Nem são precisos comentários. E estranha-se que
não se atente nestes dizeres de António Barreto.
O Estado
frágil
António
Barreto
OBSERVADOR,
27/8/17
O Estado português é gordo, mas é fraco.
É pesado, mas não é firme. É um Estado fraco que torna vulnerável o seu povo. Entre incêndios,
assaltos e acidentes, o Estado falhou. Nas previsões e na prevenção. Na
prontidão do socorro e na rapidez da ajuda. Na humildade com que se devem
tratar as vítimas, na coragem com que se reconhecem culpas, na seriedade com
que se estudam as causas, no rigor com que se apuram as responsabilidades, na
eficiência com que se distribuem auxílios e na honestidade com que se deveriam
repartir ajudas solidárias.
São tempos de falhanço do Estado. Do
Estado central e local. Do Estado político e administrativo. Do Estado civil e
militar. Pelas vítimas, os
acidentes de Pedrógão foram os mais dolorosos, mas não pela extensão e pela
intensidade. Os fogos insistem. A prevenção continua a falhar. As comunicações
permanecem erráticas e em regime de avaria. A coordenação é deficiente, foi-o
desde o primeiro dia, melhorou aqui e ali por força das circunstâncias, está
longe, muito longe, de ser satisfatória. Ou sequer de dar um pouco de
segurança.
Há uma espécie de incúria generalizada
em que se repetem os acidentes e os prejuízos. A ajuda atrasa-se. Os socorros
ditos de solidariedade chegam tarde, quando chegam. Na maior parte dos casos,
as ajudas imediatas para reconstrução e reinício de actividade, que deveriam
demorar dias, não chegaram ao fim de semanas. Toda a gente do Estado tem algo a
dizer, a garantir o que não têm e a prometer o que não podem. A culpar os
outros, sempre os outros, os de baixo, os do lado, os de cima e os da oposição.
Os autarcas procuram a reeleição e queixam-se do
governo, se forem de diferente cor política, ou dos serviços, se forem do mesmo
partido. O governo faz promessas e bate na oposição, esperando subir nas
sondagens. A oposição garante que não quer aproveitar e não faz outra coisa. Só os bombeiros
parecem estar à altura.
Preparam-se já leis magníficas, como se
o problema fosse esse. Não vão faltar os planos miríficos a longo prazo, o planeamento
integrado, o ordenamento estratégico e o equilíbrio sustentável. Vão demorar
anos a regulamentar, décadas a elaborar e eternidades a concretizar, enquanto
persiste a palha à volta das casas, o mato nos baldios e nas florestas, o
matagal nos caminhos, o restolho seco, os combustíveis vegetais prontos a
disparar, a insuficiência de sapadores, as falhas de comunicações... Culpas de muitos a
começar pelos aldeões que não tratam das suas casas e das suas fazendas, pelos
lavradores que não querem gastar, mas tão-só encaixar, dos autarcas que
preferem rotundas feitas pelos amigos artistas e pavilhões desportivos pagos
pela União Europeia...
Em Tancos, falhou a disciplina, a responsabilidade e a noção
de dever público. Falharam os militares directamente encarregados, por
preguiça, por inconsciência e não se sabe se por coisa pior. Falharam os
responsáveis por não ter acudido. Falharam os dirigentes militares e políticos
pelo espectáculo lamentável, quase indecoroso, de esquiva culpas e de redução
da importância do ocorrido.
Até uma procissão no Funchal trouxe mais de uma dezena de vítimas
mortais, esmagadas por uma árvore, em acidente impensável, a que não falta
desleixo e imprevidência, com uma polémica típica entre responsáveis, do
proprietário à câmara, passando pela freguesia. Vai discutir-se seriamente a
localização da responsabilidade entre o solo, a raiz, o tronco e os ramos ou
pernadas assassinas...
Perdidos no imprevisto, os dirigentes políticos
iniciam as suas intervenções com frases desajeitadas: "Trago uma palavra
de esperança"... "Quero deixar uma mensagem de solidariedade"...
Percebe-se logo o artificial. Sente-se a compaixão forçada do dever e do
lugar-comum. A esperança e a solidariedade não se anunciam.
As minhas fotografias -
Crianças à beira de passagem de peões, Barcelona.
Numa avenida que nos conduz à Praça da
Catalunha, onde começam as Ramblas, duas crianças esperam a sua vez para
atravessar numa zebra. Apesar de plástica, a metralhadora, de aparência
perigosa, deve sair directamente de um filme de ficção científica ou de um
Rambo interestelar. Não fora a cor amarela e estávamos diante de verdadeira
ameaça. Vivemos tempos em que as armas não só fazem parte do quotidiano como
também se transformaram em brinquedos. "Brinquedos"... não rimam
muito bem com "armas"... Nem "armas" com
"crianças"... Mas são estes os costumes. Nesta semana, um dos
assassinos das Ramblas tinha 17 anos.