quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Para onde vamos


A propósito de um livro que foi best-seller – “A oeste nada de novo”, de Erich Maria Remarch- que li também - naqueles tempos de leituras mais modernas, em colecções de traduções, tanto da Europa-América como nos livros de bolso, (leituras substituídas, posteriormente, por falta de tempo, pelas indispensáveis da esfera das literaturas portuguesa e francesa, por dever de ofício e de prazer pessoal, mais centradas nos clássicos da graça e da reflexão dogmática universal) – publica RODRIGO ADÃO DA FONSECA, no OBERVADOR, uma crónica de profunda reflexão sobre as consequências do amolecimento social perpetrado pelo governo de A. Costa, na gestão de uma pandemia, resultante de um propósito manifestamente interesseiro de chamariz para prolongamento na governação, mas com efeitos dramáticos, não só do amolecimento citado, por via de um confinamento arbitrário, como - (no meu ponto de vista, pois que não é focado por RAF, mais debruçado sobre a questão do amorfismo flacidamente egotista disso resultante) - da destruição económica arrasadora, com dependência cada vez mais pronunciada do auxílio externo amesquinhador, que se distende, não por um desenvolvimento económico favorável a uma independência económica, mas pela protecção social, e criação de melhoramentos estruturais, alguns dos quais supérfluos senão mesmo pueris.

Não posso deixar de citar alguns passos de eficiente e impecável reflexão desta crónica de RODRIGO ADÃO DA FONSECA, de 27/7/21, no OBERVADOR:

 

«… A moralidade asséptica que apressadamente se consolidou com a crise pandémica nasceu da acção dos Estados mas encontrou numa população amedrontada, amorfa e ignorante espaço para a sua rápida aceitação.

«… Remarch nunca se terá posicionado como um crítico imparcial, mas como um observador diligente, mas frequentemente impotente e ocasionalmente enfurecido da realidade que foi encontrando.

As suas personagens são frequentemente bem-humoradas, autónomas, desligadas das prisões dos ambientes sociais e quotidianos, cidadãos de um mundo que aspiram a um humanismo que se preocupa com o Outro, com o seu sofrimento, e com os dilemas que resultam da permanente incapacidade de o compreender e o integrar na comunidade. É, porém, o permanente desassossego de Remarque em enfatizar a inevitabilidade da morte e o seu acaso, e o papel que ela tem na galvanização da vontade de viver, a par da sua crítica consistente às soberanias ilimitadas e insensíveis, que me levou a recordar, aqui, a sua obra.

«… Entre Março e Abril de 2020 (aqui, aqui e aqui), e mais tarde, em Novembro (aqui), em co-autoria com o André Azevedo Alves publicámos nas páginas do Observador um conjunto de artigos onde procurámos ajudar a balizar aquilo que, a nosso ver, seriam os principais desafios que iríamos enfrentar na resposta à crise sanitária emergente. Desde logo, impedir que a cultura do Medo dominasse a acção política e social, reduzindo a nossa acção colectiva ao combate ao vírus, desta forma corroendo o espírito e o discernimento individual e colectivo, e condicionando as decisões. Manifestámos ainda a nossa inquietação perante a alienada exigência de soluções implacáveis e simplistas, imediatas, drásticas e mágicas, construídas a partir de pressupostos não reais que ignorassem a complexidade da realidade, as suas interdependências e a multiplicidade dos interesses legítimos em jogo. E, sobretudo, alertámos para a necessidade de prepararmos a nossa consciência colectiva, mas também de cada um de nós, para o regresso à normalidade, uma nova normalidade onde forçosamente temos de conviver com um vírus que não vai desaparecer, aceitando riscos inevitáveis. Chamámos finalmente à atenção para as consequências que sofreríamos se não ponderássemos o impacto das medidas a tomar, reduzindo toda a nossa acção colectiva ao combate ao vírus.

