sábado, 7 de agosto de 2021

Por isso prefiro as peças de Óscar Wilde

 

Ou os policiais de Agatha Christie, como releituras de cabeceira. E muitos outros que me deixem adormecer tranquila, a não lembrar o futuro. Uma graça, o sofisticado das personagens de O. Wilde, em cujas falas provocadoramente audaciosas, de paradoxos um tanto cínicos, feitos por personagens de requinte social e cepticismo – (onde me parece que Eça colheu tanto da sua alegre verve satírica acerca da burguesia endinheirada ou governante, com que nos destacou como nação) – e nos quais colhemos alegre disposição, sem ameaças de futuro ainda, a intenção, quando muito, reformista, presidindo à sua ironia (no caso de Eça, pelo menos). Ou a vivacidade criativa dos enredos policiais de Agatha Christie, cujo mistério vai sendo profusamente e exemplarmente perseguido, numa técnica de suspense de grande vivacidade narrativa, que encanta sem assustar, a não ser as sensibilidades envolvidas nos trâmites da intriga ficcional.

Mas o século XX e o XXI deram-nos outro tipo de escritores que, ou descrevem horrores vividos ou se atrevem a antever horrores a viver, prognosticando o desencadear desse apocalipse que vamos, aliás, já experimentando em cada dia que passa, na leitura das notícias que grassam por toda a Terra, não respeitada pelo homem.

É desse carisma aterrador - como fora, aliás, o “84” ou o “Triunfo dos porcos” de G. Orwell, entre outros, embora estes livros ainda como ficção - que parece estar contido nos livros descritos no texto “E se Pequim e Washington forem para a guerra” do “Courrier Internacional” de Agosto 2021, no capítulo China, que transcrevo:

 

E se Pequim e Washington forem para a guerra

“Não há nada como a ficção geopolítica para ajudar a entender a competição estratégica entre China e Estados Unidos da América no que respeita a Taiwan”

Autor: THOMAS FRIEDMAN

Data: 27/4/21

TRADUTORA: ANA MARQUES

THE NEW YORK TIMES (EXCERTOS)

NOVA YORQUE

 

Se procura um bom livro para ler este verão, recomendo o romance 2034, de James Stavridis, almirante na reserva, e Elliot Ackerman, ex-oficial da Marinha e dos Serviços Secretos. Conta como a China e os EUA entrarão em guerra em 2034, após um confronto naval ao largo de Taiwan, com Pequim a beneficiar do apoio dos seus aliados tácitos, o Irão e a Rússia.

Sem revelar nada do enredo, acrescentaria que a China e os EUA acabam por se enfrentar num conflito nuclear que destrói algumas das suas cidades, e que daí resulta a Índia neutra ascender a potência mundial dominante (afinal é um romance).

O que este livro tem de preocupante é que quando o fechei e abri o jornal do dia, encontrei muito do que, segundo os autores, acontecerá daqui a treze anos: o Irão e a China tinham acabado de assinar um acordo de cooperação válido por vinte e cinco anos: Putin estava a concentrar tropas na fronteira com a Ucrânia, enquanto avisava Washington de que quem ameaçasse a Rússia “iria arrepender-se mais do que nunca”. Entretanto, aviões de combate chineses, preparados para a guerra electrónica, violam regularmente o espaço aéreo de Taiwan, com as autoridades chinesas a dizerem que “nada autoriza os EUA a falarem com a China a partir de uma posição de força

E eis que a realidade se assemelha demasiado à ficção. Mas porquê agora?

Parte da resposta pode ser encontrada noutro livro, “A Ascensão e Queda da Paz na Terra”. Este livro, da autoria de Michael Mandelbaum descreve como passamos do mundo da Guerra Fria, determinado pelo antagonismo entre a democracia norte-americana e o comunismo soviético – de 1945 a 1989 – para um quarto de século surpreendentemente pacífico, sem conflito entre as grandes potências, acompanhado por uma expansão da democracia e interdependência económica global – de 1989 a 2015 – até à era actual, muito mais perigosa, quando a China, o Irão e a Rússia resistem às pressões das democracias, aspiram a um crescimento económico constante e praticam um hipernacionalismo agressivo.

O que torna este regresso do nacionalismo chinês, iraniano e russo ainda mais perigoso é o facto de estar associado a sectores económicos estatais, em particular à indústria militar, e se desenvolver numa altura em que a democracia norte-americana está a vacilar.

 

(Continua)

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