Por aí. A coberto do segredo.
Segredo da noite. Segredo das redes. Segredo dos esconderijos. Segredo das
paredes que calam, porque não têm ouvidos nem olhos, ao contrário da sentença. Segredo
de todos os disfarces possíveis, segredo de todas as indiferenças, segredo de
todas as impunidades, tão incendiários os que põem o fogo na floresta, como os
que o põem no sistema da ficção governativa, como os que fingem não se aperceber,
ou se apercebem e nada fazem para reverter. Afinal, somos todos quadrados a
circular por aqui, à espera de qualquer maná que tombe no nosso deserto de
imprevidência, cinismo ou cobardia.
Santana Castilho aponta com
indignação o dedo acusador ao experimentalismo educativo de um pretenso
ministro da educação, actuando de acordo com a manipulação partidária que o
informa, mas levantamos a pálpebra ensonada pelo excesso de caldeiradas dos
nossos programas televisivos divertidos, ao nosso gosto democrático, e voltamos
a fechá-la, no pasmo do nosso marasmo. O que for, soará. De toda a maneira, um
bravo para o artigo de Santana Castilho.
Santana Castilho - Público
Quarta-feira, 23 de agosto de 2017
Em Educação, as
medidas de política têm estado demasiado ligadas à ideologia dos grupos
dominantes. Melhor dizendo, aos convencimentos dos que, em cada momento,
governam em nome desses grupos.
A interacção e a
interdependência das sociedades modernas são cada vez maiores e provocam um
interesse crescente pelos instrumentos que influenciam os seus diferentes
sistemas. A Saúde, a Justiça, a Educação e a Economia, para citar apenas as
áreas que de modo mais evidente marcam a nossa qualidade de vida, estão sob
escrutínio constante de instrumentos de comparação e de grupos de pressão, que
nos dividem entre “bons” e “maus”, segundo encaixemos ou não no que determinam
ser politicamente correcto. No contexto da discussão pública, tais realidades
acabam por se impor e contaminar a análise de outros factores.
Em Educação, as
medidas de política têm estado demasiado ligadas à ideologia dos grupos
dominantes. Melhor dizendo, aos convencimentos dos que, em cada
momento, governam em nome desses grupos. As
últimas alterações que o sistema de ensino sofreu oscilaram entre concepções
anglo-saxónicas, de raiz empirista, e ideias construtivistas, de inspiração
piagetiana. Estas, hipervalorizando as ciências da Educação. Aquelas,
hipervalorizando o conhecimento. E quando novos líderes recuperam medidas de
líderes passados, que a prática mostrou estarem erradas, contam sempre com o
apoio dos prosélitos da tribo, convenientemente esquecidos das evidências que
viveram. Muitos deles são autores, nas redes sociais, quase sempre sob
anonimato, de intervenções onde a injúria substitui a troca civilizada de
argumentos e falseia a percepção do que se discute. Nesta espécie de bordéis de
cobardes, a ignorância é o menos. O mais é a subserviência infame ao interesse
do momento. O mais é impor como politicamente correcta uma visão ideológica que
já foi testada e falhou. Assim vamos, em meu sentir, no prólogo de mais um ano
escolar, sob o policiamento disfarçado do pensamento livre, rumo a uma
pedagogia totalitária.
Começou o disfarce
com uma revisão curricular que, oficial e centralmente, não existe. Com efeito,
são algumas escolas que poderão alterar 25% do currículo, sem que,
centralmente, os programas tenham sido alterados e embora os professores só
devam cumprir, desses programas, o que as “aprendizagens essenciais” fixaram,
em híbrida convivência com as metas de Crato, que não foram explicitamente
revogadas. Esta circulatura do quadrado será
operada por artistas das 236 escolas que se alistaram na experiência pedagógica
da “flexibilidade curricular”. E continuou o disfarce com o secretismo que
envolve a coisa: os pais não tiveram o direito de saber se a escola onde iriam
matricular os filhos estava ou não envolvida na experiência; e agora, depois da
lista publicada, não se sabe que turmas virão a estar envolvidas, muito menos
os critérios que ditam a escolha; todos os pormenores operacionais pertencem ao
obediente e venerador corpo de directores e aos comissários da modernidade do
século XXI, enquanto, como convém, a generalidade dos professores do século XX
está de férias.
