terça-feira, 31 de agosto de 2021

Igrejas

 

Laços que se criam - dantes recusaram-se - com estas fugas e um ocidente amistoso e permissivo, até mesmo, provavelmente, aos fundamentalismos impostos pelas sharias islâmicas, que o Ocidente acolhe, para a globalização democrática, mais mansa a atitude da Igreja Católica, mais severa a Comunidade Ortodoxa Russa… Um texto de bastante interesse, o seguinte, do teólogo Alexandre Freire Duarte.

Olhares do Afeganistão com a ortodoxia russa

A comunidade Ortodoxa Russa, embora cada vez mais missionária, não tem visto com bons olhos a presença de grupos religiosos que possam colocar em causa a sua actividade e prestígio na sociedade russa.

ALEXANDRE FREIRE DUARTE, Teólogo católico, investigador do CEHR-UCP

OBSERVADOR, 31 ago 2021,

 Não sou um especialista em política internacional, nem em conflitos bélicos, nem em relações internacionais, nem em geoestratégia, etc. Sou apenas um teólogo católico, também interessado, devido aos meus estudos relacionados com a espiritualidade e a mística cristã ortodoxa, na comunidade Ortodoxa Russa (cOR). É enquanto tal, e somente enquanto tal, que escrevo estas palavras.

Poder-se-á perguntar o motivo de eu não dar atenção ao Afeganistão a partir da óptica do Catolicismo. O motivo é simples: estimo que as pessoas que falam o idioma português (e que compreensivelmente configuram o público-alvo mais expectável do Observador) já conhecem, ou podem vir a conhecer facilmente, a posição da Igreja Católica sobre a actual situação, até mesmo dentro do quadro mais vasto da “crise mundial de refugiados”. Já o que a cOR pensa, igualmente devido à sua mais íntima e dolorosa ligação histórica aos povos da ex-URSS que intervieram militarmente no Afeganistão, sobre o que se vive presentemente, seja neste último país, seja em resultado disso noutras coordenadas, será mais desconhecido e, assim, quiçá mais relevante de ser tratado.

Posto isto, e para que ulteriormente possam ser feitos contrapontos, talvez não seja despiciente recordar o essencial da posição da Igreja Católica.

Rejeitando, ao contrário de tantas outras instâncias, ignorar e não nomear o elefante” que também se encontra subjacente ao que se passa no Afeganistão – o Islão –, a Igreja Católica estima que o diálogo é o único caminho trilhável para a paz e a segurança do povo afegão. Este diálogo deve pautar-se, do lado católico, por três esteios fundamentais. Em primeiro lugar, estar totalmente desprovido de interesses proselitistas. Em segundo lugar, ser vivido em linha de uma fraternidade humana global. Por fim, estar firmemente baseado em duas convicções diversas vezes manifestadas pelo Papa Francisco, as quais, embora não sejam magisteriais – nem obrigatórias, definitivas ou infalíveis –, são muito importantes. A saber: que nada no Islão convida ao terrorismo e que o verdadeiro Islão e a leitura correcta do Corão implicam uma oposição franca a todas as formas de violência (cf. Evangelii gaudium 253).

A partir da moldura entretecida por esses três esteios, a Igreja Católica afirma corajosamente que o acolhimento de migrantes e refugiados não deve ser encarado por ninguém com receio ou hostilidade, antes com uma franca e calorosa bondade compassiva. A juntar a isto, os cristãos católicos devem mover-se talqualmente por um franco espírito evangélico repleto de amor incondicional, de discernida hospitalidade integrada, de apoio dignificante e de promoção humana respeitadora da diferença que enriquece.

Avançando para a abordagem à posição da cOR, é de se ter logo em conta que a relação entre aquela e as autoridades civis russas é deveras marcante e intensa. Em última análise, essa relação não se pauta tanto por ser entre a religião e o Estado, antes, e na linha da sumphônia do Imperador romano-bizantino Justiniano I, entre a religião e a política dentro do Estado. Sendo assim, esse instável equilíbrio de forças, vigente dentro de uma mais alargada moldura estatal, configura como que uma via media entre duas atitudes que se encontram em planos opostos.

Quais são essas duas disposições? De um lado, temos a aguda e saudável aceitação da separação, no Ocidente, da religião face ao Estado. Uma aceitação decorrente, nomeadamente, quer das diferentes ondas de laicidade e secularidade socioculturais provindas desde a Aufklärung, quer do tardio ressourcement católico, que, de modos distintos, sublinham a autonomia entre o “dar a César” e o “dar a Deus”. Do outro lado, e apesar de distintos intentos ocidentais de exportação de uma tal desvinculação, encontramos o frequente vir ao de cima, nos países que se identificam como islâmicos e onde se estima que o maior César é a própria divindade muçulmana, da matriz maometana da associação entre o político, o religioso e o militar.

A história da Rússia, mesmo marcada pela barbárie radicalmente ateia do regime soviético, não permite que a realidade seja outra, e o povo russo reconhece, ainda e geralmente, a função da cOR na progressiva e actual configuração da sua identidade nacional. Daqui resulta uma ligação assaz simbiótica entre um sistema governamental, que se serve da cOR como pilar de unidade e de estabilidade para a consolidação de uma sua acção querida como omniabarcante, e uma cOR, endógena e primigenamente vinculada a nível geográfico ao território russo, que utiliza aquele sistema de governo como meio de preservação e incremento do seu papel e pertinência.

Não deve espantar, pois, o facto de a administração russa estimar que o “dar a Deus” passa igualmente pelo “dar a César”, ou, como já é assaz comum ler-se, que César e Deus são parceiros no mais amplo entendimento anfibológico de tal governo. Tampouco a surpresa deve surgir quando se vê tal governação defender a teologia da cOR, mediante, por exemplo, o criticar da teologia ocidentalSergey Lavrov, em Junho deste ano, fez isto mesmo, quando disse que tal teologia postula um Cristo bissexual e não-binário. E criticá-la, sobretudo quando se trata de defender hibridamente as ancestrais prerrogativas do Patriarcado de Moscovo face às crescentes ambições autocéfalas, mas próximas das aspirações e dinâmicas do Patriarcado de Constantinopla, das comunidades ortodoxas na Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia e Roménia.

