sábado, 12 de agosto de 2017

Lat. Gens, gentis


Também nós – a minha irmã e eu – tivemos dois envergonhados gentílicos – dos mortos já não reza a história - fomos laurentinas e lourençomarquinas, a nossa amiga ficando-se somiticamente mas honrosamente pelo gentílico barreirense, honra que ainda se mantém intacta, no seu clube e na sua garra de destemor mordaz. O meu filho Ricardo, é aveirense, complicado de ceboleiro, por não ter apanhado o topónimo de cagaréu, mas a minha filha Paula ficou-se academicamente pelo de conimbricense, enquanto os outros três - o João, o Artur e o Luís - pobrezinhos, se limitaram, como a mãe e a tia, às lonjuras de um nome ora riscado do mapa. E assim se traçam as biografias, nos seus inícios, e este artigo de Bagão Félix nos ensina com bom humor como enriquecer as nossas raízes por consulta gramatical, agora que essas raízes vão sendo arrasadas nas labaredas dos incêndios ou na entrega a mãos de outros povos mais trabalhadores ou mais ricos…
Público, 3 de Agosto de 2017
Gentilmente gentílico
Sento-me para escrever a minha crónica de sexta-feira. Manhã cedo, entre uma ligeira, mas refrescante brisa que me consola antes da canícula, ouvindo as aves indiferentes ao barulho do teclado e junto das minhas árvores que me convidam a abraçá-las.
Neste contexto, não me apraz escrever sobre economia ou política. De economia, fazendo jus ao título do blogue. De política, por posologia terapêutica. Escrevo, antes, sobre um tema mais prosaico. Refiro-me aos gentílicos.
Os substantivos gentílicos (se adjectivos igualmente conhecidos por adjectivos pátrios) são as palavras que designam uma pessoa de acordo com o seu local de nascimento ou de residência.
Se observarmos a maioria dos gentílicos, verificamos que não seguem um padrão estrito para as suas terminações, antes variam de uma maneira tão alargada que torna a coisa complicada, mas divertida. Alguns são até independentes dos nomes com que estão relacionados. Por exemplo, carioca do Rio de Janeiro (se cidade) e fluminense (se Estado), gaúcho do Rio Grande do Sul.
Resolvi fazer uma viagem ao centro desta classe de substantivos. Não considerando os que constavam das perguntas capciosas no meu tempo de escola (flaviense, escalabitano, albicastrense, nabantino…), cito aqui o calipolense (de Vila Viçosa), um menos conhecido e alternativo coliponense para os leirienses e salaciano para Alcácer do Sal, o cubense (mas não cubano, nem cubista) de Cuba no Alentejo, o lacobrigense (ou lacobricense) de Lagos, o senense de Seia, o amarantino de Amarante, o barranquenho de Barrancos.
Gosto, particularmente, do sistema duplo de alguns gentílicos menos conhecidos: em Cartaxo, cartaxeiro e cartaxense, em Minde, mindense e minderico, em Penaguião, penaguiense e penaguiota, no Pico, picuense e picaroto.
E o que dizer de um gentílico que se aplica a duas terras diferentes? Falo do egitaniense para os habitantes de Idanha-a-Velha (Egitânia era o nome dado a uma cidade fundada pelos romanos e que corresponde a este concelho), mas também para os da Guarda.
Já quanto a gentílicos estrangeiros, destaco – entre muitos – os limenhos da capital do Peru, os pacenhos de La Paz, os portenhos de Buenos Aires, os tangerinos (e tangerinas) de Tânger, os zanzibaritas de Zanzibar, os oliventinos (à espera de Portugal, em Olivença), os sardos ainda que sem sardas da Sardenha, os malgaxes de Madagáscar, os árabo-emiradenses dos EAU, os caraquenhos da agora triste Caracas, o cingalês do Sri Lanka da ilha do Ceilão, os corsos todo o ano na Córsega, os damascenos da torturada Damasco, os guatemaltecos para fazer companhia aos suecos, os habitantes de Gaza que de falta de gentílicos não sofrem (gazitas, gazeus e gazanos). Mais estranhos parecem ser os habitantes de Jerusalém (hierosolimitas ou hierosolimitanos) ou da cidade de Salvador (soteropolitanos) que não se confundem com os salvadorenhos de El Salvador, sendo ambos gentílicos criados a partir do nome grego das cidades. Já os que vivem em Estocolmo são chamados holmienses (o nome romano era Holmes).
Duas notas mais: há cidades ou até países para as quais não se conhecem gentílicos. Refiro-me, designadamente, a Tóquio e a Oslo. Ou melhor, o seu gentílico é simplesmente habitante de Tóquio ou de Oslo. Quanto a Estados, o melhor exemplo é o do habitante da República Centro-Africana? Como chamá-lo?
Em Portugal e no Brasil, entre acordos e desacordos ortográficos e linguísticos, há gentílicos diferentes para muitos casos. Por exemplo, polaco e polonês, canadiano e canadense, israelita e israelense, palestiniano e palestinense, argelino e argeliano, bósnio e bosníaco. E com o AO temos, agora, o Egipto decepado do p, todavia conservado no gentílico egípcio. Vá lá a gente entender…

Eis uma pequeníssima amostra gentílica, na qualidade de temporariamente albidomense (Casa Branca, concelho de Sousel).

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