O Dr. Salles. Original nos temas, a sua curiosidade intelectual revelando-se
enriquecedora e generosa, alargada nos espaços da história pátria - leituras,
talvez, das suas férias, certamente variadas e apaixonantes. Faltou a
bibliografia. Mas os “historiadores” – ou puramente especuladores - não terão
dificuldade em a obter. Ainda bem que o “Continuemos” se mantém, vivo e
desafiante.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 12.08.21
Quando, em História, colocamos
hipóteses que não tencionamos demonstrar (por dificuldade, preguiça ou
teimosia) e descrevemos cenários mais ou menos plausíveis, estamos apenas a especular mas se o fizermos com o intuito de sugerirmos
pistas de investigação, então deixamos de ser uns charlatães e passamos a ser
uns pensadores mais ou menos respeitados (conforme a plausibilidade do cenário
engendrado).
Assim, numa conformidade incentivadora
de investigação histórica, estou a sugerir que…
Seria
interessante investigar a génese exegética da Rainha Santa Isabel, princesa de Aragão, para se esclarecer o melhor
possível a eventual prevalência da sua fé cátara;
Seria
interessante investigar a influência que os Franciscanos
Milenaristas exerceram sobre a Corte Portuguesa desde
que, a convite da Rainha Santa Isabel, foram acolhidos em Alenquer até que
foram deslocados para os Açores (onde lançaram o culto do Espírito Santo);
Seria
interessante investigar as relações dos monarcas portugueses (de D.
Dinis a D. João II) com as Igrejas Monofisistas,
… para melhor se compreender…
O
papel de Pêro da Covilhã junto dos
coptas do Egipto e junto do Preste João;
Quem «promoveu» a morte de D. João II;
As causas (e as evidentes consequências) das mudanças estratégicas de D. João
II para D. Manuel até final da segunda dinastia.
E o cerne da especulação histórica
consiste…
no
«cerco a Roma» engendrado
por D. João II para reduzir a hegemonia da Igreja Católica e assim reforçar o
seu próprio poder como novo «Senhor do Mundo»;
a sujeição
de D. Manuel à pressão de Isabel, a católica,
sua sogra, a favor de Roma;
a mudança da missão supletiva dos religiosos mareantes no tempo de D.
João II (cuidados espirituais e de
enfermagem dos soldados e marinheiros) em missão determinante com D. Manuel e
seguintes (alargamento da fé e do Império).
*
* * *
Aqui
ficam as sugestões de investigação a quem tenha olhos para ler documentos
antigos, a quem tenha tempo e a quem tenha motivação.
E
não me sentirei diminuído se a minha especulação se revelar precisamente como
tal, especulação; se se revelar verdadeira, não cobrarei royalties.
Agosto de 2021
Henrique Salles da Fonseca
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COMENTÁRIOS:
Anónimo14.08.2021: Estimado Amigo
Na Ericeira, gozando do meu tempo de "continuada vilegiatura",
registei com muito agrado, o safanão que lançou a quem queira, possa e saiba
reagir ao lúcido desafio de olharmos desapaixonadamente para a nossa história
que desde bem lá de trás é contada com o viés que o correr dos séculos sempre
vai ajeitando. Agora, que há mais rigor nas "réguas" e padrões,
melhores e mais acessíveis registos, espera-se que as suas "educated"
especulações, lhe rendam merecidas royalties, isentas de impostos, já se vê. Cumprimentos
amigos Fernando Catarino
Francisco G. de Amorim 14.08.2021: Brilhante!
Mas quero ver quem se vai meter nessa tremenda alhada! E ADORARIA VER RESULTADOS
- HISTÓRICOS - DAS PESQUISAS. UM FORTE BRAÇO
Adriano Miranda Lima 15.08.2021: Não
consegui enviar o comentário que escrevi e inseri, pelo que admito que é devido
à sua extensão, pelo que este é apenas um teste.
Adriano Miranda Lima 15.08.2021: Não
sei se sigo a via dedutiva ou indutiva para formular umas breves e modestas
considerações sobre o desafio lançado pelo Dr. Salles da Fonseca. Em todo o
caso, elas serão sempre pautadas pela especulação e não pela presunção de
qualquer teorização. Esta exigiria investigação aturada e em sede própria, além
de formação académica específica. Se são citados os Franciscanos Milenaristas e
as Igrejas Monofisistas é porque se admite, como hipótese credível, que essas
correntes ou seitas influenciaram uma determinada linha de doutrinação
religiosa em Portugal. Tendo sido consideradas heréticas por Roma, não consegui,
contudo, encontrar fontes que me esclarecessem sobre as linhas com que se coseram
para sobreviverem sem sobressaltos. Ou será que tudo foi facilitado pelos
favores da Rainha Santa Isabel, o que poderá ter exigido a adopção de uma linha
procedimental mais moderada ou conciliatória com os nossos hábitos? É natural
que uma postura mais genuinamente caritativa, de que seria o primeiro exemplo a
pessoa da Rainha, possa ter ajudado a que Roma não se sentisse muito afrontada.
