De facto, assim fazemos, na farsa
de atropelar a verdade, interpretando os casos segundo as conveniências, o
terrorismo que agora se instalou no mundo sendo motivo para se acusar, quem o
receia ou o aponta, de xenofobia, e de arvorar estranhas atoardas de falsa
coragem provocatória do “não temos medo” ou do “Je suis Charlie”, manipulado
pelos empresários de uma esquerda unida na abertura de braços sensíveis e
amorosos a todas as anomalias, a pretexto de uma orientação “democrática”
semeadora de amor canalizado para uma só banda - a das fraquezas ou dos desvios, (que justificam igualmente os nossos incendiários florestais) - porque o ódio a tudo o que signifique
fortaleza – de sensatez, de trabalho, de sucesso – está igualmente contido
nesse contínuo mascarar de intenções e de falsos afectos.
Alberto Gonçalves, é, como
sempre, directo e lucidamente frontal e pessimista, caso do artigo seguinte, de
que repito o parágrafo final, certeiro e definitivo: Os gritos de “racismo” dirigidos ao líder do PSD não se
distinguem das afirmações de valentia e dos apelos à fraternidade universal
exibidos após cada atentado. Trata-se,
na melhor das hipóteses, da cedência infantil a clichés. Na pior, é má-fé, e o
som de uma civilização a entregar-se, deliberada e jovialmente, ao próprio fim.
Haverá um humorista a sério para brincar com isto?.
O excelente
artigo de Helena Matos sobre uma sociedade a embrutecer, deixando-se
manipular – pelo menos publicamente – pelos desvarios de não assumpção do medo –
justifica em absoluto o negativismo triste no humor de A.G.
O humor nunca é tão negro quanto
o futuro
OBSERVADOR,
19/8/2017
Ninguém
se incomoda com insultos a europeus ou a cristãos. Porém, dia após dia, surge
um “escândalo” alusivo ao que X disse da maravilhosa “cultura” cigana, ou Y
disse da “comunidade LGBTQRONVS§#™‰*$”.
Um
alegado humorista, que sinceramente desconheço, escreveu algures uma graçola
sobre a “xenofobia” de Pedro Passos Coelho e a doença da mulher dele. Num
ápice, inúmeras pessoas, muitas das quais tenho por decentes, lançaram-se para
as inevitáveis “redes sociais” a insultar o alegado humorista, a
providenciar-lhe publicidade gratuita e, em certos casos, a tentar, sem
dispor dos meios, reproduzir os métodos usados pela oligarquia para silenciar
dissidências.
É
verdade que, à semelhança de diversos colegas, o alegado humorista é pelos
vistos avençado da oligarquia. É verdade, segundo li, que é pago pelos
contribuintes por umas rábulas de revista na rádio pública. E é verdade que
bater em Pedro Passos Coelho, inclusive pelas razões mais absurdas, talvez lhe
confira créditos junto dos respectivos chefes. Mas também é verdade que
criaditos do poder não faltam, que os contribuintes pagam à força o salário a
multidões de matarruanos (mesmo descontando os familiares do prof. dr. Carlos
César) e que a voracidade com que idiotas sortidos decretam a irrelevância de
Pedro Passos Coelho é proporcional ao pavor que, com ou sem motivo, este
teimoso indivíduo lhes inspira.
O
que importa, em todo o insignificantíssimo episódio, é o facto de o alegado
humorista ter o direito de se aliviar das atoardas de que gosta e a chatice de
ouvir de volta atoardas de que não gosta – pretender o contrário é próprio da
esquerda que o moço serve. A liberdade de expressão – cansa repetir – inclui
a liberdade de se exprimirem coisas que nos são repulsivas, maçada que vale
para piadas de oncologia, referências ao dialecto do dr. Costa ou manifestações
contra “minorias”. Os recentes acontecimentos em Charlottesville, Virgínia,
são um exemplo adequado.
