Na organização, na competência, na
poupança de esforço, no resultado prático. Convinha que fosse aplicado pelo
Ministério da Educação também, para redução do blá blá blá esgotante das
burocracias em favor do desenvolvimento das competências, pela maior
disponibilidade de tempo em função do trabalho docente e suas especificidades.
Kaizen: a filosofia japonesa dos anos 50
por detrás de milhões em contratos com o Estado. O maior ligado à vacinação /premium
Desde 2010, o Estado celebrou 122
contratos com o Kaizen Institute, a maioria por ajuste directo. O mais caro
(440 mil euros) foi na pandemia, para trazer a filosofia japonesa à logística
da vacinação.
OBSERVADOR; 06 AGO
2021
O Kaizen
Institute Portugal, criado em
1999 e especializado em consultoria e formação a empresas com base na filosofia
“Kaizen”, celebrou 30 contratos com o Estado
português desde o início da pandemia (março de 2020), num valor total que
ascende quase aos 1,9 milhões de euros. O
contrato mais caro (440 mil euros) é de fevereiro deste ano e foi firmado com o
Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma associação privada sem
fins lucrativos de utilidade pública, tutelada pelos Ministérios da Saúde e das
Finanças, e que presta serviços hospitalares (desde a manutenção de instalações
e equipamentos à gestão e tratamento de resíduos hospitalares). Objectivo? Que
o instituto prestasse “consultoria para o plano de logística de vacinação,
armazenamento e distribuição da vacina Covid-19“.
O
contrato de consultoria, publicado no portal Base, e feito por ajuste directo,
vigorou de final de Fevereiro — altura em que a vacinação avançava no país nas
faixas etárias mais velhas — até 31 de Julho e incluiu a “definição, montagem e
acompanhamento diário da operação”, a “consolidação de plano logístico
estratégico”, a definição de “sistemas de car tracking“, do “sistema de gestão
de armazém” e do “caderno de equipamentos”, assim como a “definição e
normalização de novos processos, dimensionamento da operação de armazém, mockup
e testes novos processos, gestão de stocks, simulacro”. O Observador questionou
a taskforce para a vacinação contra a Covid-19 e o Ministério da Saúde sobre os
efeitos práticos dessa consultoria, assim como a razão da escolha do instituto,
mas as entidades remeteram as respostas para o SUCH.
▲ A consultoria
do Kaizen Institute prestada a propósito do plano logístico da vacinação custou
ao Estado 440 mil euros.
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
A
entidade, que pertence à taskforce da vacinação liderada pelo vice-almirante
Gouveia e Melo, respondeu que contratou o Kaizen Institute Portugal devido
à “importância de organizar uma resposta rápida e eficiente à crise de saúde
pública vivida e à implementação do processo logístico (armazenamento
e distribuição) do Plano de Vacinação“. Confirmou ainda que adquiriu a
“prestação de serviços de consultoria no âmbito do Plano Logístico de
Vacinação, Armazenamento e Distribuição”, mas não especificou que medidas foram
implementadas por via dessa consultoria.
Apenas
referiu que se materializou no “planeamento e monitorização de processos, no
desenho do desenvolvimento dos sistemas de informação, assim como no apoio à
sala operacional de coordenação do processo logístico“. E justificou a escolha do Kaizen Institute com o
facto de ser uma empresa “com cerca de 40 anos de experiência multinacional,
designadamente na área da saúde”. Já o instituto não quis fazer comentários
ao Observador, escudando-se no dever de sigilo.
O Kaizen Institute disponibiliza serviços
de consultoria e formação assentes no chamado método ou filosofia Kaizen,
criado nos anos 50, no Japão. O método,
que é ainda hoje usado por várias empresas, significa “melhoria contínua” e,
resumidamente, trata-se de uma metodologia de gestão com vista a melhorar os
resultados das empresas, através da eliminação do “desperdício”, da redução dos
custos e do aumento da produtividade.
Só no período
da pandemia (desde início de março), o
Observador contabilizou 30 contratos registados no portal Base, em que o Kaizen
Institute aparece como entidade adjudicatária, num total de quase 1,9 milhões
de euros.