Em sentido inverso, não é de se estranhar a comum, e muito visível, bênção religiosa realizada pela cOR às façanhas militares russas, aos membros das Forças Armadas Russas e até às armas destas (algo que, embora seja palidamente semelhante à acção das múltiplas dioceses castrenses ocidentais, depara-se com diferenças muito mais substanciais, também devido a diferentes tradições teológicas). Mais: nada de admiração, sequer, com o cuidado extremo evidenciado pela cúpula da cOR em apoiar, não só genericamente a vacinação contra a Covid-19, mas o próprio plano governamental concreto de vacinação em todas as suas diversas componentes. Um apoio que, no entanto, não tem sido partilhado por algumas figuras carismáticas da cOR (como o arquimandrita Porfiry Shutov), ainda agastadas pelas limitações impostas pelo governo a certas expressões religiosas tão queridas ao povo russo.

Após o fim do regime soviético – também antecipado pela celebração estatal, em 1988, do milénio do Cristianismo na Rússia –, a grande preocupação da cOR, então impulsionada pelo Patriarca de Moscovo, o aristocrata Aleksy II, foi a de restaurar o seu património imóvel. Encontramo-nos aqui com algo circunstancialmente análogo ao que aconteceu com as comunidades islâmicas dos Balcãs, depois do começo da fragmentação da Jugoslávia. Enquanto os apoios ocidentais eram usados na (re)edificação de estruturas médicas, culturais e educativas, os apoios islâmicos penderam para a (re)construção e multiplicação de mesquitas. Ou seja: visaram a proliferação de centros nuclearmente religiosos que pudessem servir de focos de irradiação de uma mundividência que moldasse o modo como aqueloutras estruturas acabariam por ser utilizadas.

Já com a acção do actual Patriarca de Moscovo, o eclesiástico Kiril, o foco da acção da cOR, embora não tenha abandonado totalmente os propósitos definidos por Aleksy II, passou a estar particularmente dedicada à clarificação dos fundamentos da cOR – basta ler o texto “Fundamentos das concepções sociais da Igreja Ortodoxa Russa” –, à internetização desta e à formação de mais clero. Recusando a participação pessoal dos sacerdotes e monges da cOR no processo político, a cOR não abdicou de fazer ouvir, cada vez mais, a sua voz, procurando persuadir acerca do seu irrefragável encargo histórico, moral e social. Como reflexo do sucesso disto mesmo, pode apontar-se o facto de Vladimir Putin, fazendo eco à generalidade das aspirações do povo russo, ter logrado colocar, em 2020 e na Constituição Russa então revista, a afirmação da crença em Deus como realidade intrínseca à consciência da Federação Russa.

Atentos necessariamente à complexa realidade vivida no Cáucaso do Norte e à memória dos militares mortos no Afeganistão e na Síria, nem o governo russo, nem a cOR desconhecem os problemas decorrentes de possíveis migrações de refugiados afegãos. Desde logo, não escamoteiam a realidade de que 99% dos afegãos apoia a aplicação da sharia (lei islâmica) e ninguém deseja que tal aplicação não seja estrita, excepto quem quer infringir a mesma. Seria algo como acreditar que alguém, além dos culpados e das eventuais pessoas mais chegadas aos mesmos, iria querer uma não rigorosa implementação da lei penal em Portugal.

Ou seja: nem a cOR nem o governo russo ignoram que tais migrantes iriam colocar problemas à estrutura social mais alargada em que se iriam inserir. Problemas variados e de monta, inclusive quando, no limite, se pudesse acreditar que no meio desses migrantes, porventura motivados pelo ditame religioso islâmico da deslocação territorial para se levar a cabo a dawa (proselitismo religioso), não se encontrariam terroristas quiçá inspirados pelas seguintes palavras atribuídas a Maomé: «Tornar-me-ei vitorioso pelo terror.» (Sahih al-Bukhari 2977)

Ante essas problemáticas, a resolução das mesmas teria que passar, na melhor das hipóteses, pela escolha do menor de duas soluções.

Ou a rejeição e, acaso, a possível repressão das aspirações dos migrantes afegãos por um Islão puramente ortodoxo e ortodoxamente interpretado – razão pela qual também não se tem visto condenações da, assim crida no Ocidente, interpretação heterodoxa talibã da religião islâmica. Ou, então, a incorporação legal e social dessas aspirações, as quais em tantos aspectos vão contra, quer as intenções do governo russo e da cOR, quer dos direitos humanos mais básicos – motivo que levou a que os países islâmicos tivessem redigido, em 1990, a “Declaração do Cairo”, a qual limita a abrangência de tais direitos ao consignado na sharia.

Apesar de cerca de mil afegãos com passaporte russo terem sido aceites na Rússia, Vladimir Putin não escondeu o facto de que não aceitaria aqueloutros migrantes. Afirmou mesmo que estaria disposto a intervir com força – embora não no Afeganistão – se os mesmos, instalando-se nos países da Ásia Central que outrora fizeram parte da URSS, pusessem em causa, pelo crime e/ou o terrorismo, a estabilidade nestes países e/ou na própria Rússia. Algo que Yuri Zhdanov – presidente da secção russa da Associação Internacional de Polícia – admitiu vir a ser muitíssimo provável.

Os exercícios bélicos que ocorreram recentemente no Uzbequistão, por sinal em zonas bem perto da fronteira com o Afeganistão, e depois no Tajiquistão, são sinal evidente dessa disposição do Kremlin. De qualquer modo, e segundo o parecer de Zamir Kabulov – envidado especial de Vladimir Putin para o Afeganistão –, a Rússia ainda estima que as forças talibãs, que se têm estado a preparar desde há anos para o que está a suceder diante dos nossos ignotos olhos, entregar-se-ão, pelo menos em parte, a uma solução política para a presente crise. Uma solução que não passe pelo aceitar do ressurgir, neste país, de grupos terroristas, tais como a Al-Qaeda ou outras suas metástases e contra-metástases ainda mais violentas.

