A propósito de um livro que foi
best-seller – “A oeste nada de
novo”, de Erich Maria Remarch- que li
também - naqueles tempos de leituras mais modernas, em colecções de traduções,
tanto da Europa-América como nos livros de bolso, (leituras substituídas,
posteriormente, por falta de tempo, pelas indispensáveis da esfera das
literaturas portuguesa e francesa, por dever de ofício e de prazer pessoal,
mais centradas nos clássicos da graça e da reflexão dogmática universal) –
publica RODRIGO ADÃO DA FONSECA,
no OBERVADOR, uma crónica de profunda reflexão sobre
as consequências do amolecimento social perpetrado pelo governo de A. Costa, na gestão de uma pandemia, resultante
de um propósito manifestamente interesseiro de chamariz para prolongamento na
governação, mas com efeitos dramáticos, não só do amolecimento citado, por via
de um confinamento arbitrário, como - (no meu ponto de vista, pois que não é
focado por RAF, mais
debruçado sobre a questão do amorfismo flacidamente egotista disso resultante)
- da destruição económica arrasadora, com dependência cada vez mais pronunciada
do auxílio externo amesquinhador, que se distende, não por um desenvolvimento
económico favorável a uma independência económica, mas pela protecção social, e
criação de melhoramentos estruturais, alguns dos quais supérfluos senão mesmo
pueris.
Não posso deixar de citar alguns passos
de eficiente e impecável reflexão desta crónica de RODRIGO ADÃO DA FONSECA, de 27/7/21, no OBERVADOR:
«… A moralidade asséptica que
apressadamente se consolidou com a crise pandémica nasceu da acção dos Estados
mas encontrou numa população amedrontada, amorfa e ignorante espaço para a sua
rápida aceitação.
«… Remarch nunca se terá
posicionado como um crítico imparcial, mas como um observador diligente, mas
frequentemente impotente e ocasionalmente enfurecido da realidade que foi
encontrando.
As suas personagens são
frequentemente bem-humoradas, autónomas, desligadas das prisões dos ambientes
sociais e quotidianos, cidadãos de um mundo que aspiram a um humanismo que
se preocupa com o Outro, com o seu sofrimento, e com os dilemas que resultam da
permanente incapacidade de o compreender e o integrar na comunidade. É,
porém, o permanente desassossego de Remarque em enfatizar a inevitabilidade da morte
e o seu acaso, e o papel que ela tem na galvanização da vontade de viver, a par
da sua crítica consistente às soberanias ilimitadas e insensíveis, que me levou
a recordar, aqui, a sua obra.
«…
Entre Março e Abril de 2020 (aqui,
aqui
e aqui),
e mais tarde, em Novembro (aqui),
em co-autoria com o André Azevedo
Alves publicámos nas páginas do Observador um conjunto de artigos
onde procurámos ajudar a balizar aquilo que, a nosso ver, seriam os principais
desafios que iríamos enfrentar na resposta à crise sanitária emergente. Desde logo, impedir que a cultura do Medo
dominasse a acção política e social, reduzindo a nossa acção colectiva ao
combate ao vírus, desta forma corroendo o espírito e o discernimento individual
e colectivo, e condicionando as decisões. Manifestámos ainda a nossa
inquietação perante a alienada exigência de soluções implacáveis e simplistas,
imediatas, drásticas e mágicas, construídas a partir de pressupostos não reais
que ignorassem a complexidade da realidade, as suas interdependências e a
multiplicidade dos interesses legítimos em jogo. E, sobretudo, alertámos
para a necessidade de prepararmos a nossa consciência colectiva, mas também de
cada um de nós, para o regresso à normalidade, uma nova normalidade onde
forçosamente temos de conviver com um vírus que não vai desaparecer, aceitando
riscos inevitáveis. Chamámos finalmente à atenção para as consequências que
sofreríamos se não ponderássemos o impacto das medidas a tomar, reduzindo toda
a nossa acção colectiva ao combate ao vírus.
