Li o artigo de António Bagão Félix na altura em
que estava a passar a informação do grave acidente ocorrido numa freguesia do Funchal
durante a festa da padroeira, causado pela queda de uma árvore de grande porte
e fui a tempo de ouvir as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, para as
câmaras televisivas e os seus abraços de figura central, mesmo numa tragédia
que pertenceu a tantos, envolvendo 13 mortos e 50 feridos. Eu nem podia
acreditar, mas sim, ele estava a abraçar um familiar de uma vítima e a dizer
para as câmaras televisivas as frases que gravei no título deste presumível comentário
que, descoroçoada, nem acho que valha já a pena fazer ao texto de Bagão Félix. Ele
tudo disse, no seu jeito indignadamente condenatório, sobre a baboseira das entrevistas
televisivas a respeito dos calores das praias ou outros quaisquer ingredientes
de um jornalismo televisivo de rua, de fazer corar as pedras da calçada, na sua
incipiência e nulidade. Mas não admira, afinal, quando, da boca do PR brotaram
as frases do título: Ainda era o tempo da dor, e nos próximos dias também,
mas ele quer pertencer a esse tempo, figura central, numa tragédia em redor
dele, como o seria num tempo de alegria, tal como fazia a avezinha que
acompanhava os passos do bom Jesus que a salvou da serpente, um dia em que o Menino
Jesus andava em companhia de S. José: «Era já certo: Ela lá estava, a
pobre ave, cantando o hino terno e suave do seu amor ao Salvador.» O nosso PR, qual avezinha terna e suave também
acompanha, mas ele é mais as câmaras. E sempre pipilando, tal como os nossos
entrevistadores das calçadas.
Público, 10 de Agosto
de 2017
Penúria televisiva em maioria absoluta
“Porque é que veio à praia?” pergunta a jornalista –
entusiasmada com tão excitante pergunta, que se lhe assaltou brilhantemente – a
um banhista a atoalhar-se depois de um banho no oceano. “Acha que está
calor?” questiona o jornalista pressuroso diante de duas veraneantes a
apanhar banhos de sol prenhes de ultravioletas. “Está calor, sim”. E, de
seguida, remata “e usa protector solar?“ ao que uma delas responde
com o grau do dito, adequado para a hora da canícula em pleno Agosto, só
faltando mencionar a marca respectiva. “A água está melhor do que no ano
passado?” interpela a jovem estagiária com inusitada veemência, recebendo uma
resposta algures entre a certeira banalidade e a banal certeza. “Costuma vir
todos os anos para esta praia?” é mais uma pergunta-relatório que me faz, por
momentos, cortar a respiração, de tão interessante que antevejo a resposta da
família Bartolomeu. “As crianças gostam de estar na praia?” é a demanda que
ouço a seguir, com a resposta repartida entre a mãe orgulhosa e o pai frenético
e acompanhada de sonoras gargalhadas: “adoram!”. “Gosta de ler na
praia?” a modos que querendo-se subir o nível da pergunta ao sujeito que
folheava o “best-seller” acabadinho de comprar no supermercado. Entretanto,
olho para o oráculo, que é como quem diz para uma de várias faixas
encavalitadas na parte de baixo do ecrã, e qual é o meu espanto quando leio “a
solução para o calor é um mergulho!” Por momentos, fiquei aturdido com tão
sábia descoberta. No fim, fica-me a amargura de o país televisivo só ter praia…
Não, não estou a efabular. É mesmo isto que, mais
palavra, menos palavra, pude ver e ouvir em alguns canais televisivos. Assim se
vão fazendo os “chouriços noticiosos” de hora e meia, entressachados
hora sim, hora quase sim, nos canais informativos. É um fartote, convenhamos.
Se a isto juntarmos, um alinhamento de notícias
errático e indigente onde se manipula o interessamento do telespectador (aqui
até me apetece escrever sem o c, conforme o AO), o futebol ad
nauseam de cá e de lá, entre o que há-de ser e o que já foi, com a suprema
dádiva de longas peças sobre o futebol espanhol, sem que os ingratos “hermanos”
nos retribuam com um segundinho sequer do de cá, a namorada e os filhos de
Cristiano Ronaldo, as imagens mil vezes repetidas de fogos para que os
pirómanos se excitem quanto baste, a actualidade repetida já sem ser
actualidade, e até a publicidade encapotada a telenovelas a estrear e outras
coisas do género como se fossem notícias, há de tudo. Um bom filme? Um bom
documentário? Sim, mas a horas não recomendáveis, alta noite ou de madrugada…
Assim se vai consolidando a estupidificação da bitola
das audiências, neste triângulo de programação – salsichas noticiosas, futebol a
rodos e telenovelas a todas as horas – a que se junta aos fins-de-semana
o delírio da música pimba e cachopas anafadas pelo Portugal de lés-a-lés. Tudo
polvilhado com o uso de um português maltratado.
O problema é que, pouco a pouco, os canais (ditos
informativos) vão convergindo nesta massa informe, nivelada pelo “benchmarking”
dos piores. Com a pobreza confrangedora de, à mesma hora e em todos os canais,
vermos uma conferência de imprensa completamente banal de um jogador ou
treinador ou mais uma discursata de um político em viagem de
circum-transumância eleitoral.
Ressalvo aqui os canais da televisão pública, que,
apesar desta voragem pela qual se deve obedecer acriticamente às audiências,
têm vindo a melhorar. Nota-se isso na RTP 1 e 3, mas aqui destaco, sobretudo, a
excelente programação da RTP 2, o único canal onde se podem ver – a horas
decentes – programas de nível e de entretenimento com qualidade.
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