Este
processo de mudança, recorde-se, estava inicialmente programado para ser
imposto a todo o sistema, sem qualquer tipo de testagem.
Foram o Presidente da República e o Primeiro-Ministro que travaram essa
lógica. Mas a intenção dos promotores subjaz ao disfarce da experimentação. Com
efeito, uma experiência séria não se faz com a envolvência de mais de 20% do
universo a que, eventualmente, se virá a aplicar o que se testa. Porque torna
muito mais complexo o processo de acompanhamento e avaliação, cujo rigor é
vital para a tomada da decisão final. Uma experiência séria não assenta
na determinação de uma amostra cujo critério único é o voluntarismo das escolas
candidatas. Uma experiência séria planeia com tempo e de modo
transparente a formação dos agentes envolvidos, a mobilização dos recursos
necessários e o desenho da estrutura de monitorização.
Tudo visto, a
“experiência” é, antes, uma primeira fase de uma alteração que Marcelo e Costa
atrasaram para depois das autárquicas. Trará sobressaltos e instabilidade. E,
no fim, a responsabilidade da balbúrdia ficará a débito dos professores do
século XX, que alguns dizem avessos à inovação.
ºººººº
«O coração de muitos
políticos parece reduzir-se a um código legal, que interpretam a seu modo. O
meu é feito de matéria diferente e por isso dói e sangra como nunca. Foram
muitas as situações ao longo da minha vida em que a minha lei foi ser contra a
lei. Contra a lei iníqua. Contra a lei astuta que protege os poderosos e ignora
os que nada podem. Contra a lei que despreza a moral e a ética. Contra o
direito que não serve a justiça.»
Assim se define o homem que é
conhecido, sobretudo, pelas crónicas que publica no jornal Público: textos
imperdíveis que, de 15 em 15 dias, vêm agitar as águas turvas da torpe política
nacional, nomeada e principalmente a referente às coisas da educação.
O estilo contundente dos seus artigos é um tiro certeiro na generalizada apatia, uma pedrada neste charco onde o país se afunda. A clarividência das suas análises, a sua prosa empolgante, cheia de garra, lucidez, inteligência, desassombro, são uma bênção - sempre!- , e uma inspiração, para aqueles poucos a quem a raiva ainda cresce nos dentes e nos dedos, professores ou não. Lê-lo é um bálsamo e um incitamento, saber-lhe o pensamento, uma força reposta.
O estilo contundente dos seus artigos é um tiro certeiro na generalizada apatia, uma pedrada neste charco onde o país se afunda. A clarividência das suas análises, a sua prosa empolgante, cheia de garra, lucidez, inteligência, desassombro, são uma bênção - sempre!- , e uma inspiração, para aqueles poucos a quem a raiva ainda cresce nos dentes e nos dedos, professores ou não. Lê-lo é um bálsamo e um incitamento, saber-lhe o pensamento, uma força reposta.
O que o move: a persistência e
uma vontade férrea, um humanismo que cada dia se vai tornando mais raro, uma
absoluta urgência de transformar o mundo:
«Não desisto de convocar
políticos e cidadãos comuns para o debate das ideias e para o exercício de
informar com seriedade e verdade. Sem informação e discussão não há vida
democrática.»
Manuel Henrique Santana Castilho nasceu
em Beja. A simpatia e devoção que nutre pela classe docente terá despertado
logo quando era aluno do liceu desta cidade, em resultado da muita admiração e
estima que lhe mereceram alguns dos professores que aí lhe ensinaram coisas dos
livros e da vida e a quem, ainda hoje, rende sentida homenagem.
É, de resto, por influência de um desses professores que Santana Castilho decide licenciar-se em Educação Física. Frequenta o ISEF, em Lisboa, entre --- e --- . Inicia a sua vida profissional como professor desta disciplina e outras afins (Saúde, por exemplo) em escolas Secundárias e noutras que agora se chamariam de EB 2,3.
Nenhum comentário:
Postar um comentário