Os
serviços do instituto têm sido várias vezes contratados por entidades na esfera
do Estado ao longo dos últimos anos. Uma pesquisa no portal Base — onde a
administração pública é obrigada a registar todos os contratos por ajuste directo
acima de cinco mil euros — revela que foram celebrados 122 contratos entre o
Estado e o Kaizen Institute (120 com a empresa em Portugal e dois com a
espanhola) desde maio de 2010: 100 por ajuste directo, sete por concurso
público e 15 por consulta prévia (quando a entidade adjudicante convida directamente,
pelo menos, três entidades à sua escolha a apresentar propostas). O
valor total foi de mais de 4,8 milhões de euros. Só no período da pandemia
(desde início de março de 2020), o Observador contabilizou 30 contratos
registados no portal Base, em que o Kaizen Institute aparece como entidade adjudicatária
(ora como Kaizen Institute Portugal, Training, Unipessoal Lda ora como Kaizen
Institute Portugal, Consulting Nova, Sociedade Unipessoal Lda, entre outros),
num total de quase 1,9 milhões de euros
Os
contratos com as autarquias são recorrentes e o peso da região Norte é evidente
(o Instituto tem sede em Vila Nova de Gaia e um escritório em Lisboa). Há registo de 15 contratos com o município do
Porto, num total de 533 mil euros. O mais recente é de Setembro do ano
passado e foi celebrado após um concurso público. Em causa estiveram “serviços
para apoio a projecto de melhoria contínua e implementação nos processos
administrativos do Departamento Municipal de Espaços Verdes e Gestão de
Infraestruturas”, que custaram 57.600 euros. Entre os objectos do contrato
estão o “desenho de visão e implementação de solução para a gestão eficiente da
água (plataforma H2Porto, sistema rega inteligente)” ou a “implementação de
indicador da eficiência da actividade operacional“.
▲Masaaki Imai, o
japonês que trouxe o método Kaizen para o Ocidente.
SOUTH
CHINA MORNING POST VIA GET
Também
as empresas municipais Águas de
Gaia, Águas do Porto e Águas do Douro e Paiva
e a Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto celebraram contratos com o Kaizen Institute. Assim como os municípios de Braga (três contratos por 158.800 euros no total), Valongo (dois
por 139.700 euros), Vila do Conde (um por 19.600 euros) e Baião
(um por 8.500 euros).
O
segundo contrato mais caro (de 208.320 euros) foi firmado com o Hospital
da Senhora da Oliveira, em Guimarães,
após um concurso público. Consistiu na “contratação de serviços de consultoria
externa para melhoria organizacional da gestão de processos de serviços
clínicos e não-clínicos” do hospital, mas o objecto do contrato, que vigorou de
Janeiro a Junho, não indica ao certo as alterações contratualizadas. Refere, no
entanto, que o valor inclui despesas de alojamento, alimentação, deslocação de
meios humanos e a aquisição, o transporte, o armazenamento e a manutenção de
meios materiais, bem como encargos decorrentes da utilização de marcas
registadas, patentes ou licenças.
"Se
nesse centro [de vacinação] definirmos que existe uma zona de farmácia tratada
por especialistas farmacêuticos que a única coisa que fazem é preparar as
vacinas e depois garantimos que existe uma pessoa responsável por distribuir as
vacinas pelos postos, isso quer dizer que o enfermeiro já só dá a vacina."
E isso permite aumentar o número de inoculações por hora.
António Costa, senior partner do
Kaizen Institute Western Europe
Cascais é cliente assíduo, o Infarmed
já foi
O
município de Cascais tem também sido cliente frequente do Kaizen Institute.
Segundo a informação do portal Base, a Câmara
Municipal de Cascais celebrou, pelo menos, quatro contratos com a empresa — um
em 2018, os restantes em 2020 e 2021 (dois já em pandemia).
Em
fevereiro de 2020, ainda a pandemia não tinha oficialmente chegado a Portugal,
o município contratualizava a “aquisição de serviços para apoio ao
desenvolvimento de acções de melhoria contínua nos processos de trabalho”
(32.670 euros). Com a
chegada da Covid-19 e a obrigatoriedade do teletrabalho, novo contrato foi
celebrado, desta vez para a adaptação àquele regime, com a compra, por 45.000
euros, de serviços para “implementação do plano de contingência e otimização de
processos em teletrabalho”. Mais
recentemente, um novo contrato, de 132.000 euros, de fevereiro, também visou “a
aquisição de serviços de consultoria e melhoria contínua no âmbito do
teletrabalho”. Em todos os
casos, o recurso ao Kaizen Institute foi justificado com a ausência de recursos
próprios.
