sábado, 14 de agosto de 2021

De volta

 

O Dr. Salles. Original nos temas, a sua curiosidade intelectual revelando-se enriquecedora e generosa, alargada nos espaços da história pátria - leituras, talvez, das suas férias, certamente variadas e apaixonantes. Faltou a bibliografia. Mas os “historiadores” – ou puramente especuladores - não terão dificuldade em a obter. Ainda bem que o “Continuemos” se mantém, vivo e desafiante.

ESPECULANDO...

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 12.08.21

Quando, em História, colocamos hipóteses que não tencionamos demonstrar (por dificuldade, preguiça ou teimosia) e descrevemos cenários mais ou menos plausíveis, estamos apenas a especular mas se o fizermos com o intuito de sugerirmos pistas de investigação, então deixamos de ser uns charlatães e passamos a ser uns pensadores mais ou menos respeitados (conforme a plausibilidade do cenário engendrado).

Assim, numa conformidade incentivadora de investigação histórica, estou a sugerir que…

Seria interessante investigar a génese exegética da Rainha Santa Isabel, princesa de Aragão, para se esclarecer o melhor possível a eventual prevalência da sua fé cátara;

Seria interessante investigar a influência que os Franciscanos Milenaristas exerceram sobre a Corte Portuguesa desde que, a convite da Rainha Santa Isabel, foram acolhidos em Alenquer até que foram deslocados para os Açores (onde lançaram o culto do Espírito Santo);

Seria interessante investigar as relações dos monarcas portugueses (de D. Dinis a D. João II) com as Igrejas Monofisistas,

para melhor se compreender

O papel de Pêro da Covilhã junto dos coptas do Egipto e junto do Preste João;

Quem «promoveu» a morte de D. João II;

As causas (e as evidentes consequências) das mudanças estratégicas de D. João II para D. Manuel até final da segunda dinastia.

E o cerne da especulação histórica consiste

no «cerco a Roma» engendrado por D. João II para reduzir a hegemonia da Igreja Católica e assim reforçar o seu próprio poder como novo «Senhor do Mundo»;

a sujeição de D. Manuel à pressão de Isabel, a católica, sua sogra, a favor de Roma;

a mudança da missão supletiva dos religiosos mareantes no tempo de D. João II (cuidados espirituais e de enfermagem dos soldados e marinheiros) em missão determinante com D. Manuel e seguintes (alargamento da fé e do Império).

* * * *

Aqui ficam as sugestões de investigação a quem tenha olhos para ler documentos antigos, a quem tenha tempo e a quem tenha motivação.

E não me sentirei diminuído se a minha especulação se revelar precisamente como tal, especulação; se se revelar verdadeira, não cobrarei royalties.

Agosto de 2021

Henrique Salles da Fonseca

Tags:

história

COMENTÁRIOS:

Anónimo14.08.2021: Estimado Amigo Na Ericeira, gozando do meu tempo de "continuada vilegiatura", registei com muito agrado, o safanão que lançou a quem queira, possa e saiba reagir ao lúcido desafio de olharmos desapaixonadamente para a nossa história que desde bem lá de trás é contada com o viés que o correr dos séculos sempre vai ajeitando. Agora, que há mais rigor nas "réguas" e padrões, melhores e mais acessíveis registos, espera-se que as suas "educated" especulações, lhe rendam merecidas royalties, isentas de impostos, já se vê. Cumprimentos amigos Fernando Catarino

Francisco G. de Amorim 14.08.2021: Brilhante! Mas quero ver quem se vai meter nessa tremenda alhada! E ADORARIA VER RESULTADOS - HISTÓRICOS - DAS PESQUISAS. UM FORTE BRAÇO

Adriano Miranda Lima 15.08.2021: Não consegui enviar o comentário que escrevi e inseri, pelo que admito que é devido à sua extensão, pelo que este é apenas um teste.

