É coisa de todo o sempre e liberdade de
opinião foi aquilo por que se lutou no dia dos cravos. Por isso eles cá ficam,
esses talibãs de trazer por casa, que de casa não saem, como bem informa Alberto
Gonçalves: Eles cá estão, com todos os seus direitos de estar e nas comodidades
do seu bom viver, apreciando a bondade dos talibãs no mais profundo do seu ser,
mas na conveniente distância - contra o que se imporia, ao defendê-los, mais
prontos a desferir esses golpes de ataque contra os descrentes dessa bondade talibânica
do que em ir colaborar nessas sociedades da rigidez fundamentalista que tão bem
quadra, aparentemente, ao seu ser. Alberto Gonçalves não tem, de facto, papas
na língua, a desmascarar destes atropelos da contradição humana. Ser ou estar,
eis a questão, a copulativa de adição sendo bem avis rara, neste caso.
Os talibãs de trazer por casa /premium
O “fascismo” é muito perigoso, sobretudo quando é
imaginário. Quando é real, há uma forte hipótese de os comunistas o apoiarem.
Contra nós.
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 21 ago
2021
Nos
últimos dias, correu no Twitter o seguinte texto sobre os talibãs: “A
concretização da invencibilidade (enquanto um estiver vivo, haverá
resistência), da irmandade, da crença na bondade do que estão a fazer. Se isto
desculpa atrocidades? Não. Mas torna-os dignos de um segundo olhar. E, para já,
não houve atrocidades.” [corrigi os erros de português]
Adivinhe
quem escreveu isto: a) Um talibã; b) Dois talibãs; c) Um discípulo de Charles
Manson; d) Charles Manson; e) Um comediante; f) Ninguém. A resposta certa
poderia ser qualquer das opções anteriores. Não é nenhuma delas. A autoria
desse momento apetitoso para a psiquiatria é uma senhora que, ao que me
disseram, é advogada e assina uma coluna no “Expresso”. Uma investigação
mais aprofundada, que me demorou cerca de meio minuto, acrescentou que a
senhora é do Bloco de Esquerda e aparece em retratos sorridentes ao lado do dr.
Costa. Em suma, o texto acima foi escrito pelo exacto tipo de criatura que
se esperaria que o escrevesse.
A
criatura em questão, aliás, não se satisfez com a primeira exaltação dos
talibãs e, a título de polimento, juntou-lhe esta: “Os talibãs afirmam que
actuarão de maneira diferente, que não haverá violência, que, dentro da lei
islâmica, respeitarão os direitos das mulheres.” Sei que continua a parecer
sátira. Sabemos que não é. Existem mesmo espécimes que não resistem à sedução de
um bando de selvagens devotos da opressão, da tortura e da morte. Chamam-se
comunistas e é indiferente a estirpe a que pertencem.
A tal senhora, que não nomeio para não
publicitar trogloditas, não está sozinha.
Ao longo da semana, formal ou informalmente, surgiram por aí inúmeras
manifestações de relativização ou simpatia face aos talibãs. Do PCP ao BE, passando pelas zonas menos
envergonhadas do PS actual, não se pouparam esforços para celebrar a derrota do
“neoliberalismo” e a tomada de Cabul pelas forças “progressistas” (cito
um candidato autárquico). E não, não
estamos a falar de um daqueles movimentos patetas que prescrevem a virgindade
antes do casamento. Trata-se dos talibãs, os bons e velhos talibãs das
barbas e do surro, das castrações públicas e da escravização das mulheres, dos
genocídios literais e simbólicos, que de resto já retomaram as tradições que os
celebrizaram.
Não
há nada de novo. Se de um lado temos um psicopata a degolar infelizes e do
lado oposto um infeliz degolado, os comunistas nunca se baralham na escolha.
Lembram-se da última vez em que os comunistas hesitaram a decidir entre
o totalitarismo e a democracia? Aconteceu há oitenta anos e apenas porque
puderam opor-se a um regime assassino em prol de um regime assassino similar. Caso os nazis não tivessem violado o
pacto germano-soviético, os comunistas negariam hoje o Holocausto com a ênfase
com que negam o Holodomor, o Gulag e a bestialidade que calhar.
Nem
sequer é fidelidade ao leninismo: é repulsa a tudo o que for suspeito de
índices mínimos de liberdade, decência e tolerância, o que em geral coincide
com os sistemas ocidentais. Talvez seja engraçado recordar que, em 1996, os
talibãs que os comunistas agora acarinham arrastaram pelas ruas o cadáver
amputado do sr. Najibullah, em tempos o matraquilho do Kremlin na presidência
do Afeganistão. As recordações abundam. Recentemente, notei numa destas
crónicas a infalível preferência dos comunistas pela barbárie em detrimento da
civilização. É facílimo de acertar no Totobola dos tarados: Palestina vs. Israel – 1; Argentina vs. Reino
Unido – 1; EUA vs. Iraque – 2; Terrorismo
vs. Humanidade – 1; etc. Se
repararam, limitei-me a referir situações em que o encanto dos comunistas vai
inteirinho para governos, grupos ou filosofias inequivocamente
f-a-s-c-i-s-t-a-s, louváveis logo que ameacem o que merece ser preservado. Dos
governos, grupos ou filosofias assumidamente comunistas não vale a pena falar.
Vale a pena constatar que, havendo possibilidade de miséria e massacre, os
camaradas não desiludem.
A
propósito, a senhora que reclama compreensão e “um segundo olhar” para
tresloucados aproveitou o espaço no “Expresso” para esclarecer: “Os
Talibãs, no que os opôs e opõe aos Estados Unidos, têm algumas razões que devem
ser ouvidas.” Embora lhes
ouça as razões, a senhora não aprecia os talibãs por eles próprios e sim por
serem inimigos dos EUA e a antítese do “espírito” que os EUA, e afinal o
Ocidente em peso, representam. O evidente fervor sanguinário é
despiciendo se comparado com o abençoado ódio ao mundo em que vivemos – nós e,
inexplicavelmente, fanáticas do calibre da tal senhora.
É isto que custa entender, a insistência dos talibãs de trazer por
casa em frequentar sociedades que detestam. Conheço
(à distância, salvo seja) poucos comunistas que se mudaram da Europa ou da
América do Norte para Cabul, Gaza, Caracas ou Pyongyang. Nem sequer nas férias.
A que pretexto andam por cá a suportar o imperialismo, o materialismo, o
consumismo, o neoliberalismo, o machismo, a homofobia e os abusos climáticos se
podiam viver felizes num dos paraísos alternativos à disposição? É verdade que
Portugal está a aproximar-se rapidamente dos paraísos, mas ainda falta um
bocadinho.
Alguns,
talvez apressadamente, sugerem que os comunistas não se vão embora na medida em
que gostam de usufruir das vantagens do capitalismo e, altruístas, deixar que
outros sofram as maravilhas de um despotismo a sério. É uma teoria. A minha teoria é diferente: os comunistas permanecem aqui para, altruístas, nos
alertar acerca dos perigos do “fascismo”. O “fascismo” é muito perigoso,
sobretudo quando é imaginário. Quando é real, há uma forte hipótese de os
comunistas o apoiarem. Contra nós.
EXTREMA
ESQUERDA POLÍTICA COMUNISMO AFEGANISTÃO MUNDO PCP BLOCO DE
ESQUERDA
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