Todavia, por via das dúvidas e servindo-se de meios ponderadamente alocados para aqueles mencionados exercícios, Vladimir Putin já tratou de retirar do Afeganistão centenas de cidadãos russos e filo-russos, alguns dos quais haviam usufruído, desde 2003, da presença activa da cOR em alguns eventos litúrgicos celebrados nesse país – onde, por sinal, se desejou construir uma capela nos próprios terrenos da Embaixada da Rússia. E isto, apesar da constituição afegã de 2004 ter declarado, com a anuência ocidental, que o Afeganistão era uma república islâmica onde seria interdito pregar publicamente o Cristianismo ou se operarem conversões a este. Até para serem evitadas prisões e – acaso fosse seguido o ditame, imputado a Maomé, «quem abandonar a religião, seja morto» (Sahih al-Bukhari 6922) – falecimentos violentos devido a adesões à fé cristã por parte de muçulmanos afegãos, a maior parte das acções religiosas da cOR restringiram-se, tal como aconteceu com as da Igreja Católica, a meras intervenções de apoio social e educativo.

Por seu lado, a cOR, embora cada vez mais missionária e atenta a circunstâncias mais amplas do que as ligadas à sua vida interna, não tem visto com bons olhos a presença de grupos religiosos que possam colocar em causa a sua actividade e prestígio na sociedade russa. Por maioria de razão, não verá com agrado quando uma tal presença medra de grupos que são intrinsecamente beligerantes e possivelmente dotados de milionários apoios financeiros para a realização da supramencionada dawa. E realizarem-na, particularmente através de obras de apoio social, as quais, na actualidade e com o apoio da esmagadora maioria dos russos, são tidas como sendo da peculiar responsabilidade da cOR.

De qualquer modo, e segundo o metropolita Hilarion Alfeyev, o enérgico polímato responsável da secção da cOR dedicada às relações externas, é um dever comum à cOR e à administração civil russa a criação de ambientes humanitários favoráveis para a integração dos migrantes. Isto, contudo, e ainda de acordo com aquele bispo da cOR, deve ser feito incluindo-se o cuidado de levar tais pessoas a se adaptarem e integrarem nos costumes e valores tradicionais vigentes nos locais em que serão acolhidos. E isto, de modo a que seja alcançado um desiderato por si tido como comum à cOR e ao governo russo: uma verdadeira união na Federação Russa que sustente uma duradoira paz no seio da mesma.

Em consequência disto que acabou de ser apontado, um recente documento, preparado pelo Conselho Supremo da Igreja Ortodoxa Russa, expressa que é dever da sumphônia entre a cOR e a política russa dar a conhecer, aos recém-instalados na Rússia, o que é este país, a sua cultura edificada sobre os valores da cOR e a missão desta na vida social, pública e cultural russa. Somente assim é que, na opinião recentemente veiculada pelo antes referido Hilaryon Alfeyev, se evitará o que aconteceu em outros pontos do globo: a fragmentação do poder instituído segundo os valores locais e o irromper, a partir do vazio político criado, do terrorismo medúsico.

A vida, desde a alienada e atroz débacle bindeniana, não está fácil para ninguém no Afeganistãocom a excepção possivelmente dos talibãs –, mas uma das minorias mais esquecidas e mais perseguidas são os cristãos. Se, em Junho deste ano, a embaixada dos EUA nesse país colocou uma imagem com uma bandeira arco-íris na sua conta de Twitter– prioridades… –, parece que poucos são os que se preocupam com aqueles afegãos que têm a bandeira de Cristo nos seus corações. Se fossem cães e gatos moribundos, como os que Pen Farthing deseja retirar de Cabul, as coisas talvez fossem diferentes.

Seja como for, se Moscovo, centro daquela há pouco referida sumphônia, aspira a ser a “Terceira Roma” – e porventura até se antevê como a única futurível Roma –, em breve saberemos muito mais acerca da sua posição a respeito do Afeganistão, seja pela voz do governo russo, seja pela da cOR.

MUNDO  AFEGANISTÃO  RÚSSIA

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

165 Comentários

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Mereceu a crónica de Helena Matos, nem todos, é certo, de apoio, instalados que estão no conveniente governo de parasitismo e incompetência, como ela bem descreve, e que esses traduzem através de ironias tolas de gente a quem presta o balofo cínico do processo, que deveria ser convenientemente justificado perante quem nos empresta ou dá a côdea da nossa desvergonha soez.

Casa de Repouso Portugal Socialista /premium

Portugal é hoje uma espécie de Casa de Repouso. Na propaganda tudo é asséptico e risonho. A realidade é outra, mas na Casa de Repouso Portugal Socialista o que conta é a ilusão.

HELENA MATOS

OBSERVADOR,29 ago 2021

Durante quanto tempo mais irão lá estar? À falta de melhor identificação chamo-lhes os funcionários do álcool gel. Em Lisboa e não só, a sua tarefa é mandar passar as mãos por álcool gel a quem pensa entrar em vários mercados municipais. Estas brigadas do álcool gel chegaram em 2020 com a pandemia. Ano e meio depois por lá são mantidos apesar da evidente inutilidade da função, pois nunca se provou a transmissão do vírus pela superfície das batatas, pescadas, laranjas ou alfaces.

Aeroportos, centros comerciais, lojas… mantêm os recipientes de álcool gel e os avisos para o utilizarmos mas há muito que deixaram de ter funcionários afectos a essa tarefa. Já no organograma das entidades pagas pelo contribuinte português, despesa criada é para ser mantida e acrescentada. Logo, os contribuintes portugueses, os tais que noutro país seriam pouco mais que pobres mas que aos olhos do fisco português são ricos, esses mesmos pagam a uns funcionários para barrarem a entrada a quem não se dispuser a colocar nas mãos o dito álcool gel.