Adriano Miranda Lima 15.08.2021: Não sei se sigo a via dedutiva ou indutiva para formular umas breves e modestas considerações sobre o desafio lançado pelo Dr. Salles da Fonseca. Em todo o caso, elas serão sempre pautadas pela especulação e não pela presunção de qualquer teorização. Esta exigiria investigação aturada e em sede própria, além de formação académica específica. Se são citados os Franciscanos Milenaristas e as Igrejas Monofisistas é porque se admite, como hipótese credível, que essas correntes ou seitas influenciaram uma determinada linha de doutrinação religiosa em Portugal. Tendo sido consideradas heréticas por Roma, não consegui, contudo, encontrar fontes que me esclarecessem sobre as linhas com que se coseram para sobreviverem sem sobressaltos. Ou será que tudo foi facilitado pelos favores da Rainha Santa Isabel, o que poderá ter exigido a adopção de uma linha procedimental mais moderada ou conciliatória com os nossos hábitos? É natural que uma postura mais genuinamente caritativa, de que seria o primeiro exemplo a pessoa da Rainha, possa ter ajudado a que Roma não se sentisse muito afrontada. Especulação minha... Porém, o que não consegui foi encontrar pistas, poucas que fossem, para valorizar qualquer relação relevante que D. João II possa ter tido com as Igrejas Monofisistas. Pelo contrário, a leitura pessoal que faço é que as preocupações cimeiras do monarca não passavam propriamente pela Igreja ou pela submissão ao poder temporal. Disso há algumas evidências empíricas, como, por exemplo, o facto de ele ter acolhido no país as comunidades judaicas expulsas de Espanha pelos Reis Católicos. Ora, isto contrastava flagrantemente com a linha ortodoxa da Igreja Católica, porventura desagradando o clero local. E é exactamente a partir daqui que vejo despontar uma estratégia gizada por D. João II que considero eivada de vistas largas, sem precedentes na nossa história. Uma estratégia que desde logo mandou às urtigas o radicalismo católico e o obscurantismo. Ele sabia o valor da massa crítica que os judeus representavam e estava ciente de que iria colher os frutos, como de facto colheu. Provavelmente, não ignorava que iria afrontar o poder temporal de Roma ao perfilhar uma estratégia de cunho predominantemente secular. E é neste ponto que encontro eventual significado para um Monofisismo que lhe terá sido mais conveniente que a ortodoxia católica. Para o Papa importava a envangelização de outros povos segundo os cânones da sua Igreja e não de leituras exegéticas. Sem rebuço, tem de se aceitar que os objectivos de Roma visavam mais o alargamento do poder temporal do que a envangelização cristã em si. De resto, só as religiões monoteístas, na presunção de um exclusivismo de virtudes, desprezam as crenças alheias e impõe-lhes os seus dogmas, o que em si constitui violência moral. Não foi por acaso que, em 1849, o abade Arduini, descreveu o poder temporal dos papas como uma "mentira histórica, uma impostura política e uma imoralidade religiosa". De facto, como a História demonstra, as religiões monoteístas são as únicas que estão na origem de guerras entre povos, ao passo que as politeístas convivem entre si pacificamente. Espinosa explica-o bem com o seu racionalismo ético. E é curioso registar que Espinosa descende de judeus portugueses que seriam expulsos 2 séculos depois da morte de D. João II, vítimas da intolerância e do obscurantismo com que provavelmente não pactuaria o monarca. O envenenamento de D. João II (hipótese plausível considerada pela maior parte dos historiadores) pode ter tido mão da aristocracia e do clero, num conluio em que cada uma das partes envolvidas teria as suas próprias razões, mas com as do clero a serem determinadas por objectivos estratégicos de maior alcance, já que por trás estaria Roma. (Continua)

Adriano Miranda Lima 15.08.2021 (Continuação): A D. João II sucedeu o venturoso D. Manuel I, que colheu os louros da estratégia do seu primo mas foi incapaz de resistir à pressão da sua sogra Isabel, sob a influência de Roma. Sem a coragem e o alcance da visão do seu antecessor, D. Manuel limitou-se a ir na onda do “alargamento da fé e do Império”, incapaz de um olhar prospectivo sobre o futuro. Tanto que tudo começaria a soçobrar nos dois reinados seguintes, por várias razões mas principalmente por aniquilamento da própria estratégia, que ficou manca com a expulsão dos judeus e com eles a banca, a detença do comércio internacional assim como de mais valias científicas. A verdade é que os judeus portugueses foram uma parte importante da nação de que nos livrámos leviana e precipitadamente por momentâneas conveniências diplomáticas da nossa relação com a Espanha, tendo o fundamentalismo católico como pano de fundo. O que se pode é perguntar como teria sido o rumo nacional se D. João II não tivesse morrido (envenenado) aos 40 anos e tivesse prosseguido a sua estratégia. Aqui só se pode, efectivamente, especular, dado que ele iria por certo afrontar a rivalidade do país vizinho, para mais em aliança com Roma, além de outros imponderáveis. Depois, com a introdução mais tarde da Inquisição tudo acabou por se perder. A Inquisição fez muito mal à alma portuguesa, instilou-lhe medo, desconfiança e outros sentimentos mesquinhos; entravou-a. É bem possível que ainda não tenham sido completamente erradicados os resíduos da sua maligna presença, porque muito do que nos amedronta e encolhe, não poupando nem povo anónimo nem elites, tem a sua raiz na Inquisição. Bem, não fiz mais que especular…

(A mim parece-me uma especulação muito convincente).

 

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