Simples e sempre óbvia de João de Deus, para festejar - com gratidão - esses 55 de atenção e humor, em votos de duplicação…
DIA DE ANOS
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!
Não faça tal: porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois que se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!
João de Deus
55 anos são os velhos 55
Juram por aí, não sei quais
cavalgaduras, que os 55 são os novos 40. Não são. São os velhos 55. Acontece
nas ideologias e no que calha: podemos tentar torcer, esganar a realidade que
esta não se move.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR%, jul. 2024, 00:206Seguir
Amanhã faço 55 anos e até tenho vergonha
de o dizer. Não é tristeza, é mesmo vergonha. São muitos anos. Oficial, oficiosa
e civilmente, sou um velhote, a quem falta só um pedacinho de permanência para
começar a beneficiar de descontos nos transportes públicos que não uso. Uso,
ocasionalmente, o avião, e na hora de comprar o bilhete na internet abrem-se
aquelas caixas em que se tem de indicar a data de nascimento numas tabelas que
deslizam para baixo. O dia e o mês, que nunca mudam e são limitados, não
custam. Já procurar o ano obriga a uma descida vertiginosa na tabela, que
parece infinita: 1990, 1985, 1980, 1975, 1972, 1971, 1970, 1969, enfim. O cliché da vida que passa diante dos nossos
olhos começou talvez aqui, nesta queda instigada pelo “rato” do computador rumo
às origens remotas da minha existência. A título de consolo, consolo escasso,
verifico sempre se há anos anteriores a 1969. E há. Mas são poucos, bem menos
que os posteriores.
Juram por aí, não sei quais
cavalgaduras, que os 55 são os novos 40. Não são. São os velhos 55. Acontece
nas ideologias e no que calha: podemos
tentar torcer, empurrar, esganar a realidade que esta não se move um milímetro.
Apetece-me imitar o treinador da bola que, ao descrever a sua função, explicava
que consistia em “treinar” a “dor”. Ora, “real” e
“idade” dá o quê? Pois é. Aposto que ninguém pensara nisto. E com razão, dado que as origens das
palavras são distintas e o exercício não faz sentido. Porém, se desprezarmos a
etimologia, faz algum sentido notar que a real idade, ou a idade real, não se
perturba pelas nossas considerações sobre ela. A idade é o que é e acabou-se.
Quer dizer, não acabou: prossegue, serena e teimosa e enervante, e acaba quando
nós acabarmos. A idade acaba connosco, nas duas interpretações da expressão.
Sinto-me então acabado? Ou, dito de
maneira diferente, os muitos anos que os 55 anos são serão demasiados? Tem
dias, principalmente os dias em que olho o espelho e reparo no pescoço
enrugado. De resto, a coisa vai indo, e de qualquer modo não
me resta alternativa senão deixar a coisa ir. Há semanas, um pequeno
susto (na minha cabeça de hipocondríaco o equivalente ao Armagedão) levou-me a
uma consulta médica, que me levou a exames, que me levaram a outra consulta,
que me levou a um “check-up” vasto e, em mim, inédito. Conclusões?
Pelos vistos, estou saudável dos pés à cabeça, sem esquecer os órgãos
intermédios. Soube da novidade e, após sair do consultório, desatei aos
saltos, sessão que terminei uma fracção de segundo antes de começar a embaraçar
a Leonor e uma fracção de segundo depois de me ocorrer que a saúde é o
estado precário que precede a doença. Como os saltos resultaram de alegria e
não de um chilique, sou rapaz – perdão, homem – perdão, velhote – para deduzir
que continuo interessado em andar por cá. Se 55 são muitos anos, por
enquanto não acho que sejam demasiados.
O que acho hoje achava aos 45, aos 35,
aos 25 e, não me obriguem a falar, aos 15: a existência é geralmente
aborrecida, entrecortada por intervalos compensadores. O pior nem é isso. E
o pior nem é que, com o tempo, o mundo inevitavelmente se afaste do mundo que
conhecemos a ponto de quase não o reconhecermos. O pior é que ao longo das
últimas duas ou três décadas, logo as que me tocaram em cheio e em azar, o
mundo ficou feio. As canções são feias. A linguagem é feia. Os filmes são
feios. As roupas são feias. Os carros são feios. Os edifícios são feios. As
cidades são medonhas. Pratica-se, com excepções que não incomodam a regra,
um culto obsessivo da fancaria e do grotesco. E o culto estende-se às ideias,
que abandonaram à mera retórica o falecido conceito de liberdade para atafulhar
o “espaço público” com superstições, histeria, manipulações, dogmas, mentiras,
milenarismo, boçalidade e, claro, subjugação voluntária. Tudo, no que é
palpável e no que não é, é feio.