« …
Desenganem-se os que acreditam que todas estas medidas são pensadas e lançadas
em prol da saúde pública. À distância, é obvio que as imagens que
circularam, nas primeiras semanas de Março, idealizando o colapso dos
sistemas de saúde, e o medo que a sua viralização projectou nas populações,
deixaram os sistemas políticos em pânico, receando pela sua própria
sobrevivência. Sendo a esse pavor que estamos a ser forçados a responder. Aquilo que estamos a tentar proteger vai muito para
além das vidas humanas por quem os Estados, em tantas situações, bem mais
graves, demonstram um profundo desprezo. Com o terror disseminado
caprichosamente de forma viral, os responsáveis políticos optaram por usar todo
o seu Poder para assegurar que, aconteça o que acontecer, custe o que custar,
não existe espaço no discernimento dos cidadãos para acusarem os sistemas
políticos, de inacção ou responsabilidade pelos danos. Pelo caminho, nas cinzas
e nos despojos da “crise sanitária” está a ser criada uma nova ordem política e
narrativas de propaganda onde os culpados pelos danos serão, faça-se o que se
fizer, aconteça o que acontecer, o vírus ou a condição humana e todos os que,
não tendo alinhado na nova moralidade vigente, terão ajudado à propagação ou
dificultado a sua erradicação. Os louros serão sempre dos Estados e da
“resposta política”. Os danos serão sempre associados à capacidade do vírus e
ao mau comportamento dos cidadãos.
«…
Nesta nova ordem política, higienista, já desenhámos um mundo onde não
há lugar para quem recuse ser vacinado, a quem estamos a destinar uma cidadania
condicionada. Já os infectados, ainda que assintomáticos, são obrigados
a suspender a sua vida. Mas as coisas não vão ficar por aqui: a reboque do
“risco de desinformação”, começamos também a perceber que vamos ser limitados
na construção daquilo que é a verdade, que a muito breve trecho vai passar a
ser, quando estejam em causa os interesses da política vigente, um conceito
oracular com tutela tecnológica, num processo onde muitos de nós deixaremos de
poder ser agentes ativos, sempre que as nossas convicções se afastem da moral
dominante. Pouco faltará para que se sigam outro tipo de soluções lineares
que nos protejam de nós próprios, mesmo em riscos residuais, na alimentação, na
estrada, nos hábitos sexuais, nas escolhas religiosas ou pessoais.
Generosamente, os legisladores já nos ofereceram um novo direito a ser
devidamente informados por Estados que estão a organizar-se para separar o
trigo do joio entre o que desejam ser verdadeiro ou falso. E não vão faltar
políticas e programas executados pelos novos exorcistas laicos que movidos de
uma nova Fé inspirada no “consenso”, tudo farão para eliminar de vez os
obscurantismos e os fantasmas que a pós-modernidade não conseguiu erradicar.
«…
O futuro próximo não augura nada de particularmente excitante. A
moralidade asséptica que apressadamente se consolidou com a crise pandémica
nasceu da acção dos Estados, mas encontrou numa população amedrontada, amorfa e
ignorante, e em redes sociais egóticas, espaço para a sua rápida aceitação, com
particular acuidade nas novas gerações adormecidas, capturadas na ausência de
espírito crítico ou vontade de ruptura, quando estão desenhados todos os
condimentos que convidariam a uma Revolução, face à injustiça geracional que o
mundo hoje patrocina. Naquela que, para os portugueses que lêem,
é afectivamente a sua obra maior, “Uma Noite em Lisboa”, Remarque já havia, avant
la lettre, antecipado a amargura deste nosso tempo: “(…) Um dia,
talvez, o nosso tempo seja conhecido como “a era da ironia”. Não aquela ironia
espirituosa do século XVIII, mas a ironia estúpida ou maligna de uma era crua
de progresso tecnológico e retrocesso cultural (…)”.
Resta-nos sonhar com essa
Lisboa que, em 1942, inspirou um romance que, celebrando o conforto que se
sente na pele de alguém que se deseja, nos
recorda os riscos e até das desventuras trágicas de uma vida que se vive à
procura do Amor.
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