Por
grotesco que pareça, os “supremacistas brancos” deviam ser livres de berrar as
alucinações que os embalam sem se verem importunados, ou publicitados, por
“activistas” diversos, para cúmulo possuídos por aversões similares: ao
capitalismo, às multinacionais, aos judeus, ao “sistema”, ao que calha. Calhou de discordarem acerca de alguns dos “grupos” a
combater, e é pena. Unidos, ambos os gangues conciliariam a vontade vã de uns
em expulsar os seus ódios de estimação do território americano com o esforço
consumado dos outros em expulsar os seus ódios de estimação das universidades americanas.
E prosperariam enfim.
Em
abono do rigor, o totalitarismo já prospera, obrigadinho. Nos EUA e aqui,
criaturas radicalmente desprovidas de utilidade teimam em vigiar a linguagem e
decretar os limites do “admissível”. E, cá como lá, a sanha persecutória é
menos consequente nos supremacistas brancos do que nos vermelhos. Ninguém se
incomoda com insultos a europeus ou a cristãos. Porém, dia após dia, surge um
“escândalo” alusivo ao que X disse da maravilhosa “cultura” cigana, ou ao que Y
disse da “comunidade LGBTQRONVS§#™‰*$”, ou ao que Z pensou em dizer do
prodigioso governo que nos ilumina. É estranho um mundo onde os beatos do Bloco
ou a namorada do ex-presidiário Sócrates se sentem habilitados a julgar – e se
esgadanham para castigar – as opiniões alheias. Ou, dado que a deturpação é
abundante, a amálgama de mentiras em que transformam as opiniões alheias.
Para
os distraídos, estamos a falar de gente com credibilidade idêntica à de um
astrólogo (com ofensa aos astrólogos). São anti-fascistas que professam o
comunismo ou participam com zelo num regime influenciado por comunistas. São
feministas que se borrifam para a humilhação das mulheres ciganas. São
democratas que aplaudem o regime venezuelano. São lobistas “gay” que se
apaixonam pela Palestina. São ecuménicos que abominam as religiões ocidentais.
São opositores do racismo que compreendem os racistas do islão. São indignados
com a xenofobia que insultam os espanhóis e os alemães e os ingleses que nos
visitam e sustentam a nossa reles economia. Ainda assim, procurar calar essa gente
seria imitar-lhe os princípios. O que interessa é recusar que, à conta da
intimidação, essa gente nos cale a nós.
Pedro
Passos Coelho foi criticado por criticar uma lei perigosa, a que permite a
permanência em Portugal a estrangeiros cadastrados ou, cito a expressão que
suscitou o pânico, a “qualquer um”. Agora, em Barcelona, confirmou-se pela
enésima vez aquilo de que “qualquer um” é capaz. Os gritos de “racismo”
dirigidos ao líder do PSD não se distinguem das afirmações de valentia e dos
apelos à fraternidade universal exibidos após cada atentado. Trata-se,
na melhor das hipóteses, da cedência infantil a clichés. Na pior, é má-fé, e o
som de uma civilização a entregar-se, deliberada e jovialmente, ao próprio fim.
Haverá um humorista a sério para brincar com isto?
Do lado de dentro da janela
OBSERVADOR, 20/8/17
Tudo resultou em mais gritos “Alá é
grande”, mais carrinhas descontroladas afinal conduzidas por mão firme, mais
lobos solitários que tinham quem os apoiasse. Mas "Nós não temos
medo". Claro que temos
Fechadas em casa. Olhando o inimigo que
inflexível avança.
O que viram pela janela por onde
espreitavam? A morte – respondeu uma delas a uma jornalista. A tranquilidade
com que proferiu aquele “a morte” era desconcertante. Quase grotesco.
