Ou os policiais de Agatha
Christie, como releituras de cabeceira. E muitos outros que me
deixem adormecer tranquila, a não lembrar o futuro. Uma graça, o sofisticado
das personagens de O. Wilde, em cujas
falas provocadoramente audaciosas, de paradoxos um tanto cínicos, feitos por
personagens de requinte social e cepticismo – (onde me parece que Eça colheu
tanto da sua alegre verve satírica acerca da burguesia endinheirada ou
governante, com que nos destacou como nação) – e nos quais colhemos alegre
disposição, sem ameaças de futuro ainda, a intenção, quando muito, reformista,
presidindo à sua ironia (no caso de Eça, pelo menos). Ou a vivacidade criativa
dos enredos policiais de Agatha Christie, cujo
mistério vai sendo profusamente e exemplarmente perseguido, numa técnica de
suspense de grande vivacidade narrativa, que encanta sem assustar, a não ser as
sensibilidades envolvidas nos trâmites da intriga ficcional.
Mas o século XX e o XXI deram-nos outro
tipo de escritores que, ou descrevem horrores vividos ou se atrevem a antever
horrores a viver, prognosticando o desencadear desse apocalipse que vamos,
aliás, já experimentando em cada dia que passa, na leitura das notícias que
grassam por toda a Terra, não respeitada pelo homem.
É desse carisma aterrador - como fora,
aliás, o “84” ou o “Triunfo dos porcos” de G.
Orwell,
entre outros, embora estes livros ainda como ficção - que parece estar contido
nos livros descritos no texto “E se Pequim
e Washington forem para a guerra” do “Courrier
Internacional” de Agosto 2021, no capítulo China, que transcrevo:
E se Pequim e Washington forem para a
guerra
“Não
há nada como a ficção geopolítica para ajudar a entender a competição
estratégica entre China e Estados Unidos da América no que respeita a Taiwan”
Autor: THOMAS FRIEDMAN
Data: 27/4/21
TRADUTORA: ANA MARQUES
THE NEW YORK
TIMES (EXCERTOS)
NOVA YORQUE
Se procura
um bom livro para ler este verão, recomendo o romance 2034,
de James Stavridis, almirante na
reserva, e Elliot
Ackerman, ex-oficial
da Marinha e dos Serviços Secretos. Conta como a China e os EUA entrarão em
guerra em 2034, após um confronto naval ao largo de Taiwan, com Pequim a beneficiar
do apoio dos seus aliados tácitos, o Irão e a Rússia.
Sem
revelar nada do enredo, acrescentaria que a China e os EUA acabam por se
enfrentar num conflito nuclear que destrói algumas das suas cidades, e que daí
resulta a Índia neutra ascender a potência mundial dominante (afinal é um
romance).
O que
este livro tem de preocupante é que quando o fechei e abri o jornal do dia,
encontrei muito do que, segundo os autores, acontecerá daqui a treze anos: o
Irão e a China tinham acabado de assinar um acordo de cooperação válido por
vinte e cinco anos: Putin estava a concentrar tropas na fronteira com a
Ucrânia, enquanto avisava Washington de que quem ameaçasse a Rússia “iria
arrepender-se mais do que nunca”. Entretanto, aviões de combate chineses,
preparados para a guerra electrónica, violam regularmente o espaço aéreo de
Taiwan, com as autoridades chinesas a dizerem que “nada autoriza os EUA a
falarem com a China a partir de uma posição de força”
E eis que a realidade se assemelha
demasiado à ficção. Mas porquê agora?
Parte
da resposta pode ser encontrada noutro livro, “A Ascensão e Queda da Paz
na Terra”. Este livro, da autoria de Michael Mandelbaum
descreve como passamos do mundo da Guerra Fria, determinado pelo antagonismo
entre a democracia norte-americana e o comunismo soviético – de 1945 a 1989 –
para um quarto de século surpreendentemente pacífico, sem conflito entre as
grandes potências, acompanhado por uma expansão da democracia e
interdependência económica global – de 1989 a 2015 – até à era actual, muito mais
perigosa, quando a China, o Irão e a Rússia resistem às pressões das
democracias, aspiram a um crescimento económico constante e praticam um
hipernacionalismo agressivo.
O que torna este regresso do nacionalismo
chinês, iraniano e russo ainda mais perigoso é o facto de estar associado a
sectores económicos estatais, em particular à indústria militar, e se
desenvolver numa altura em que a democracia norte-americana está a vacilar.
(Continua)
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