Refiro-me à do Dr. Salles, que não
desiste do seu papel de divulgador de tudo o que abone a favor da continuidade
da língua portuguesa, mesmo em terras de estreiteza territorial, que foram
inicialmente projecto ambicioso de descobrimento - do “caminho marítimo para a
Índia” – ponto de partida para outras paragens, para “além da Taprobana” – além
da costa africana, gradualmente abordada, antes dessa paragem ansiada - mas que
teria o seu termo, nas contingências da História, e acima de tudo, pelo fraco peso
dessa participação ao nível da economia, pese embora o relevo linguístico que
parece estar a renascer um pouco, segundo o texto colocado por Henrique Salles da Fonseca, de Delfim Correia da Silva (prof.), Director
do «Instituto Camões» em Goa - e bem o merece o pequeno povo português, que se fez
escutar na imortalidade de uma curiosa epopeia a qual descreve essa chegada em
estrofes de uma genialidade a merecer reconhecimento no mundo, e de que a
Internet permite uma imediata transposição, para nossa gratidão:
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.08.21
DELFIM
CORREIA DA SILVA (PROF.), Director do «Instituto Camões» em Goa
Departamento
de Estudos Portugueses - Universidade de Goa 16 August at 18:25 ·
Caros amigos, vem este meu texto a
propósito da verdadeira "mise-en-scène" que constituiu a reportagem
altamente difundida pela AFP e vertiginosamente transmitida, no último fim de
semana, em várias línguas, através de diversos órgãos de comunicação social
internacionais, sobre o rápido desaparecimento da herança lusófona em Goa e,
muito em particular, a morte da língua portuguesa.
Dois factos curiosos a registar:
1-a
matéria parece não ter sido muito valorizada pelos jornais locais.
2)
a reportagem foi realizada em fevereiro/março de 2021, mas só agora divulgada.
A História é o que é. Não podemos
reescrevê-la de acordo com aquilo que gostaríamos que tivesse sido. O copo para
uns está meio cheio, e, para outros, meio vazio, ou até totalmente vazio! O
que, relativamente à herança portuguesa em Goa, não é francamente o caso! Não
vou discutir as razões sustentadas pelas aves necrófagas ou profetas da
desgraça, nem tentar dourar a pílula, apenas apresentar neste meu espaço
factos que contrariam essa narrativa e que tenho ouvido desde a minha chegada a
Goa em 2008.
1-A herança cultural portuguesa não se
reduz ao pastel de nata ou ao fado, a cujo ressurgimento tive o prazer de
assistir, principalmente a partir de 2014, com a realização do concerto de Cuca Roseta na Kala Academy, o Concurso
de Fado da Semana da Cultura Indo-Portuguesa, o projecto cultural “Fado de
Goa” do Hotel Taj Vivanta, liderado por Ravi
Nischal, ao qual Sónia Sirsat deu a melhor continuidade e mais
recentemente a criação do CIPA onde
os turistas afluem para sentir, a exemplo do icónico restaurante Alfama no
Hotel Cidade de Goa, o ambiente de
uma verdadeira casa de fado. Hoje
em dia, começa a despontar um leque de entusiastas fadistas que seguem não só
os passos da sua mentora e formadora, Sónia Sirsat, mas também da talentosa
Nadia Rebelo. O fado é ainda objeto de estudo académico, pois integra desde o
ano académico 2018-2019 o programa de uma disciplina curricular do B.A. em
estudos portugueses, na Universidade de Goa.
Escusado será de referir a importância
do rico património cultural de influência portuguesa existente em Goa, quer a
nível da arquitectura, quer nas áreas da literatura, da música ou das artes em
geral que atraem anualmente centenas de investigadores nacionais e
estrangeiros, possivelmente tantos ou mais do que a Macau, território que serve
muitas vezes para estabelecer uma errónea comparação com Goa, realidades muito
distintas por razões que, por serem fastidiosas, me abstenho de desenvolver.
A
peça jornalística, centrada na rápida perda da identidade cultural portuguesa,
mereceu algum destaque no que diz respeito à língua, e o estado lastimoso em
que se encontra neste território. E mais uma vez, não podemos tomar como
referência o pujante crescimento verificado na China e em Macau, em particular,
por se tratar de realidades muito diferentes.
Sei que este texto, poderá ser lido,
na sua forma original, por pouco mais de 10,000 habitantes em Goa, número
escasso se comparado com os potenciais leitores de há 60 anos. Mas ao
contrário do apregoado declínio da língua portuguesa no território, nos
programas escolares e académicos temos assistido a um lento, mas seguro
progresso do português. Sim, é
verdade, após 1961 a língua sobreviveu em ambiente familiar, em quase
clandestinidade, a transmissão foi estabelecida dos pais para os filhos e mais
tarde para os netos. Noutros casos, com a morte dos mais velhos, morreu também
uma língua de herança.
O português, em contexto de
ensino-aprendizagem, é uma língua estrangeira em Goa, a par do francês, havendo
ainda a considerar alguns, poucos, aprendentes de alemão, italiano e espanhol.