Tudo?
Não. Embora a idade não nos conceda a proverbial sabedoria, a verdade é que
ensina uns truques. O segundo maior truque é descobrir que não precisamos do
mundo. Ou melhor, que, salvo em momentos infelizes, não somos obrigados a
habitar o mundo em que o mundo se tornou. E que sobram imensos mundos além do
que agora se consagra com a elegância de um zombie engripado. Séculos e séculos de civilização
legaram-nos música e livros e filmes e pessoas e lugares suficientes para
preencher cem vidas, cada uma com cem anos. Cinquenta e cinco é para meninos,
ainda que entradotes.
Por fim, convém não esquecer a lição de
Montaigne, que se consumia sem parança com a mortalidade da espécie e, em
particular, a dele. Um dia, ao convalescer de uma queda de cavalo, viu-se
abençoado por uma epifania e compreendeu que é absurdo desperdiçar a vida a recear
a morte. Daí em diante, viveu despreocupado e com cólicas
renais por 23 anos, até morrer de amigdalite aos 59. Eis o maior
truque que a idade nos ensina: não andar a cavalo.
MORTALIDADE SOCIEDADE SAÚDE QUALIDADE DE
VIDA
COMENTÁRIOS:
Alexandre Barreira: Pois. Caro AG, Pode crer....dava-lhe no
máximo 50. E não estou a brincar....são
os meus "binóculos". E já agora....que venham
mais....com saúde. PARABÉNS....!!!
Maria Gingeira: Boa comemoração. O problema dos 55 são os 60 que já se vislumbram e, daqui
para a frente, vai ser sempre assim. A forma como vivemos hoje os 50 ou os 60
não é de facto semelhante ao contexto emocional dos 60 anos dos nossos avós. É
um facto. Eu chamo aos 50 uma segunda juventude e aos 60 uma terceira. Depois é
que já não sei o que chamar-lhe, depende da habilidade de cada um em fazer
durar os dias. Esse exercício pode começar aos 55, porque não? Chama-se “fazer
render o tempo” ou rentabilizar o tempo. É preciso cima de tudo ter espírito
prático, algo bastante difícil de se ter no turbilhão de complicações em que
nos inserimos. Mas quem o tem, ganha a parada.
Eduardo Cunha: parabéns... que venham mais 55.
Maria Paula Silva: Muitos Parabéns e que as
melancolias da meia-idade se diluam. Normalmente acontece ao fim de 2 ou 3
dias, LOL. Quem me dera a mim ter agora 55. 20? não quero, sofre-se horrores.
30? também não. 40? assim assim. 50, estava perfeito. Afinal, para que estou
pra aqui a dizer estes disparates se, apesar de ter mais uns aninhos que o
Alberto, ainda me sinto igual como aos 15? Um segredo: quem me dera a mim que o
corpo estivesse tão bom como a cabeça. Não acho que hoje em dia tudo
seja feio, como o A. diz, mas concordo que o mundo se tornou numa coisa muito
feia e que o que nos safa é podermos escapar para outros mundos. Divirta-se e continue a brindar-nos com as suas belas crónicas e podcasts. Espero poder dar-lhe os parabéns quando fizer os 110.)
Lily
Lx: Muitos parabéns! Celebre em
grande! Adorei a crónica, como sempre. Terá mais 55 anos para cá andar a bater
na esquerda woke. Concordo com o grotesco no mundo e a sua adoração.
Pergunto-me se o camponês médio da idade média também tinha a predilecção pela
destruição e sujidade, ou se tal característica surgiu com o homem do século
xx.
Alexandra Ferraz: Muitos parabéns, Alberto, que
conte muitos e bons e eu, que sou bem mais velhota, a vê-los passar 🙌🙌
Manuel Elias: Parabéns