▲ A autarquia de
Cascais – presidida por Carlos Carreiras – tem sido "cliente
frequente" do Kaizen Institute: pelo menos 750 mil euros em contratos.
CORBIS
VIA GETTY IMAGES
Ao Observador, António Costa, senior
partner do Instituto Kaizen Western Europe, explica que o contrato mais
recente, que visou o teletrabalho, teve como objectivo “ajudar a preparar os
processos” para a passagem ao teletrabalho.
Por exemplo, permitindo que os munícipes possam submeter pedidos electronicamente,
sem terem de se deslocar à Câmara. “Imaginemos que um munícipe tem um
restaurante e quer ocupar um pedaço de passeio para pôr uma esplanada. Submete
o pedido, que passa por vários departamentos. É papelada que anda de um lado
para o outro. São precisas aprovações, o cálculo de taxas… Este tipo de
processos pode ser simplificado, podem passar a ser digitais”, exemplifica.
Ao
todo, Cascais pagou pelo menos 750 mil euros ao instituto, de acordo com os
contratos publicados no Base, isto se incluirmos os contratos da autarquia e de
empresas municipais — como a Cascais Dinâmica – Gestão de Economia,
Turismo e Empreendorismo; a Cascais Envolvente, Gestão Social da Habitação; a
Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias; e a EMAC –
Empresa Municipal de Ambiente de Cascais.
A
instalação e logística dos próprios centros de vacinação — de São Domingos de Rana e Alcabideche — também tiveram o apoio do instituto Kaizen. No que à vacinação diz respeito, António Costa, apenas
mostra abertura para falar ao Observador sobre esta parceria. Diz que, em Fevereiro,
o instituto começou a “ajudar” o município a montar os tais centros de
vacinação de acordo com a filosofia Kaizen, em conjunto com o Agrupamento de
Centros de Saúde (ACES) local. Como?
Sobretudo na organização dos
procedimentos e das tarefas. É que,
explica António Costa, “o valor
acrescentado dos enfermeiros é dar a vacina” e não propriamente prepará-la. Nesse processo perdiam muito tempo — “tinham de pegar
no frasco, juntar, por exemplo, soro fisiológico, extrair a seringa, etc.”.“Se
nesse centro definirmos que existe uma zona de farmácia tratada por
especialistas farmacêuticos que a única coisa que fazem é preparar as vacinas e
depois garantimos que existe uma pessoa responsável por distribuir as vacinas
pelos postos, isso quer dizer que o enfermeiro já só dá a vacina.” E isso, assegura, permite aumentar o número de
inoculações por hora “com impacto nas filas de espera e na satisfação dos
clientes”.
Esta
colaboração não foi alvo de um novo contrato, indica António Costa, e foi feita
no âmbito do acordo celebrado em Fevereiro para a adaptação ao teletrabalho.
Foi uma “ajuda natural”, refere, rejeitando que tivesse sido necessário firmar
novo contrato. “No âmbito de um projecto que já estava a acontecer com a
Câmara, surgiu a necessidade de a Câmara montar os centros de vacinação e, como
conhecia a nossa logística, em conjunto com o ACES local, montaram-se os
centros com os princípios implementados”, justifica.
A
Câmara Municipal de Lisboa também pediu ajuda ao Kaizen Institute para a gestão
da pandemia. Contratou a empresa para a “aquisição de serviços de monitorização
e acompanhamento dos contratos destinados à testagem massiva, no Município de
Lisboa, no âmbito do Covid-19″, igualmente por ajuste directo, por 99 mil
euros, em Abril deste ano. O texto do contrato não consta no portal Base, e,
contactada, a autarquia não respondeu aos pedidos de esclarecimento do
Observador sobre o objecto do contrato.
▲A testagem em
massa feita em Lisboa durante a pandemia também teve "dedo" do
Kaizen: um serviço de consultoria custou quase 100 mil euros.
CORBIS
VIA GETTY IMAGES
A
autarquia liderada por Fernando Medina já tinha adquirido, em 2019, por 56.100
euros e após uma consulta prévia, “serviços de consultoria para implementação
de projecto de melhoria contínua” e, em maio deste ano, de “serviços de
consultoria para a implementação de processos de melhoria no âmbito da actividade
da DMMC-Contratação Pública, Controlo Financeiro e Gestão da Encomenda e
Elaboração de Projetos” (72 mil euros).