A minha experiência em Goa, enquanto
leitor do Camões na Universidade de Goa, responsável pelo Departamento de
Português e Estudos Lusófonos de 2009 a 2018, coordenador da Cátedra Camões “Joaquim
Heliodoro da Cunha Rivara” e membro, até muito recentemente, do Board of
Studies de Português permite-me assegurar que os estudos portugueses estão,
contrariamente ao que pretendem fazer crer, de saúde, com resultados nunca
antes alcançados.
O Departamento de Português esteve
encerrado de 2001 a 2005. Até esse período, 39 alunos saíram formados com o
M.A., registando-se apenas um doutorado, em 1995. Graças ao extraordinário
trabalho do meu antecessor, foi possível reabrir o Departamento e reiniciar o
programa de M.A. em 2006. Desde então, saíram da Universidade de Goa 95 mestres
em Literatura e Cultura Portuguesas, muitos deles, hoje, docentes em universidades
indianas, colégios e escolas secundárias. Hoje em dia, o Departamento de
Português oferece um amplo programa de Estudos Portugueses. Para além
do M.A. e do M.Phil, criado em 2014, os
cursos de graduação contam também com os programas de B.A. Honors, inaugurado
em 2019-2020, e do Doutoramento relançado em 2020-2021.
Se nos últimos dois anos, assistimos a
uma redução no número de alunos inscritos nos cursos livres e opcionais, em
grande parte devido à suspensão das aulas presenciais e dos cursos da Cátedra,
consequência da pandemia, o número de inscritos nos cursos de graduação,
afinal o que mais importa em termos académicos, aumentou substancialmente.
E muito em breve, com o conhecimento exacto dos resultados das matrículas para
o presente ano lectivo 2021-2022, haverá, estou certo, dados ainda mais
animadores.
Há muito tempo que o Departamento de
Português deixou de ser a “lanterna vermelha” na Universidade de Goa,
considerando o número de alunos matriculados. O M.A. em português tem, desde 2006,
funcionado ininterruptamente e nos programas até se verificou uma expansão.
Claro, o copo está apenas meio cheio! Falta
desenvolver projectos academicamente mais ambiciosos. Estamos a dar, nesse
sentido, alguns importantes passos. Para além da Cátedra Cunha Rivara que
conta com conceituados investigadores e professores visitantes de prestigiadas
universidades portuguesas, deu-se início no ano passado ao programa de
Doutoramento em Português. Dos alunos formados com M.A. pelo
Departamento após 2006, dois estão atualmente inscritos no PhD da Universidade
de Goa, um inscrito no programa de PhD da Universidade de Delhi, dois
encontram-se na fase da escrita da tese doutoral (um, pela Universidade Nova de
Lisboa, e o outro, pela JNU/Universidade do Porto), e um outro, após ter
concluído o M.A. em 2010, defendeu recentemente a sua tese de doutoramento na
JNU.
Poderia, como bom indicador, mencionar
ainda a procura que temos sentido no Centro de Língua Portuguesa do Camões
em Pangim. Devido à pandemia encerramos os cursos presenciais em Março de
2019. Em Junho de 2019 reiniciamo-los na modalidade online com muito mais
sucesso. Este ano já ultrapassámos a centena de inscritos. Em Janeiro de
2021 realizamos, a pedido da directora dos Arquivos e Arqueologia, um exame
para a selecção de tradutores. Dos 20 candidatos, 19 foram aprovados com
elevadas classificações. Estes são alguns dos factos, e poderia apresentar
muitos mais, que, no mínimo, mostram que o rei não vai assim tão despido. Tirem
as vossas conclusões!
Tags: "lusitânia
armilar" "língua
portuguesa"
DA INTERNET: ESTROFES
DO CANTO VII DE «OS LUSÍADAS»:
……………
14
Mas, entanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltarão Cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana:
De África tem marítimos assentos;
É na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova os campos ara;
E, se mais mundo houvera, lá chegara.
15
E vejamos, entanto, que acontece
Àqueles tão famosos navegantes,
Despois que a branda Vénus enfraquece
O furor vão dos ventos repugnantes;
Despois que a larga terra lhe aparece,
Fim de suas perfias tão constantes,
Onde vem samear de Cristo a lei
E dar novo costume e novo Rei.
16
Tanto que à nova terra se chegaram,
Leves embarcações de pescadores
Acharam, que o caminho lhe mostraram
De Calecu, onde eram moradores.
Pera lá logo as proas se inclinaram,
Porque esta era a cidade, das milhores
Do Malabar, milhor, onde vivia
O Rei que a terra toda possuía.
17
Além do Indo jaz e aquém do Gange
Um terreno mui grande e assaz famoso
Que pela parte Austral o mar abrange
E pera o Norte o Emódio cavernoso.
Jugo de Reis diversos o constrange
A várias leis: alguns o vicioso
Mahoma, alguns os Ídolos adoram,
Alguns os animais que entre eles moram.
