Mas lêem-se com idêntico fôlego, embora sem idêntico encanto. Crise dos
tempos.
Sem emenda - Deutschland
António Barreto
OBSERVADOR, 6 DE AGOSTO DE 2017 - Sem
Emenda -
A Autoeuropa é, em
Portugal, o primeiro exportador e o mais importante investimento industrial.
Está em curso uma negociação difícil entre a Volkswagen e os seus
trabalhadores, a fim de garantir a produção de um novo modelo, o que trará
muito emprego e mais exportações. A Comissão de Trabalhadores chegou a um
acordo com a administração alemã. Os sindicatos comunistas estão contra o
acordo, contra a empresa e contra a Comissão de Trabalhadores que não
controlam. Os sindicatos venceram uma votação. A Comissão demitiu-se, não se
sabe se a pensar numa reeleição. O assunto merece atenção. Na verdade, tudo
deve ser feito, com dignidade e equilíbrio, a fim manter e desenvolver a
Autoeuropa.
No entanto, como disse
Wolfgang Münchau, no DN, esta semana, a VW e a indústria automóvel alemã estão
em perda de importância. A responsável por essa destruição não foi a
concorrência que os alemães tão bem souberam derrotar durante décadas. Nem
sequer foram os acordos ilegais e secretos entre construtores (VW, BMW,
Mercedes, Audi…). Foi a trafulhice que os dirigentes da Volkswagen
praticaram durante anos: uma das maiores falsificações da história da
indústria!
A Alemanha, actualmente,
não é de confiança. Foi, mas já não é. A impressão
que tínhamos de uma Alemanha séria, de boas contas, trabalhadora e rigorosa
desvanece-se gradualmente. Um dos valores da Alemanha no mundo, a qualidade dos
seus produtos, ficou danificado. A sua superioridade perante os concorrentes
está comprometida. Vão ser necessárias décadas para recuperar uma reputação perdida.
A primeira mácula
contemporânea na reputação alemã foi a história de doações financeiras aos
políticos e aos partidos nos tempos de Helmut Kohl. Os processos não foram
concluídos, nunca se apurou a verdade e poucos foram punidos.
Depois, a manipulação das
taxas da Euribor foi episódio desastrado para a reputação alemã. O assunto
provocou desgaste nos meios financeiros e deixou muita gente em posição
desconfortável, mas as autoridades alemãs e europeias fizeram o necessário para
não levar as coisas até às últimas consequências.
A honestidade alemã foi
ainda abalada pelos negócios dos submarinos, pelo menos com Portugal e Israel.
Já hoje há evidência suficiente, incluindo judicial, para sabermos que não se
trata apenas de boato. Para vender os submarinos, a Alemanha, com conhecimento
oficial e participação privada, fez o que podia e não devia para corromper
Estados, políticos e militares.
A seriedade e o rigor da
indústria alemã foram destroçados com as fraudes automóveis da Volkswagen
destinadas a enganar os clientes e as autoridades ambientais do mundo inteiro. Não
foi acidente nem invenção fortuita de técnico atrevido: foi uma actuação
premeditada e minuciosa destinada a defraudar toda a gente! Os fabricantes de
automóveis destruíram a reputação e o prestígio alemães. As autoridades
colaboraram e tentaram diminuir os custos, sem o conseguir. Aos países
poderosos os fabricantes pagam milhões de indemnizações e multas. Nos Estados
Unidos, pagaram 25.000 milhões de dólares e retomaram 500.000 veículos. Aos
fracos e devedores (Portugal, por exemplo), os fabricantes limitam-se a reparar
o “software”…
A Alemanha soube fazer com
que os Europeus pagassem grande parte dos custos da sua unificação. A Alemanha
comunista foi admitida na União Europeia, sem aprovação pela União Europeia:
foi assim porque foi assim, porque a Alemanha quis e a França deixou. A
conversão do Deutsche mark comunista em Deutsche mark federal fez-se em termos
paritários, o que foi em grande parte financiado pelos europeus, excluídos da
decisão. Gostemos ou não, estes gestos foram políticos, revelaram força e
influência, não foram feitos por meios ilegais. Agora, a Alemanha está a dar
cabo de si própria!
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