Outra
entidade que recorreu com alguma frequência ao Kaizen Institute, mas que
deixou de o fazer, foi o Infarmed.
Ao todo, contratou o instituto por cinco vezes, segundo a informação disponível
no portal Base, pagando um total de 230 mil euros em 2010 e 2017, sempre por
ajuste directo. Um deles, no valor de 74.900 euros foi para a contratação de
“serviços especializados, para simplificação de tarefas e processos
(metodologia LEAN KAIZEN)”.
“Mudar para melhor”: o berço do Kaizen
Kaizen significa “mudar para melhor”
ou “melhoria contínua” (Kai é mudar; Zen, neste contexto, é “melhor”), explica António Costa, do Instituto Kaizen Western
Europe. A filosofia defende que “o verdadeiro potencial só é alcançado
quando envolver todas as pessoas, todos os dias, em todas as áreas da
organização”. E que há sempre alguma coisa para melhorar.
O método nasceu num Japão dos anos 50
fustigado economicamente pelos impactos da Segunda Guerra Mundial, mas que se
reerguia e procurava renovar a indústria. Foi a Toyota o berço desta filosofia
— à data uma empresa que era 10 vezes menos produtiva do que a média dos seus
concorrentes, explica António Costa. Masaaki Imai, o japonês que, anos mais
tarde, viria a dar a conhecer o Kaizen ao Ocidente em livro, era, na altura, um
dos responsáveis pelos “círculos de qualidade” da fabricante (focados na
melhoria dos processos e na eficiência). Para colmatar a desvantagem do Japão
face ao exterior, Imai tinha também outra missão: organizar visitas de estudo
aos EUA e à Europa, nas quais levava empresários japoneses a ver “as melhores
práticas industriais nos EUA e na Europa”.
Foi com surpresa que, na década de
70, quando a crise petrolífera embateu violentamente contra muitas empresas
automóveis, a aparente imunidade da Toyota surpreendeu muitos: em contraciclo,
bateu recordes de lucros. Se antes Imai levava empresários japoneses ao
estrangeiro, o paradigma alterou-se e passou a levar estrangeiros ao Japão,
inclusive para que percebessem “o segredo” da fabricante.
Esse “segredo” era o sistema de
produção da Toyota, criado pelo japonês Taiichi Ohno, e que assentava na ideia
de que só deve ser produzido o que for estritamente necessário, evitando o
desperdício e a acumulação de stocks.
“A seguir à Segunda Guerra Mundial, a Toyota viu-se numa situação de falência.
Taiichi Ohno resolveu pôr em causa todos os seus métodos de produção e foi introduzido
um sistema de produção em fluxo. Começou a reduzir o lead time [tempo
que decorre entre o momento em que o cliente pede o produto e o recebe], a eliminar
os stocks em curso entre as várias fases de produção do veículo, começou
a corrigir a qualidade na fonte, a trabalhar em fluxo unitário (carro a carro e
não lotes de carros). Tudo isto é Kaizen — mudar para melhor”, resume o responsável. Quando Imai publicou, nos
anos 80, o primeiro ‘manual’ de Kaizen — o livro Kaizen: A Chave
para o Sucesso Competitivo do Japão —, já a palavra era comum nas empresas
japonesas.
A
filosofia assenta na ideia de que “é sempre possível mudar”. “É olhar para os
processos e identificar onde temos dificuldades. Essas dificuldades são
desperdício. Eliminando
esse desperdício — reduzindo a burocracia, encurtando os espaços
físicos da movimentação —,
diminuímos a quantidade de material que temos de movimentar ou transportar. Tudo isto com o objectivo de reduzir o tempo
de fabricação ou de execução de determinada tarefa, melhorar a qualidade ou o
nível de serviço prestado ao cliente“.
▲Trabalhadores na fábrica da Panasonic
em Fukuoka, no Japão.