Segundo os últimos números, 731.258 pessoas estão empregadas em Portugal nas Administrações Públicas. Mas, segundo a experiência de qualquer um que não tenha aderido ao modo de vida “confinado até ao zero Covid” e que, consequentemente, tente obter a documentação básica para trabalhar e viajar, as administrações públicas mostram-se cada vez mais incapazes de prestar os serviços a que se propõem: neste mesmo Verão em que se conheceu o número crescente de funcionários públicos foi também notícia que mais de 300 mil pessoas esperam pelo Cartão de Cidadão. E terão de esperar nada mais nada menos que entre três a seis meses. No caso dos passaportes, que antigamente se obtinham em cinco dias, agora demoram mais de dois meses a ser emitidos. As licenças para obras atrasam-se porque sim. Ninguém sabe quando a dra. assinará, muito menos quando o funcionário estará e se, nesse caso, poderá tratar do assunto.

Mas como se explica que, aumentando o número de funcionários contratados, a capacidade de resposta da administração pública seja cada vez pior? A pandemia explica estes atrasos, mas só em parte. Na verdade, o confinamento serviu para a administração pública se virar ainda mais para si mesma: à excepção da cobrança de receita, tudo o mais ficou sem data marcada. (A propósito, quantas das pessoas que ovacionaram Marta Temido no Congresso do PS tentaram marcar uma consulta num centro de saúde nos últimos meses? O alegado atendimento telefónico tornou-se uma barreira para os alegados utentes.)

Mas o número crescente de funcionários públicos ou a trabalhar no sector público, encerra outras e não menos incómodas perguntas: que funcionários estão a ser contratados? Que tarefas vão desempenhar? Notícias dispersas vão dando conta da dificuldade do Estado em contratar precisamente aqueles funcionários com que a retórica socialista justifica o crescente número de funcionários públicos: este ano, ficou por preencher um terço das vagas do concurso que pretendia contratar 459 médicos de medicina geral e familiar. No ano passado, no concurso para agentes da PSP só se candidataram 793 pessoas para um total de mil vagas. Diminuir a exigência foi a solução encontrada este ano para contornar a falta de candidatos à PSP. No caso da falta de médicos a solução, por enquanto, é outra: a interrupção dos serviços.

As administrações públicas crescem em número de funcionários, mas perdem competências e capacidade técnica. De certo modo e em diferentes funções temos a proliferação do que se pode designar como funcionários do álcool gel: gente que desempenha funções sem utilidade conhecida, de que não resulta qualquer benefício para o cidadão. Gente que produz instruções que temos de cumprir escrupulosamente para termos acesso a serviços ditos públicos. Gente cuja prepotência cresce na exacta proporção da inutilidade do cargo.

A DGS e a sua atrabiliária directora-geral são um bom exemplo desta degradação de uma administração pública que perdeu competência, ganhou funcionários e fez da subserviência ao poder (se o poder for socialista, obviamente) a sua imagem de marca.

O embevecimento pasmado com o desempenho do vice-almirante Gouveia e Melo à frente da Task Force para o Plano de Vacinação é bem sintomático de como já foi interiorizada esta degradação: basta que alguém desempenhe a sua missão conforme se propôs para que de imediato seja visto como alguém fora do comum, quiçá presidenciável. Se, como acontece no caso, o protagonista for um militar a desempenhar uma tarefa que cabe no âmbito do “humanitário” melhor ainda.

Somos hoje um país envelhecido que olha o futuro como velhos sentados num lar: o que interessa sermos o terceiro pior país europeu em termos de capital privado investido nas empresas em função do Produto Interno Bruto, se temos os dinheiros da bazuca? Os fundos da UE tornaram-se  na nossa pensão de sobrevivência: dá para irmos vivendo.

Portugal tornou-se uma espécie de Casa de Repouso: na propaganda tudo é asséptico e risonho. A realidade é outra, mas na Casa de Repouso Portugal Socialista o que conta é a ilusão e que se possa dizer que está tudo bem. Mesmo e sobretudo quando pressentimos que vai quase tudo mal.

PS. As negociações para aprovação do OE tornaram-se um leilão de novas oportunidades de poder para a esquerda radical. Ficámos a saber: “Governo quer que condenados por ódio possam ser expulsos de várias profissões. Proposta de alteração do Artigo 240.º do Código Penal está pronta. Sanção é para ser aplicada em casos muito graves a titulares de cargos e funcionários públicos, académicos e jornalistas”. Como é óbvio, todos os casos serão muito graves e ai do juiz que não for dessa opinião, pois todos os dias o seu nome ecoará pelas redes sociais como símbolo do mal. Mais óbvio ainda é que esta aberração não pode ser tolerada.

PS  POLÍTICA

COMENTÁRIOS

Antonio Castro: Excelente artigo!

Ashley Albuquerque: De intelecto medíocre, mas esperteza rara, Costa percebeu há muito e demasiado bem o povo português e em vez de usar esse conhecimento para o procurar elevar, usa-o para o explorar, diminuir e mesmo humilhar. Um narcisista patológico, um doente mental que recorre a um cinismo desmesurado com requintes de malvadez para dominar um povo. Não é coisa rara entre tiranos. Mas como alguém disse: cada um tem o que merece.

filipe mendes homem mendes: Gritam por uma 3ª geringonça, mais uma dose do mesmo tal como um Toxicodependente pede mais uma dose daquilo em que já se viciou. A Casa de repouso, é uma Inércia só movimentada e animada por mão do PS, pelos projectos que o PS entenda animar, e quantos mais houver, o tal "traz um amigo também", tudo se subverte na Letra do músico. Porque trazendo em demasia amigos para uma causa, ela tende a ser a única verdade dos amigos camaradas, sejam eles PCP ou do Partido Socialista que os comunistas tanto odiavam num passado recente...até que foram chamados por um amigo seu a formar um pseudo Regime de Esquerda onde toda a Esquerda estava comprometida no Governo que os manipulava e contra tal manipulação gritavam contra sempre que se negociava Orçamentos do Estado e Festas do Avante em Plena Pandemia política com que todos se infectavam, tendo supostos e antigos anticorpos capazes de os imunizar. Gritam por uma 3ª geringonça, mais uma dose do mesmo tal como um Toxicodependente pede mais uma dose daquilo em que já se viciou.

