bastante diminuídas, talvez por terem ajudado ao pagamento
da dívida externa, que evidentemente já não cobrem. Sim, Salazar foi muito mesquinho ao preferir pagar a
dívida externa que recebera da anterior República, e além disso guardar as tais
barras de ouro obtidas do governo sul-africano, graças ao trabalho dos magaíças
nas minas da África do Sul - já na antevisão das novas dívidas, que ele sabia,
pai cuidadoso, que iriam surgir, com a sua morte, habituados que estamos aos
solavancos na honestidade, já Eça, com brilho, o explicava. Nem todos têm esse
estatuto enérgico de bons trabalhadores e bons pagadores, como foram o do marquês
de Pombal, que tem estátua, e o do Salazar – sem estátua, que a não merece,
somítico que foi, e, para além disso, um ditador muito mal visto pelos liberais
de hoje. E pelos de ontem também, amadores das liberdades, sem preocupação
pelas dívidas, nem por um trabalho de rigor, propício ao pagamento das tais –
sem barras adicionais.
Mas leiamos antes as explicações de
fundamentação Histórica e Económica, do Dr. Salles, e de Carlos
Traguelho, com as reflexões de outros intervenientes, esquecidos do
atraso - e más políticas – seculares do
país, preferindo responsabilizar Salazar por isso tudo.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 19.02.22
Hoje refiro-me às famosas 800 toneladas de oiro que as casas fortes
do «Banco de Portugal» ciosamente guardavam ao 25 de Abril de 1974.
E a questão é a de saber como
foi possível juntar tamanha fortuna.
Que eu saiba, por três
causas.
A política de
entesouramento de Salazar como antídoto
para eventuais situações de bancarrota como aquela que o levara ao poder. E esta política passava por três vectores:
o estrito controlo da despesa pública de modo a sempre conseguir
superávites nas contas do Estado; estrito controlo da dívida externa pública (Salazar não descansou enquanto não a
domou); estrito controlo da dívida externa privada, nomeadamente pelo
controlo administrativo do comércio externo e pela gestão rigorosa das demais
componentes da Balança de Pagamentos;
Todo o movimento cambial de
Portugal e das colónias passava pelo Banco de Portugal» e a todas as
parcelas do espaço eram exigidos superávites cambiais sendo que o
desenvolvimento era apenas aquele que o equilíbrio das contas públicas e os
superávites cambiais permitissem;
A avidez sulafricana por
mão-de-obra moçambicana para as minas de oiro, conduziu ao estrito
controlo dos «magaíças» pela Autoridades portuguesas de modo a impedir o
tráfico humano, nomeadamente pelo controlo de passaportes (assim
como controlo dactiloscópico para ultrapassar a falsificação dos passaportes)
e garantia de pagamentos dessa mão-de- obra pelas entidades patronais mineiras.
Paralelamente, o Estado Sulafricano pagava periodicamente ao Estado Português
uma certa quantidade de lingotes de oiro pela cooperação desenvolvida em todo o
processo.
Eis como se amontoou tão
pesada herança; eis como num ápice no Largo do Carmo em Lisboa em 1974
se foram os dedos e ficaram os anéis.
Fevereiro de 2022
Tags: história
COMENTÁRIOS:
Rui Bravo Martins 19.02.2022 11:22: Muito actuais os relatos históricos e reflexões
daquela época em Moçambique e o paralelismo com o que se passava aqui em
Portugal. O que me surpreendeu, por não ter tido nunca qualquer informação
sobre o facto, foi o modo de pagamento dos Sul-Africanos pela colaboração de
mão-de-obra africana nas minas de ouro. Surpresa total! Cumprimentos Rui Bravo Martins
Anónimo 19.02.2022 14:43: Como sabemos, uma das críticas a Salazar era que ele
entesourava demasiado em vez de utilizar parte das reservas no desenvolvimento
económico, designadamente na importação de bens de capital. Admito também,
tal como tu, que esse comportamento tenha alguma razão de ser na vivência
que Portugal teve antes do saneamento das finanças públicas, por ele realizado,
assim como do espectro (e, por vezes, mais do que isso) da bancarrota e das
condições leoninas que os banqueiros impunham na concessão de empréstimos à
República. A sua desconfiança a empréstimos e apoios externos está bem ilustrada no seguinte: após o termo da 2ª
guerra mundial, quando o Estado possuía reservas excepcionais de ouro e divisas
(julgo que as exportações de volfrâmio não terão sido alheias também a essa
situação), o Governo recusou o Plano Marshall e só no final da década
40, quando a situação económico-financeira do País se revelou grave é que o
aceitou, o qual, juntamente com o acumulado de ouro e divisas, permitiu a
importação de bens e serviços que escasseavam, bem como a de bens de capital
para a modernização económica do país (páginas 552-554 de “Pedro
Theotónio Pereira”, por Fernando Martins).