18
Lá bem no grande monte que, cortando
Tão larga terra, toda Ásia discorre,
Que nomes tão diversos vai tomando
Segundo as regiões por onde corre,
As fontes saem donde vêm manando
Os rios cuja grão corrente morre
No mar Índico, e cercam todo o peso
Do terreno, fazendo-o quersoneso.
19
Entre um e o outro rio, em grande espaço
Sai da larga terra ũa longa ponta,
Quási piramidal, que, no regaço
Do mar, com Ceilão ínsula confronta;
E junto donde nasce o largo braço
Gangético, o rumor antigo conta
Que os vizinhos, da terra moradores,
Do cheiro se mantêm das finas flores.
20
Mas agora, de nomes e de usança
Novos e vários são os habitantes:
Os Deliis, os Patanes, que em possança
De terra e gente, são mais abundantes;
Decanis, Oriás, que a esperança
Têm de sua salvação nas ressonantes
Águas do Gange; e a terra de Bengala,
Fértil de sorte que outra não lhe iguala;
21
O Reino de Cambaia belicoso
(Dizem que foi de Poro, Rei potente);
O Reino de Narsinga, poderoso
Mais de ouro e pedras que de forte gente.
Aqui se enxerga, lá do mar undoso,
Um monte alto, que corre longamente,
Servindo ao Malabar de forte muro,
Com que do Canará vive seguro.
22
Da terra os naturais lhe chamam Gate,
Do pé do qual, pequena quantidade,
Se estende ũa fralda estreita, que combate
Do mar a natural ferocidade.
Aqui de outras cidades, sem debate,
Calecu tem a ilustre dignidade
De cabeça de Império, rica e bela;
Samorim se intitula o senhor dela.
23
Chegada a frota ao rico senhorio,
Um Português, mandado, logo parte
A fazer sabedor o Rei gentio
Da vinda sua a tão remota parte.
Entrando o mensageiro pelo rio
Que ali nas ondas entra, a não vista arte,
A cor, o gesto estranho, o trajo novo,
Fez concorrer a vê-lo todo o povo.
24
Entre a gente que a vê-lo concorria,
Se chega um Mahometa, que nascido
Fora na região da Berberia,
Lá onde fora Anteu obedecido.
(Ou, pela vezinhança, já teria
O Reino Lusitano conhecido,
Ou foi já assinalado de seu ferro;
Fortuna o trouxe a tão longo desterro).
25
Em vendo o
mensageiro, com jocundo
Rosto, como quem sabe a língua Hispana,
Lhe disse: – «Quem te trouxe a estoutro mundo,
Tão longe da tua pátria Lusitana?»
– «Abrindo (lhe responde) o mar profundo
Por onde nunca veio gente humana;
Vimos buscar do Indo a grão corrente,
Por onde a Lei divina se acrecente.»
26
Espantado ficou
da grão viagem
O Mouro, que Monçaide se chamava,
Ouvindo as opressões que na passagem
Do mar o Lusitano lhe contava.
Mas vendo, enfim, que a força da mensagem
Só pera o Rei da terra relevava,
Lhe diz que estava fora da cidade,
Mas de caminho pouca quantidade;
27
E que, entanto que a nova lhe chegasse
De sua estranha vinda, se queria,
Na sua pobre casa repousasse
E do manjar da terra comeria;
E despois que se um pouco recreasse,
Co ele pera a armada tornaria,
Que alegria não pode ser tamanha
Que achar gente vizinha em terra estranha.
28
O Português
aceita de vontade
O que o ledo Monçaide lhe oferece;
Como se longa fora já a amizade,
Co ele come e bebe e lhe obedece.
Ambos se tornam logo da cidade
Pera a frota, que o Mouro bem conhece.
Sobem à capitaina, e toda a gente
Monçaide recebeu benignamente.
29
O Capitão o abraça, em cabo ledo,
Ouvindo clara a língua de Castela;
Junto de si o assenta e, pronto e quedo,
Pela terra pergunta e cousas dela.
Qual se ajuntava em Ródope o arvoredo,
Só por ouvir o amante da donzela
Eurídice, tocando a lira de ouro,
Tal a gente se ajunta a ouvir o Mouro.
30
Ele começa: – «Ó gente, que a Natura
Vizinha fez de meu paterno ninho,
Que destino tão grande ou que ventura
Vos trouxe a cometerdes tal caminho?
Não é sem causa, não, oculta e escura,
Vir do longinco Tejo e ignoto Minho,
Por mares nunca doutro lenho arados,
A Reinos tão remotos e apartados.
31
«Deus, por certo, vos traz, porque pretende
Algum serviço seu por vós obrado;
Por isso só vos guia e vos defende
Dos imigos, do mar, do vento irado.
Sabei que estais na Índia, onde se estende
Diverso povo, rico e prosperado
De ouro luzente e fina pedraria,
Cheiro suave, ardente especiaria.
32
«Esta província, cujo porto agora
Tomado tendes, Malabar se chama;
Do culto antigo os Ídolos adora,
Que cá por estas partes se derrama;
...............................
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