José Barros: Excelente. Helena Matos, lúcida e contundente como todos deveríamos ser, perante a notória degradação das instituições. Indispensável ler este texto.

Pedro Dimas: E existe alguma diferença essencial entre o PS e os partidos da "oposição" para que um dia(?) "o rectângulo" deixe de ser uma "casa de repouso"? Não existe. Há ainda, na maioria da população portuquesa, uma cultura estatista e providencialista fortemente enraizada, que vê no Estado uma grande mercearia que distribui bolinhos e outros géneros de sobrevivência por contraste com uma cultura de progresso, assente na criação de riqueza e na responsabilidade e ambição individual de cada um. Os partidos são vistos como os gestores desta grande mercearia providencial que é o Estado: invariavelmente, vota-se naqueles que prometem mais "bolos engana tolos" e não nos que se proponham criar condições para que mais riqueza e mais autonomia individual aconteçam. É a cultura da preguiça, da dependência, do conformismo e do menor denominador comum que a maioria dos partidos, da esquerda à direita, continua a estimular e a incentivar. O PS é apenas e só o campeão da coisa. Veja-se as promessas do Costa no congresso socialista: mais não sei quantas creches, mais não sei quantos apoios para filhos, mais subsídios para isto e para aquilo, mais as "drogas duras" e altamente viciantes dos estímulos a fundo perdido, PRRs e afins, etc, etc. Nada, mas nada, sobre o aumento da produtividade do Estado e das empresas, atracção de investimento externo, tornar o Estado mais amigo das empresas, um facilitador em vez de um complicador, a Justiça mais rápida e mais eficiente, etc., etc.... Por este caminho, a "casa de repouso" irá transformar-se a breve trecho num enorme "lar de terceira idade"; porque, para além da quebra da natalidade induzida por deficientes condições económicas das famílias, os jovens talentos, essenciais para que o País pudesse fazer uma ruptura com este marasmo, emigram para outras paragens, mais compatíveis com as suas ambições e qualificações e raramente voltam às origens, como antes acontecia...

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Como outrora os Romanos

 

O Ocidente vai-se deixando gradualmente infiltrar e seduzir, Capuchinho Vermelho embasbacado ante os olhos, o nariz e a boca do Lobo Feroz…  Os ouvidos são os seus, democraticamente fraternos.

 

Inimigos dos talibãs, mais radicais e com o sonho de impor um califado no Afeganistão. O que é o ISIS-K, a facção afegã do Daesh? /premium

JOSÉ CARLOS DUARTE:  Texto

PEDRO BASTOS REIS:  Texto

Responsáveis pelos atentados em Cabul são dissidentes de grupos terroristas. Acusam talibãs de serem fantoches e por isso querem derrubá-los e impor um califado. O Afeganistão entregue ao jihadismo.

Objetivo do ISIS-K é derrubar os talibãs e assumir o poder

LOS ANGELES TIMES VIA GETTY IMAG

OBSERVADOR, 27 ago 2021

Para justificar a saída das tropas norte-americanas a 31 de agosto, Joe Biden invocou a ameaça colocada pelo ISIS-K, a facção do autoproclamado Estado Islâmico no Afeganistão. Os alertas foram dados ao longo dos dias e a tragédia que se temia aconteceu, perante a impotência ocidental e dos talibãs — com os ataques terroristas desta quinta-feira em Cabul causarem a morte de dezenas de pessoas.

O Estado Islâmico reivindicou entretanto os ataques, tirando qualquer dúvida sobre a ameaça que o ISIS-K um grupo ainda mais extremista do que a Al-Qaedarepresenta não só para o Afeganistão, como para o resto do mundo. E que beneficiou com o anúncio da saída das tropas norte-americanas do Afeganistão.

“A tomada do Afeganistão pelos talibãs no meio da retirada das tropas norte-americano criou um vazio que, embora talvez não tenha sido propositado, permitiu o ressurgimento do ISIS-K no Afeganistão”, explica ao Observador Ashley Rhoades, analista da área da defesa do instituto RAND. Os objectivos do ISIS-K espelham os objectivos do ISIS, que procura estabelecer um califado do Estado Islâmico no Médio Oriente e em muitas regiões do mundo. Sendo um braço do ISIS, procuram impor a jihad no mundo ocidental e posicionar-se contra os valores ocidentais, espalhando o terror com ataques contra aqueles que não aderem a valores extremistas”, acrescenta a analista.

Com o objectivo de transformar o Afeganistão na sede do califado islâmico, o grupo ISIS-K vê na saída das tropas estrangeiras uma oportunidade para a sua expansão e para recrutar mais membros, apresentando-se como a única organização verdadeiramente jihadista no Afeganistão e acusando os talibãs de terem sucumbido às imposições do Ocidente, aceitando negociar a chegada ao poder em hotéis no Qatar em vez de o assumirem pela força e sem quaisquer cedências.

As lutas entre talibãs e ISIS-K

A chegada dos talibãs ao poder foi celebrada por vários movimentos jihadistas, entre eles a Al-Qaeda, e mais particularmente a rede Haqqani, com ligações ao grupo outrora chefiado por Osama bin Laden, que assumiu, inclusive, missões de segurança sob ordens dos talibãs, desde que estes tomaram o poder em Cabul.