Na sequela duma revolução, qualquer que ela seja,
haverá sempre decisões erradas, desperdícios, recursos mal utilizados, enfim um
sem número de coisas criticáveis. Quantas vezes se ouvia ou se lia “Ah! Se não
fosse a pesada herança!...”? São factos
indesmentíveis. Mas uma coisa te posso assegurar, Henrique: tanto quanto sei, o
Estado Português cumpriu sempre as obrigações, na ordem externa, a que
entidades públicas se tinham obrigado, mesmo quando essas já não pertenciam ao
perímetro do Estado. Estou a
referir-me, por exemplo, a responsabilidades inerentes às antigas Colónias,
como o financiamento de obras públicas. Quando os Bancos abriram, após o 25
de Abril, constou, não sei se com razão, que o primeiro pagamento externo foi a
liquidação de uma obrigação contraída no âmbito da construção da barragem de
Cahora Bassa. Essa
atitude por parte Portugal permitiu, em 1976, que o Estado, os Bancos e as
principais empresas portuguesas regressassem aos mercados internacionais e
obtivessem financiamentos do Banco Mundial, do Banco Europeu de Investimentos,
do alemão KFW, do austríaco Creditanstalt, entre outros. Abraço. Carlos Traguelho
Adriano Miranda Lima 19.02.2022 23:45: Fico bem elucidado, e confirma-se o que Franco
Nogueira desenvolve na sua biografia sobre a Salazar acerca do rigor e da
firmeza da sua condução da coisa pública. Tal como o comentador anterior,
Rui Bravo Martins, eu ignorava que os governos da África do Sul pagassem a
Portugal em ouro a cedência de mão-de-obra para as suas minas do mesmo precioso
metal. Também outra grande fonte para o "entesouramento" foi a
venda de volfrâmio, quer aos alemães quer aos aliados. Mas, Dr. Salles, na
sua qualidade de economista, pergunto-lhe se foi correcta a estratégia
adoptada por Salazar ao evitar, ou pelo menos moderar cautelosamente, o
investimento industrial no país, via que seria importante, para não dizer
imprescindível, para a criação de estruturas sólidas que lançassem as bases
para um futuro que nos pusesse mais ou menos a par dos nossos parceiros
europeus. Por isso é que a visão que o estrangeiro comum tinha de Portugal
era a de um país rural. Por tudo isto, e quando hoje em dia, ou desde sempre,
se discutem as tipologias dos sistemas económicos, pergunto como se deve
classificar o sistema de Salazar, independentemente do corporativismo por ele
adoptado e similar ao de outros regimes autoritários. Liberalismo é que não
era seguramente, menos ainda o neoliberalismo de Hayek e Keynes.
Capitalismo de Estado também não, porque logo induziria o sistema comunista.
Social-democracia igualmente jamais, porque pressuporia a existência de
democracia liberal sob a égide de um estado social sólido e garantido.
Assim sendo, só resta concluir que a designação mais simplificada é: "sistema
salazarista". Teve obviamente os seus defeitos e limitações,
impedindo uma visão alargada do desenvolvimento, mas é um facto incontroverso
que nunca as contas públicas portuguesas andaram em carris tão seguros. E quanto ao corporativismo, sabe-se também que não
funcionou como foi concebido, originando até divergências constantes entre os
seus actores. Franco Nogueira não o esconde na sua biografia.
Um abraço amigo Adriano Lima
Henrique Salles da
Fonseca 20.02.2022 06:22: Resposta ao
Senhor Coronel Miranda Lima: Na minha opinião, o regime do Doutor Salazar era
autoritário (como forma de impedir as discussões parlamentares que ele
considerava estéreis e intermináveis), monástico-ruralista (a «felicidade»
virtuosa da pobreza), conservador (do arcaísmo), inspirado na doutrina social
da Igreja (nada tendo a ver com a Democracia Cristã pois não era democrata). O
condicionamento industrial (só revogado por Maria de Lourdes Pintasilgo) foi o
grande instrumento do anti-liberalismo de Salazar.
Antonio Fonseca 20.02.2022 16:07: Não fazia mínima ideia que Portugal tinha 800
toneladas de oiro nas casa forte do Banco de Portugal! Pergunta óbvia: porque
não investir pelo menos no capital humano - educação, saúde, acesso aos lugares
remotos, etc.?. Não precisava de desembolsar divisas para isso. Confirma o
conhecido paradigma - numa hierarquia, o indivíduo é promovido (promove-se,
neste caso) até alcançar o seu nível de Incompetência. Isto, mais o outro mal
que acompanha todos autocratas, imaginar-se indispensável. Doutor Henrique,
estou acompanhando com grande interesse as suas Reflexões sobre as Colónias
(gostaria de ler, Províncias): francas, incisivas, prenhe de informações
interessantíssimas. Estou lhe muito agradecido. António Fonseca
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