A Paula carrega – momentaneamente,
espero – a sua depressão que, ao contrário de outros momentos de emagrecimento
e rosto fechado, a tornam, desta vez, arrebatadamente loquaz e aplicada. Mas
intimamente em desespero, sente-se, na designação que se atribui, de “sombra
viajante” – eu diria antes, (com inveja), “caminheira” -, procurando vida nas
fotos, que mostram uma realidade dos novos tempos – algumas idênticas - as dos
pedestais, dos prédios pombalinos e das calçadas, outras divergindo das
descritas por Cesário – as esplanadas vazias, das suas fotos abundantes,
contrastando com as movimentações de final de dia no “primeiro andamento” – “Avé Marias” – dessa extraordinária
sinfonia que é “O Sentimento dum
Ocidental”. Uma cidade mais colorida, retratada em pleno dia de verão, calçadas
com tapete vermelho criado, julgo, por alturas do início do confinamento,
figuras sinistras – as pernas de um suposto homem e uma mulher penduradas de
prédios, mas afinal, a mesma Rua do Alecrim que tantas vezes percorri em tempos
de trabalho e de encantamento também, mais juvenil. No tempo de Cesário também
não havia automóveis, nem marcos de sinalização, nem cigarros electrónicos ou
coisa que o valha, no novo sistema com que a Paula substitui os anteriores de
tabaco, do seu vício empedernido, fotografando “o monstro” actual, que tanto
custa a manipular. Mas novamente o texto da Paula aponta a reflexão que também
acode em Cesário - as “imorais em roupão” convertidas na delicada e humana
reflexão sobre “A vida
e os caminhos soltos”, que “por vezes,
formam um círculo fechado”.
Um texto encantador, acompanhado de
expressivas fotos, belo quadro citadino e simultaneamente de reflexão
humanística, a pretender ser um pouco humorística, mas decididamente triste, acompanhado
de fotos que nos fizeram reviver tempos de outras glórias. Assim, dedico à
Paula, em harmonia, a estrofe final de “O
Sentimento dum Ocidental”, essa “sinfonia
em quatro andamentos” de um poeta tão lucidamente sensível, que foi Cesário
Verde:
«E,
enorme, nesta massa irregular
De prédios
sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor
humana busca os amplos horizontes,
E tem
marés, de fel, como um sinistro mar!»
O texto do
facebook da Paula:
«A sombra viajante foi à Rua da Rosa, Bairro Alto. É sina. Já ninguém liga.
Mas hoje veio pela rua do Alecrim, por outro percurso. Apetecia-lhe as estátuas
dos seus escritores favoritos. Começou, de forma artística, mesmo em frente e à
porta do dentista! É bom, ver o nunca visto: a padaria tradicional em obras de
recuperação, já há algum tempo, a padaria erótica a nascer. Caminho feito de
cigarros que não obedecem, café nos bancos à espera, pastéis de nata a
descansar, olho à frente e atrás da máquina, guloso. A sombra não entrou em
hotéis, mas parou para observar a Rua do Amor. A vida e os caminhos soltos, por
vezes, formam um círculo fechado. »
« (As fotos estão na ordem inversa, para variar)»
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