Mas, se a Al-Qaeda celebrou a queda do governo do Presidente Ashraf Ghani e o regresso ao poder do grupo que os protegeu nos anos que antecederam os ataques terroristas contra as Torres Gémeas, nem todos os grupos jihadistas se congratularam com o regresso dos talibãs ao poder. Dias depois de os islamistas tomarem Cabul, o ISIS-K, através de um editorial nas suas redes de propaganda, afirmou que os talibãs não representam o movimento jihadista global e acusou-os de fazerem parte de uma conspiração orquestrada pelos Estados Unidos, uma tentativa de marcarem posição no movimento jihadista global.

O ISIS-K é dominado por salafistas e opõe-se aos talibãs, acusando-os de serem fantoches dos Estados Unidos e dos serviços secretos paquistaneses. São muito mais radicais na militância islâmica, afirma ao Observador Abdul Sayed, analista especializado em grupos jihadistas no Afeganistão e no Paquistão.

Em termos ideológicos, há diferenças mínimas entre os dois. A mundivisão islamista radical assente na sharia é igual. O que os diferencia são as lutas no poder e as miudezas ideológicas. Cada um diz que traiu os princípios ideológicos do islamismo. Mas ambos lutam pelos mesmos recursos”

Diogo Noivo, mestre em Segurança e Defesa pela Universidade Complutense de Madrid e especialista em risco político.

Abdul Sayed, analista especializado em grupos jihadistas no Afeganistão e no Paquistão”:

“Os membros do ISIS-K querem desafiar e provar que os talibãs não têm o monopólio na insurreição jihadista e que os talibãs já não são insurgentes, porque estão no governo. Além disso, querem dizer que os islamistas já não apoiam os talibãs, porque estes abandonaram a sua ideologia, já não são o grupo de outros tempos. O ISIS-K quer apresentar-se como único grupo jihadista no Afeganistão”, remata Sayed, sublinhando que os membros deste grupo jihadista são “muito mais extremistas na interpretação da religião”.

No que diz respeito às diferenças entre o ISIS-K e os talibãs, Diogo Noivo, mestre em Segurança e Defesa pela Universidade Complutense de Madrid e especialista em risco político, defende, no entanto, que a dimensão política é a mais relevante” — mesmo quando comparada com as diferenças na interpretação do Islão.

 Em termos ideológicos, há diferenças mínimas entre os dois. A mundivisão islamista radical assente na sharia é igual. O que os diferencia são as lutas no poder e as miudezas ideológicas. Cada um diz que o outro traiu os princípios ideológicos do islamismo. Mas ambos lutam pelos mesmos recursos”, sublinha o analista ao Observador, reiterando que, nas diferenças entre ambos os grupos, “a dimensão política é verdadeiramente a mais relevante”.

No meio desta disputa, os talibãs procuram consolidar o poder, e o grupo jihadista rival pode ser um entrave. “Os talibãs vêem o ISIS-K como uma ameaça para o novo regime no Afeganistão e querem reprimir a ascensão do grupo, mesmo que tenha fornecido um refúgio seguro para outras organizações terroristas”, sublinha Ashley Rhoades, analista da área da defesa do instituto RAND.

Objectivo do ISIS-K é derrubar os talibãs e assumir o poder. Teme-se “lógica de guerra civil”

Independentemente de quem é mais extremista, ISIS-K e talibãs têm-se defrontado nos últimos anos, e os islamistas que agora assumiram o poder no Afeganistão impuseram várias derrotas ao braço do Daesh, conquistando-lhes território.

Com a presença dos Estados Unidos e da NATO no Afeganistão — e sobretudo após os bombardeamentos contra infraestruturas do grupo — o ISIS-K perdeu algumas capacidades de organização, e, ao longo dos anos, vários dos seus militantes foram parar a prisões afegãs. Mas, conforme nota Abdul Sayed, com as cenas caóticas que resultaram da tomada do poder por parte dos talibãs, a maioria dos prisioneiros conseguiu escapar, e entre eles podem contabilizar-se centenas de militantes do ISIS-K, um factor que terá feito soar os alarmes de que a capacidade de um ataque terrorista poderia estar iminente.

Apesar das preocupações demonstradas por Joe Biden quando admitiu que cada dia a mais no Afeganistão constituía um risco acrescentado para as tropas norte-americanas e dos avisos constantes da possibilidade de ataques terroristas, nem as tropas ocidentais que ainda estão em Cabul nem os talibãs foram capazes de impedir os atentados desta quinta-feira. Atribuindo os ataques ao ISIS-K, os talibãs, através do seu porta-voz, Zabiullah Mujahid, contudo, não hesitaram em responsabilizar os Estados Unidos, garantindo que avisaram as tropas norte-americanas sobre possíveis atentados do grupo afiliado ao Daesh.

A grande questão é: qual o cenário após a saída ocidental? “Uma lógica de guerra civil, com tribos, famílias, senhores de guerra, Al-Qaeda, talibãs e o Estado Islâmico, que vai ser mais um elemento bélico num contexto territorial fragmentado e que se baseia na lealdade entre grupos flutuantes”

Diogo Noivo, analista

Se atentados destes acontecem a poucos dias do fim da missão da NATO, quando se consumar a retirada dos Estados Unidos, a incerteza será ainda maior. A grande questão é: qual o cenário após a saída ocidental?

“Uma lógica de guerra civil, com tribos, famílias, senhores de guerra, Al-Qaeda, talibãs e o Estado Islâmico, que vai ser mais um elemento bélico num contexto territorial fragmentado e que se baseia na lealdade entre grupos flutuantes”, explica o analista Diogo Noivo, referindo que existem especulações entre os analistas, que admitem a possibilidade de o ISIS-K e a Al Qaeda virem a entender-se no futuro, tendo em conta que o braço do Daesh no Afeganistão nasceu, precisamente, de uma cisão dentro da Al-Qaeda.

Dando força a esta tese, o New York Times nota que o líder do ISIS-K, Shahab al-Muhajir, foi operacional da rede Haqqani, com ligações à Al-Qaeda, e que por isso não é de descartar que ainda possam existir contactos e ligações entre os dois grupos jihadistas.