« Desenganem-se os que acreditam que todas estas medidas são pensadas e lançadas em prol da saúde pública. À distância, é obvio que as imagens que circularam, nas primeiras semanas de Março, idealizando o colapso dos sistemas de saúde, e o medo que a sua viralização projectou nas populações, deixaram os sistemas políticos em pânico, receando pela sua própria sobrevivência. Sendo a esse pavor que estamos a ser forçados a responder. Aquilo que estamos a tentar proteger vai muito para além das vidas humanas por quem os Estados, em tantas situações, bem mais graves, demonstram um profundo desprezo. Com o terror disseminado caprichosamente de forma viral, os responsáveis políticos optaram por usar todo o seu Poder para assegurar que, aconteça o que acontecer, custe o que custar, não existe espaço no discernimento dos cidadãos para acusarem os sistemas políticos, de inacção ou responsabilidade pelos danos. Pelo caminho, nas cinzas e nos despojos da “crise sanitária” está a ser criada uma nova ordem política e narrativas de propaganda onde os culpados pelos danos serão, faça-se o que se fizer, aconteça o que acontecer, o vírus ou a condição humana e todos os que, não tendo alinhado na nova moralidade vigente, terão ajudado à propagação ou dificultado a sua erradicação. Os louros serão sempre dos Estados e da “resposta política”. Os danos serão sempre associados à capacidade do vírus e ao mau comportamento dos cidadãos.

«… Nesta nova ordem política, higienista, já desenhámos um mundo onde não há lugar para quem recuse ser vacinado, a quem estamos a destinar uma cidadania condicionada. Já os infectados, ainda que assintomáticos, são obrigados a suspender a sua vida. Mas as coisas não vão ficar por aqui: a reboque do “risco de desinformação”, começamos também a perceber que vamos ser limitados na construção daquilo que é a verdade, que a muito breve trecho vai passar a ser, quando estejam em causa os interesses da política vigente, um conceito oracular com tutela tecnológica, num processo onde muitos de nós deixaremos de poder ser agentes ativos, sempre que as nossas convicções se afastem da moral dominante. Pouco faltará para que se sigam outro tipo de soluções lineares que nos protejam de nós próprios, mesmo em riscos residuais, na alimentação, na estrada, nos hábitos sexuais, nas escolhas religiosas ou pessoais. Generosamente, os legisladores já nos ofereceram um novo direito a ser devidamente informados por Estados que estão a organizar-se para separar o trigo do joio entre o que desejam ser verdadeiro ou falso. E não vão faltar políticas e programas executados pelos novos exorcistas laicos que movidos de uma nova Fé inspirada no “consenso”, tudo farão para eliminar de vez os obscurantismos e os fantasmas que a pós-modernidade não conseguiu erradicar.

«… O futuro próximo não augura nada de particularmente excitante. A moralidade asséptica que apressadamente se consolidou com a crise pandémica nasceu da acção dos Estados, mas encontrou numa população amedrontada, amorfa e ignorante, e em redes sociais egóticas, espaço para a sua rápida aceitação, com particular acuidade nas novas gerações adormecidas, capturadas na ausência de espírito crítico ou vontade de ruptura, quando estão desenhados todos os condimentos que convidariam a uma Revolução, face à injustiça geracional que o mundo hoje patrocina. Naquela que, para os portugueses que lêem, é afectivamente a sua obra maior, “Uma Noite em Lisboa”, Remarque já havia, avant la lettre, antecipado a amargura deste nosso tempo:(…) Um dia, talvez, o nosso tempo seja conhecido como “a era da ironia”. Não aquela ironia espirituosa do século XVIII, mas a ironia estúpida ou maligna de uma era crua de progresso tecnológico e retrocesso cultural (…)”.

Resta-nos sonhar com essa Lisboa que, em 1942, inspirou um romance que, celebrando o conforto que se sente na pele de alguém que se deseja, nos recorda os riscos e até das desventuras trágicas de uma vida que se vive à procura do Amor.

 

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