Especulação minha... Porém, o que não consegui foi encontrar pistas, poucas que
fossem, para valorizar qualquer relação relevante que D. João II possa ter tido
com as Igrejas Monofisistas. Pelo contrário, a leitura pessoal que faço é
que as preocupações cimeiras do monarca não passavam propriamente pela Igreja
ou pela submissão ao poder temporal. Disso há algumas evidências empíricas,
como, por exemplo, o facto de ele ter acolhido no país as comunidades judaicas
expulsas de Espanha pelos Reis Católicos. Ora, isto contrastava flagrantemente
com a linha ortodoxa da Igreja Católica, porventura desagradando o clero local.
E é exactamente a partir daqui que vejo despontar uma estratégia gizada por D.
João II que considero eivada de vistas largas, sem precedentes na nossa
história. Uma estratégia que desde logo mandou às urtigas o radicalismo
católico e o obscurantismo. Ele sabia o valor da massa crítica que os judeus
representavam e estava ciente de que iria colher os frutos, como de facto
colheu. Provavelmente, não ignorava que iria afrontar o poder temporal
de Roma ao perfilhar uma estratégia de cunho predominantemente secular. E é
neste ponto que encontro eventual significado para um Monofisismo que lhe terá
sido mais conveniente que a ortodoxia católica. Para o Papa importava a
envangelização de outros povos segundo os cânones da sua Igreja e não de
leituras exegéticas. Sem rebuço, tem de se aceitar que os objectivos de Roma
visavam mais o alargamento do poder temporal do que a envangelização cristã em
si. De resto, só as religiões monoteístas, na presunção de um exclusivismo de
virtudes, desprezam as crenças alheias e impõe-lhes os seus dogmas, o que em si
constitui violência moral. Não foi por acaso que, em 1849, o abade
Arduini, descreveu o poder temporal dos papas como uma "mentira histórica,
uma impostura política e uma imoralidade religiosa". De facto,
como a História demonstra, as religiões monoteístas são as únicas que estão na
origem de guerras entre povos, ao passo que as politeístas convivem entre si
pacificamente. Espinosa explica-o bem com o seu racionalismo ético. E é curioso registar que Espinosa descende de judeus
portugueses que seriam expulsos 2 séculos depois da morte de D. João II,
vítimas da intolerância e do obscurantismo com que provavelmente não pactuaria
o monarca. O envenenamento
de D. João II (hipótese plausível considerada pela maior parte dos
historiadores) pode ter tido mão da aristocracia e do clero, num conluio em que
cada uma das partes envolvidas teria as suas próprias razões, mas com as do
clero a serem determinadas por objectivos estratégicos de maior alcance, já que
por trás estaria Roma. (Continua)
Adriano Miranda Lima 15.08.2021 (Continuação): A D. João II sucedeu o venturoso D. Manuel I, que colheu os louros da estratégia do seu primo mas foi incapaz de resistir à pressão da sua sogra Isabel, sob a influência de Roma. Sem a coragem e o alcance da visão do seu antecessor, D. Manuel limitou-se a ir na onda do “alargamento da fé e do Império”, incapaz de um olhar prospectivo sobre o futuro. Tanto que tudo começaria a soçobrar nos dois reinados seguintes, por várias razões mas principalmente por aniquilamento da própria estratégia, que ficou manca com a expulsão dos judeus e com eles a banca, a detença do comércio internacional assim como de mais valias científicas. A verdade é que os judeus portugueses foram uma parte importante da nação de que nos livrámos leviana e precipitadamente por momentâneas conveniências diplomáticas da nossa relação com a Espanha, tendo o fundamentalismo católico como pano de fundo. O que se pode é perguntar como teria sido o rumo nacional se D. João II não tivesse morrido (envenenado) aos 40 anos e tivesse prosseguido a sua estratégia. Aqui só se pode, efectivamente, especular, dado que ele iria por certo afrontar a rivalidade do país vizinho, para mais em aliança com Roma, além de outros imponderáveis. Depois, com a introdução mais tarde da Inquisição tudo acabou por se perder. A Inquisição fez muito mal à alma portuguesa, instilou-lhe medo, desconfiança e outros sentimentos mesquinhos; entravou-a. É bem possível que ainda não tenham sido completamente erradicados os resíduos da sua maligna presença, porque muito do que nos amedronta e encolhe, não poupando nem povo anónimo nem elites, tem a sua raiz na Inquisição. Bem, não fiz mais que especular…
(A mim
parece-me uma especulação muito convincente).
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