Por outro lado, uma ligação entre os talibãs e o ISIS-K parece algo impossível, e muitos analistas consideram que, quando as tropas norte-americanas saírem e os talibãs consolidarem o seu poder, os confrontos entre os dois grupos deverão aumentar substancialmente. Abdul Sayed considera que o objectivo principal do braço do Daesh no Afeganistão vai ser derrubar o governo talibã.

 “Querem assumir o poder, definitivamente. Querem assumir o controlo [do Afeganistão] e impor o seu sistema islâmico no país, ainda mais radical do que o dos talibãs”, garante Sayed. “O ISIS-K não tem o apoio que os talibãs têm no panorama do radicalismo islâmico, mas os seus membros estão muito bem treinados e são sofisticados”, acrescenta.

Como se movimenta o ISIS-K no Afeganistão e como viu a saída dos EUA?

Este ano, antes de os talibãs tomarem o controlo do país, a Organização das Nações Unidas (ONU) denunciava que, “apesar das perdas territoriais e de liderança” do ISIS-K em comparação com anos anteriores, esta facção do Estado Islâmico ainda continuava a “ser relevante” no Afeganistão, sendo o seu foco o recrutamento de ex-membros dos talibãs.

Num relatório publicado em junho, a ONU destaca que o ISIS-K ainda mantinha algumas células nas províncias de Kunar e Nangarhar, junto à fronteira paquistanesa. Após a derrota do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, uma das grandes prioridades do ISIS-K fora transformar o Afeganistão na sede do Califado, principalmente após “a decisão dos Estados Unidos e da NATO  de retirar todas as tropas”.

“O Afeganistão transformou-se na Las Vegas dos terroristas, dos radicais e dos extremistas”, sublinha Ali Mohammad Ali, antigo oficial de segurança afegão ao The New York Times, indicando que a vitória dos talibãs é um terreno fértil para que “mais extremistas venham para o Afeganistão”.

Liderados pelo emir Shahab al-Muhajir, os membros do ISIS-K têm levado a cabo ataques terroristas pelo Afeganistão — só entre janeiro e abril de 2021 a ONU contabilizou 77 — uma grande subida face a 2020, em que houve apenas 21 ataques terroristas.

Uma mais violentas ofensivas reivindicadas pelos ISIS-K aconteceu numa maternidade da capital, pertencente à organização Médicos Sem Fronteiras, na qual o ISIS-K matou 16 mulheres que tinham acabado de dar à luz e dois bebés. Outro ataque aconteceu na Universidade de Cabul, na abertura da feira do livro iraniana, onde um tiroteio matou 35 pessoas.

Segundo Adbul Sayed, após “a perda de muitos dos seus bastiões”, o modus operandi do ISIS-K passa por “levar a cabo ataques complexos e sofisticados” e também por recrutar membros em “centros urbanos, em Nangahrar e em Cabul”.

Como é surgiu a facção ISIS-K?

As origens do Estado Islâmico remontam ao final da década de 90, quando houve uma cisão entre membros da Al-Qaeda. Ganhando preponderância ao longo dos anos e após controlar partes significativas da Síria e do Iraque, o ISIS anunciava, em 2015, a expansão para a região do Khorasan, uma região da antiga Pérsia e que engloba partes do Afeganistão, do Irão, do Turcomenistão e do Paquistão.

“Trazemos as boas notícias de que o Estado Islâmico se vai expandir para o Khorasan. Por isso, incentivamos a todos a juntarem-se à caravana do califado e a abandonarem a desunião e o sectarismo”, anunciou o ISIS em comunicado na altura. A letra K passava a designar a facção do grupo extremista, uma vez que a região, em inglês, tem o nome de Khorasan.

A chegada ao Afeganistão não foi, contudo, pacífica, tendo-se o grupo ISIS-K envolvido em conflitos com os talibãs, com os quais mantêm uma histórica rivalidade. Adicionalmente, o ISIS-K queria a retirada das tropas estrangeiras do país, vendo-as como movimentos das “cruzadas”, que tentavam “converter” os muçulmanos a outra fé.

O primeiro líder do ISIS-K foi Hafiz Saeed Khan, um antigo combatente dos talibãs paquistaneses a que se juntaram “talibãs afegãos”, “desertores da Al Qaeda” e “militantes de centros urbanos, com estudos superiores”, explica Adbul Sayed.

O primeiro emir e líder do ISIS-K, Hafiz Saeed Khan, ajudara o exército talibã a lutar contra as tropas norte-americanas após a invasão do 11 de setembro. Com o passar do tempo, foi solidificando a sua posição dentro dos talibãs e sucedeu a Baitullah Mahsud à frente do grupo com sede no Paquistão.

Em 2014, oficializa a saída do grupo dos talibãs do Paquistão — um ano depois, torna-se o emir do ISIS-K, trazendo alguns dos seus homens de confiança com ele.

Hafiz Saeed Khan foi morto a 26 de julho de 2016 pelo exército norte-americano. Destino idêntico tiveram os três emirs que lhe sucederam: Abdul Hasib — que morreu em abril de 2017, após o lançamento da arma de destruição em massa, a Mother of All Bombs” (MOAB) —, Abu Sayed e Abu Saad Orakzai.

Mas o grupo não chegou ao fim e a adesão de novos membros ao ISIS-K continuou. Juntamente ao facto de o Estado Islâmico estar a começar a perder territórios na Síria e no Iraque, os extremistas pensaram tornar o Afeganistão como a sede do califado global, devido ao seu governo frágil e às redes de recrutamento bastante eficientes. A partir daqui, o próprio ISIS começa a investir recursos e a deslocar operacionais da Síria e do Iraque para a zona do Khorasan, refere o Centro de Estudos Estratégias e Internacionais (CSIS, sigla em inglês).