PICTURE
ALLIANCE VIA GETTY IMAGE
Da Toyota às prateleiras
dos supermercados e às repartições das finanças
Em
Portugal, o Kaizen Institute (criado por Masaaki Imai) dedica-se, desde 1999, a
propagar a filosofia Kaizen nas empresas portuguesas. A primeira vez que António Costa foi ao Centro Hospitalar Universitário do Porto, há
quase 20 anos, para apresentar o Kaizen, a experiência não correu bem. “Comparei a troca de doentes [no bloco operatório] com
a troca de pneus na Fórmula 1. Não reagiram bem, disseram que os doentes não
são máquinas, são pessoas, que não dá para desligar e voltar a ligar. O
resultado é que fui conduzido à saída em menos de 30 minutos.”
Mas a ideia ficou a cimentar e, alguns
meses depois, voltou a ser chamado. O problema identificado era a logística — e
os fluxos desde que o hospital recebe o material de consumo clínico até que os
entrega nos diversos serviços ou os administra nos doentes. É que os
enfermeiros perdiam muito tempo a contar material, a verificar o prazo de
validade, encomendar, receber, arrumar, quando “o valor acrescentado de um
enfermeiro é prestar cuidados de saúde, não arrumar material. Isto é um
desperdício da função”.
Nas repartições chegavam a existir
400 formulários disponíveis. "Quando olhámos com critério, chegámos à
conclusão de que só eram necessários 40 e, fisicamente, só precisamos de 10
porque os outros estão à distância de um clique, podem ser preenchidos
digitalmente”.
António Costa exemplifica uma das alterações mais importantes, que
levou, garante, a um aumento das camas disponíveis: os serviços, e o bloco
operatório, eram abastecidos pela logística duas vezes por semana, ou mesmo uma
vez a cada duas semanas, o que levava a que, em cada visita, fossem entregues
quantidades muito avultadas de material ou medicamentos. Como consequência, a
necessidade de espaço para armazenamento era maior. O abastecimento sofreu,
assim, alterações e passou a ser diário — por vezes, até várias vezes ao dia.
Como chegava ao hospital menor quantidade de cada vez, “ganhou-se espaço,
ganharam-se camas“.
Também
na Autoridade
Tributária, ao longo
dos anos, tem sido aplicado, aqui e ali, o Kaizen, conta António Costa. Por exemplo, nas repartições chegavam a existir 400
formulários disponíveis. “Quando olhámos com critério, chegámos à conclusão de
que só eram necessários 40 e, fisicamente, só precisamos de 10 porque
os outros estão à distância de um clique, podem ser preenchidos
digitalmente”, conta. Mesmo os que foram digitalizados, foram antes
simplificados, para “evitar correr o risco de digitalizar desperdício”. O
portal Base regista dois contratos entre a Autoridade Tributária e o Kaizen
Institute — um para o “desenho de um novo modelo operacional das alfândegas”
(19.800 euros) e outro que incluía melhorias nos processos de execução das
decisões dos tribunais, de contratação de fornecimento de serviços externos e
de atendimento presencial (28.300 euros).
O
“desperdício” nos
processos também foi identificado em hipermercados do grupo Sonae. Ao observar
a forma como era feita a reposição das prateleiras, de madrugada, antes de as
portas abrirem, o instituto apercebeu-se de que os funcionários perdiam
demasiado tempo a ir e vir ao armazém buscar ou devolver produtos.
▲"Se temos
um hipermercado em que há dezenas de pessoas a ir e voltar ao armazém com
paletes porque é que não colocamos o repositor no corredor"?
FILIPE
AMORIM/OBSERVADOR
“O valor acrescentado do repositor é colocar material
na prateleira. Se temos um
hipermercado em que há dezenas de pessoas a ir e voltar ao armazém com paletes porque
é que não colocamos o repositor no corredor e as paletes aparecem no corredor,
por exemplo, de forma estandardizada? Ou seja, a cada 30 minutos, garante-se
que está lá uma palete cheia e recolho a vazia.” Esse trabalho passou a
ser feito por uma mesma pessoa com um transporte de forma quase automatizada.
Os ganhos de produtividade reflectiram-se nas horas de entrada — das 4 da
madrugada, os funcionários passaram a poder chegar às 6 ou às 7 da manhã. Empresas
como a Sonae acabaram mesmo por criar uma equipa só focada na melhoria dos
processos, com base na metodologia Kaizen.
