quarta-feira, 16 de agosto de 2017

«Ainda é o tempo da dor, ainda vai ser nos próximos dias»


Li o artigo de António Bagão Félix na altura em que estava a passar a informação do grave acidente ocorrido numa freguesia do Funchal durante a festa da padroeira, causado pela queda de uma árvore de grande porte e fui a tempo de ouvir as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, para as câmaras televisivas e os seus abraços de figura central, mesmo numa tragédia que pertenceu a tantos, envolvendo 13 mortos e 50 feridos. Eu nem podia acreditar, mas sim, ele estava a abraçar um familiar de uma vítima e a dizer para as câmaras televisivas as frases que gravei no título deste presumível comentário que, descoroçoada, nem acho que valha já a pena fazer ao texto de Bagão Félix. Ele tudo disse, no seu jeito indignadamente condenatório, sobre a baboseira das entrevistas televisivas a respeito dos calores das praias ou outros quaisquer ingredientes de um jornalismo televisivo de rua, de fazer corar as pedras da calçada, na sua incipiência e nulidade. Mas não admira, afinal, quando, da boca do PR brotaram as frases do título: Ainda era o tempo da dor, e nos próximos dias também, mas ele quer pertencer a esse tempo, figura central, numa tragédia em redor dele, como o seria num tempo de alegria, tal como fazia a avezinha que acompanhava os passos do bom Jesus que a salvou da serpente, um dia em que o Menino Jesus andava em companhia de S. José: «Era já certo: Ela lá estava, a pobre ave, cantando o hino terno e suave do seu amor ao Salvador.»  O nosso PR, qual avezinha terna e suave também acompanha, mas ele é mais as câmaras. E sempre pipilando, tal como os nossos entrevistadores das calçadas.

Público, 10 de Agosto de 2017
Penúria televisiva em maioria absoluta
“Porque é que veio à praia?” pergunta a jornalista – entusiasmada com tão excitante pergunta, que se lhe assaltou brilhantemente – a um banhista a atoalhar-se depois de um banho no oceano. “Acha que está calor?” questiona o jornalista pressuroso diante de duas veraneantes a apanhar banhos de sol prenhes de ultravioletas. “Está calor, sim”. E, de seguida, remata “e usa protector solar?“ ao que uma delas responde com o grau do dito, adequado para a hora da canícula em pleno Agosto, só faltando mencionar a marca respectiva. “A água está melhor do que no ano passado?” interpela a jovem estagiária com inusitada veemência, recebendo uma resposta algures entre a certeira banalidade e a banal certeza. “Costuma vir todos os anos para esta praia?” é mais uma pergunta-relatório que me faz, por momentos, cortar a respiração, de tão interessante que antevejo a resposta da família Bartolomeu. “As crianças gostam de estar na praia?” é a demanda que ouço a seguir, com a resposta repartida entre a mãe orgulhosa e o pai frenético e acompanhada de sonoras gargalhadas: “adoram!”. “Gosta de ler na praia?” a modos que querendo-se subir o nível da pergunta ao sujeito que folheava o “best-seller” acabadinho de comprar no supermercado. Entretanto, olho para o oráculo, que é como quem diz para uma de várias faixas encavalitadas na parte de baixo do ecrã, e qual é o meu espanto quando leio “a solução para o calor é um mergulho!” Por momentos, fiquei aturdido com tão sábia descoberta. No fim, fica-me a amargura de o país televisivo só ter praia…
Não, não estou a efabular. É mesmo isto que, mais palavra, menos palavra, pude ver e ouvir em alguns canais televisivos. Assim se vão fazendo os “chouriços noticiosos” de hora e meia, entressachados hora sim, hora quase sim, nos canais informativos. É um fartote, convenhamos.
Se a isto juntarmos, um alinhamento de notícias errático e indigente onde se manipula o interessamento do telespectador (aqui até me apetece escrever sem o c, conforme o AO), o futebol ad nauseam de cá e de lá, entre o que há-de ser e o que já foi, com a suprema dádiva de longas peças sobre o futebol espanhol, sem que os ingratos “hermanos” nos retribuam com um segundinho sequer do de cá, a namorada e os filhos de Cristiano Ronaldo, as imagens mil vezes repetidas de fogos para que os pirómanos se excitem quanto baste, a actualidade repetida já sem ser actualidade, e até a publicidade encapotada a telenovelas a estrear e outras coisas do género como se fossem notícias, há de tudo. Um bom filme? Um bom documentário? Sim, mas a horas não recomendáveis, alta noite ou de madrugada
Assim se vai consolidando a estupidificação da bitola das audiências, neste triângulo de programaçãosalsichas noticiosas, futebol a rodos e telenovelas a todas as horasa que se junta aos fins-de-semana o delírio da música pimba e cachopas anafadas pelo Portugal de lés-a-lés. Tudo polvilhado com o uso de um português maltratado.
O problema é que, pouco a pouco, os canais (ditos informativos) vão convergindo nesta massa informe, nivelada pelo “benchmarking” dos piores. Com a pobreza confrangedora de, à mesma hora e em todos os canais, vermos uma conferência de imprensa completamente banal de um jogador ou treinador ou mais uma discursata de um político em viagem de circum-transumância eleitoral.
Ressalvo aqui os canais da televisão pública, que, apesar desta voragem pela qual se deve obedecer acriticamente às audiências, têm vindo a melhorar. Nota-se isso na RTP 1 e 3, mas aqui destaco, sobretudo, a excelente programação da RTP 2, o único canal onde se podem ver – a horas decentes – programas de nível e de entretenimento com qualidade.



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