“A tomada do Afeganistão pelos talibãs no meio da retirada das tropas norte-americano criou um vazio que, embora talvez não tenha sido propositado, permitiu o ressurgimento do ISIS-K no Afeganistão

Ashley Rhoades, analista da área da defesa do instituto RAND

“Não há dúvidas de que Alá nos abençoou […] desde há muito tempo para lutar contra qualquer descrente que entrou na região do Khorasan”, declarou em 2015 o ISIS-K, acrescentando que “o Califado Islâmico não se iria limitar a um determinado país”. Outras das aspirações territoriais do grupo terrorista, numa altura em que o Afeganistão tinha em seu território tropas estrangeiras, consistia em “colocar a fita de al-Ubaq em Jerusalém e na Casa Branca”.

Depois da saída americana, atentados no Ocidente podem aumentar?

Quanto à possibilidade de o ISIS-K vir a seguir o exemplo do Daesh no que diz respeito a atentados no Ocidente, o analista especializado em grupos jihadistas crê que, nesta fase, o grupo pretende limitar os seus ataques ao Afeganistão e não acredita que o mesmo tenha capacidades para mais além. “Se tivessem essas capacidades, certamente que também estariam a fazer ataques no Ocidente”, diz.

A possibilidade de ataques jihadistas no Ocidente, no entanto, é uma preocupação dos vários governos ocidentais, que têm na memória uma série de ataques no passado atribuídos ao Daesh e à Al-Qaeda.

Apesar de retirarem as tropas do Afeganistão, os Estados Unidos garantem que vão continuar a dar elevada prioridade ao combate a atentados terroristas que sejam organizados a partir do Afeganistão — essa é mesmo uma das linhas vermelhas impostas aos talibãs, que têm garantido que não vão permitir que tal aconteça.

Quanto à possibilidade de tal acontecer, no início do ano, conforme nota a CNN, o diretor da CIA William Burns — que se encontrou em Cabul com o líder talibã Abdul Ghani Baradar — afirmou perante o Congresso norte-americano que nem o Daesh nem a Al-Qaeda tinham capacidade para lançar ataques contra os Estados Unidos a partir do Afeganistão. Contudo, advertiu que quando chegar a altura de as tropas norte-americanos se retirarem, a capacidade do governo para identificar e agir perante as ameaças vai diminuir”.

Essa data chega já na próxima terça-feira, assombrada por dois atentados que não conseguiram ser evitados, apesar dos vários alertas. O futuro depois de 31 de agosto é uma incógnita, mas todos os indícios apontam para cenários complexos e perigosos. Os olhos do mundo estão postos no Afeganistão e muito atentos ao ISIS-K. E Biden deixou isso claro esta quinta-feira, na sua reacção ao ataque em Cabul: “Não vamos perdoar, não vamos esquecer. Vamos perseguir-vos e fazer-vos pagar”.

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COMENTÁRIOS:

A M: Mais um país sem solução, a juntar a tantos outros subjugando-se pela busca de poder. O ser humano tem uma natureza bélica, de conquista. O mundo ocidental vai ser muito colocado a teste, pois está a aceitar refugiados (e bem), mas a aumentar os problemas internos onde alguns grupos não se querem adaptar e também aí tentam impor os seus ideais - basta ver o que já acontece na Bélgica, Países-Baixos, França e Inglaterra em que algumas cidades e bairros já foram testemunhas destes pequenos califados. A candura ocidental não tem reflexo no outro lado e começam a aparecer radicais da extrema direita cada vez mais descontentes. Preocupante onde isto aparenta ir parar…que Deus nos ajude a todos, qualquer que seja o Deus.          josé maria: Este ISIS-K será uma secção do "Bloco de Esquerda" na Ásia central? Seja como for quero mandar daqui as minhas saudações democráticas.             Ahmed Gany: Vitória pírrica dos Talibãs. Guerra Civil à vista.          H Esteves: Este atentado serve tb os interesses do regime deposto pelos talibā.         josé maria: Falta saber quais os países que financiam e vendem armas aos talibãs e ISIS-k...           Amando Marques > josé maria: O teu amigo Biden e que reequipou os Taliban com armas de última geração, que as tropas do EUA deixaram ao abandono quando fugiram às escondidas. Estes Xuxas sempre a fazerem figuras tristes !!               josé mariajosé maria: Isto é apenas uma questão retórica à qual já sei a resposta. Obviamente que quem financiou foram os Estados Unidos e o Trump.           Mario Almeida: A lavagem mais branco dos Talibãs prossegue …             Antes pelo contrário: Há no mundo 7,6 mil milhões de pessoas, a maior parte delas a viver em situações de pobreza ou em conflitos permanentes, muitos deles desde sempre - sobretudo os islâmicos - e só estão preocupados com os afegãos porquê?!? ...e o que é que NÓS temos com isso???              Antes pelo contrário > Antes pelo contrário: Querem trazer para cá gente portadora de conflitos? É mais uma alucinação dos católicos??? Julgam que por eles acreditarem num deus como vocês, isso faz deles boas pessoas?!? Ainda não perceberam que eles se andam a matar - como nós também fizemos durante séculos - precisamente por acreditarem que o deus de uns é diferente do dos outros, ou que os Talibãs, ou estes, ou aqueles, é que são portadores da verdade divina??? Como os sunitas e os shiitas mais os outros todos??? E acham que trazer para cá essa gente vai fazer deles cristãos??? Não sabem que já há quatro mesquitas em Lisboa?!? Não sabem que mesmo crianças, nestes países, já sabem usar uma arma ou lançar uma granada??? Quando toda essa gente, de já mais de 1 milhão em Portugal, começar a sentir-se confiante para fazerem o que lhes apetecer - isto fica igual ao país deles!!!          Gigi Tavares >Antes pelo contrário Já só falta então arranjar hostel, subsídio de alimentação e direito à saúde para esses 7,5 que têm direito também a “viver com dignidade” Afinal tratam-se de 7,5 mil milhões de diplomados de que precisamos para trabalhar aqui na Europa e um dia pagarem as nossas reformas. José Maria Tartufo: ISIS - Israeli Secret Inteligence Service            anastácio Jorge > José Maria Tartufo: Afinal???? Até pensei que fosse algum serviço secreto cá da zona