Com
essa crescente automatização, não pode o método propiciar despedimentos? António
Costa, do Kaizen Institute, garante que não é esse o foco. “Se tenho
trabalhadores a mais para o meu output, com a capacidade que tenho, tenho de
ganhar mais output, fazer mais vendas.”
Porém,
na Costa Verde, empresa de Aveiro dedicada
ao fabrico de louça cerâmica em porcelana para uso doméstico, hotelaria e
restauração, a reorganização da empresa não impediu a redução de pessoal, de
cerca de 350 trabalhadores para cerca de 310, num processo gradual, “ao longo
do tempo” (desde 2007), e em que se tentou transferir pessoas para os setores
com maior necessidade de mão-de-obra. Aí,
a decisão de aderir ao Kaizen surgiu com o desenvolvimento de novos produtos e
as “dificuldades no planeamento e na logística”, conta o administrador,
Francisco Proença.
Um dos focos do Kaizen é a medição
constante dos indicadores de performance. A
ideia é que os resultados estejam visíveis, sejam transparentes. Na fábrica
da ROQ, há quadros espalhados por toda a parte, com indicadores de
performance, produção e segurança, o que permite monitorizar e acompanhar os
resultados de cada equipa e de cada trabalhador
Entre
as mudanças adoptadas, em 2007, está o “Kaizen diário” — reuniões curtas
diárias, de cinco a dez minutos, entre os coordenadores das equipas e a respectiva
equipa, para “brainstorming” sobre a qualidade, a produtividade e a organização
do trabalho. A simplificação dos processos levou ainda a alterações na
organização da fábrica. Os postos de trabalho, antes interligados, passaram a
individuais e tornaram-se “mais ergonómicos e funcionais”, com “separação de
produtos e encomendas do cliente”. Deixaram de ser abastecidos pela própria
operadora — “que tinha de se baixar e apanhar a loiça” — para passarem a ser abastecidos por outro
trabalhador com essa única tarefa: com o recurso a uma máquina, colocar as
paletes à altura da mesa. Os ganhos de produtividade passaram os 25%,
garante Francisco Proença.
A pandemia veio trocar as voltas ao
negócio — que, em 2019, tinha “dores de crescimento”. E, aí, a metodologia
Kaizen não foi suficiente para evitar quedas. O negócio, muito dependente da
hotelaria e da restauração (dois dos sectores mais afectados pela crise), viu a
facturação cair 32% no ano passado e as encomendas recuarem para metade.
Já
na ROQ, uma empresa de Famalicão que fabrica máquinas de impressão
digital e de serigrafia para estamparia têxtil, o recurso ao Kaizen surgiu da necessidade de
“profissionalizar a empresa”, que não parou de crescer com a pandemia (a facturação
subiu 9% no ano passado e 18% até julho de 2021). Na lógica de produzir em
fluxo, deixaram de fabricar para stock e passaram a fazê-lo apenas para
encomenda. “Estarmos a produzir sem saber se temos clientes para as
encomendas é um desperdício”, diz ao Observador Fernando Pinto, CEO da empresa.
Isso ajudou a reduzir o prazo de entrega em cerca de 30 dias, para dois meses e
meio.
▲ Os ganhos de
produtividade na Costa Verde, uma empresa de cerâmicas de Aveiro, passaram os
25% devido ao método Kaizen, assegura o CEO.
Na organização dos departamentos, o
Kaizen levou a uma maior “integração das operações”. Fernando Pinto conta que
os departamentos estavam muito segmentados — “Tínhamos engenheiros que tratavam
da automação, outros da parte eléctrica, outros da parte mecânica”. A
organização começou a ser feita não por competências, mas por famílias de
produtos: um grupo para impressão digital e outro para serigrafia. “Temos
equipas multidisciplinares. Neste momento, o engenheiro de automação, o eléctrico
e o mecânico trabalham em equipa para o projecto digital.”
Um dos focos do Kaizen é a medição
constante dos indicadores de performance. A ideia é que os resultados estejam
visíveis, sejam transparentes. Na fábrica da ROQ, há quadros espalhados por
toda a parte, com indicadores de performance, produção e segurança, o que
permite monitorizar e acompanhar os resultados de cada equipa e de cada
trabalhador. Não para penalizar quando se entra no vermelho, garante Fernando
Pinto, mas para corrigir imediatamente. “É tudo muito visual, as coisas não
estou escondidas no gabinete do director“.
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