As mulheres que fechadas em casa viram
passar a morte estavam numa aldeia de Mação. Mas podiam estar fechadas num
restaurante em Barcelona, num mercado de flores na Finlândia, numa rua dos EUA…
Ver passar a morte, cruzarmo-nos com ela
numa rua cheia de turistas, numa manifestação ou numa estrada rodeada de
árvores tornou-se o encontro que tememos aconteça nas nossas vidas ou na dos
nossos filhos. Porque garantidamente sabemos que ela, a morte, vai voltar a
passar. Apenas esperamos que não se cruze connosco. Com os nossos. Com os que
conhecemos. Com os que apenas vimos… Esperamos
sobretudo estar longe ou que, acabando a seu lado, ela não nos entreveja do
lado de dentro da janela. Não nos ouça o bater descontrolado do coração. Sim,
porque o medo existe. Cheira-se. Sente-se. Mas não se pode falar dele.
Oficialmente nós não temos medo. Felipe VI
garante que a Espanha não tem medo. Os independentistas catalães que apostaram
na migração proveniente de Marrocos em detrimento da dos países da América
Latina, porque acreditam ser os magrebinos mais sensíveis à causa da secessão,
também declaram que não têm medo. E claro espera-se que também digam que não há
razões para ter medo aqueles que fugiram à frente da carrinha, os que por trás
janelas os viram passar e os que viviam no bairro onde os supostos
refugiados/migrantes de ocupação profissional indefinida acumulavam bilhas de
gás numa casa que tinham ocupado. Contudo quem recorda a forma como o estado
espanhol reagia de imediato aos atentados da ETA ou a qualquer acontecimento
que pudesse denunciar a presença daquele grupo terrorista, como uma explosão
acidental similar à que teve lugar na casa de Alcanar, não deixa de sentir medo
perante a
actual bonomia das autoridades espanholas face ao quotidiano destes alegados
migrantes.
E medo maior se experimenta quando se constata que nas horas que seguiram à
explosão da casa de Alcanar não se reforçou a sério a segurança na Catalunha.
Mas é no “Não temos medo” que por agora estamos.
Na verdade, não é só é profundamente falso
dizer que não temos medo como subjacente a essa aparente fanfarronice está a
convicção de que a ameaça não é relevante. Ou pelo menos suficientemente grave
para se poder assumir publicamente que se sente medo.
Afinal é no assumir do medo que está a
grande clivagem do nosso tempo. Um mundo dividido entre uma casta privilegiada
que legisla sobre tudo e que controla tudo desde o pensamento à linguagem mas
que nos momentos cruciais falha rotundamente na sua obrigação de garantir a
segurança dos cidadãos.
Nesse mundo da casta é proibido falar de
medo. A criminalidade dita pequena por quem não a sofre directamente é um
assunto para demagogos. Os paióis são roubados mas todos os procedimentos,
dizem, foram cumpridos. Os atentados acontecem mas ficamos a saber que pelo
menos um dos protagonistas já estava sinalizado pelas nossas polícias. O fogo
chama-se incidente pirotécnico e no limite tudo resulta das ignições. Em
conclusão, não há razões para ter medo.
Este seria um mundo
assepticamente perfeito de procedimentos e sinalizações não fosse a realidade.
Daí a importância do negar a realidade e do diabolizar qualquer tentativa de a
mostrar: falar da sustentabilidade da segurança social implica ser rotulado
como estando contra os pensionistas. Indagar da capacidade da Europa para
receber todos os imigrantes que a procuram vale de imediato ser acusado de
xenofobia. Referir o crescimento da dívida leva à acusação de insensibilidade
social. Questionar o que acontece nas escolas para que isto seja possível é de imediato
transformado numa discussão sobre o populismo…
Esta transformação da
testemunha num réu funciona: ninguém gosta de ser acusado para mais de um
aleijão moral que se cola ao corpo.
Mas o terrorismo islâmico na sua imensa e
óbvia brutalidade está a colocar sob pressão esta transposição automática da
discussão dos problemas para o julgamento moral de quem os denuncia: no 11 de
Setembro as vítimas eram americanas e como tal responsáveis por várias
iniquidades mundiais. Já as primeiras vítimas europeias do terrorismo islâmico
como aconteceu com o realizador Theo Van Gogh explicavam-se pelo seu “perfil
controverso” ou por integrarem essa falácia que dá pelo nome de “anti-Islão”.
(O conceito do “anti-Islão” reproduz passo a passo o antigo esquema da
diabolização do anti-comunista naturalmente primário: admitia-se que algumas
pessoas fossem contra o comunismo mas jamais se encontrou algum anti-comunista
que não o fosse por más razões. Uns eram de extrema-direita, outros
reaccionários, outros corruptos… e todos eles invariavelmente primários.)
À medida que cresce o número de vítimas
aumenta a percepção de que qualquer um pode ser esfaqueado ou decapitado. E
aumenta o medo que, dizem, não temos. Ciclicamente um novo slogan entra em cena
poupando-nos ao ridículo do falhanço do anterior: antes do “Não temos medo” era
o “Je suis…” Um mantra que por sua vez sucedeu ao “Terrorismo, nunca mais”, que
por sua vez sucedeu ao “Imagine”…
Esse nosso versejar teve o
efeito contrários às nossas intenções: tudo resultou em mais gritos de “Alá é
grande”, mais facadas, mais carrinhas descontroladas afinal conduzidas por mão
firme, mais lobos solitários que afinal tinham quem os apoiasse e escondesse,
mais desequilibrados mentais que estavam de perfeito juízo…
(A estupefacção pelo falhanço da nossa
retórica apesar de tudo não deve ser tão grande quanto a perplexidade dos
dinamarqueses ao constatarem que nas
suas mesquitas se ensina o ódio. Isto apesar de a Dinamarca
ter acolhido milhares de refugiados muçulmanos particularmente jovens rapazes
provenientes da Síria e de ter lançado um programa destinado aos que abraçaram
o terrorismo significativamente intitulado “Abrace um terrorista”. Nos vídeos
promocionais do dito “Hug a Jihadi”, cujo
visionamento aconselho vivamente, ensinam-nos que os jovens se tornam
terroristas porque ao emigrarem dos seus países de origem para a Europa, no
caso para a Dinamarca, se sentem apanhados entre dois mundos. Espantosamente
nem os protagonistas do recurso à bomba porque se sentem apanhados entre duas
culturas nem as autoridades da Dinamarca se interrogaram um segundo sequer
sobre o assombroso facto de jamais chineses, portugueses, vietnamitas,
moçambicanos, espanhóis, brasileiros… que tanto têm migrado para países tão
diferentes dos seus, terem alguma vez optado por mitigar a sua desorientação
cultural esfanicando os cidadãos dos seus países de acolhimento ou doutros
quaisquer. Pelo contrário aceitam trabalhos que mais ninguém faz, poupam para
enviar dinheiro para as suas famílias e para o melhoramento das suas terras.
Bombas é que não há notícia que tenham pago ou custeado.)
O porquê desta anomia face ao terrorismo
islâmico é conhecida: a esquerda trocou os operários pelos muçulmanos e
esquecidos nas periferias urbanas os operários acabaram atrás da janela a ver o
que oficialmente não existe. Em países como a França vêem todos os dias o
fundamentalista que, sem pegar em facas, causa conflitos para que a sua mulher
use burka na rua, para que as suas filhas não sejam atendidas por um médico,
para que no refeitório da escola não se cozinhe carne de porco, para que os judeus
deixem de passar por aquela rua, para que os comerciantes não vendam álcool,
para que a festa de Natal não se realize…
Agora que os amanhãs já
não cantam a Internacional a caminho de uma sociedade sem classes, a fúria da
rua árabe e toda aquela litania da colonização, as cruzadas e tudo o que mais
lembrar, configuram-se como o anúncio do admirável mundo novo que mais uma vez
se anuncia: uma sociedade em que as comunidades substituíram os cidadãos; as
minorias impõem as suas particulares circunstâncias como regras e os
revolucionários se tornaram reguladores dos ressentimentos.
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