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livre: «DDT (sigla de diclorodifeniltricloroetano) é o primeiro pesticida moderno, tendo sido largamente
usado durante e após a Segunda Guerra Mundial para o combate
aos mosquitos vectores de doenças como malária e dengue». Vale a pena ler o extenso texto sobre o pesticida,
glosado há anos em graciosa rábula, em trocadilho hiperbólico, que remete a
sigla para as suas origens mortíferas.
Jaime Nogueira Pinto, na sua temeridade de historiador de impecável postura
de seriedade e conhecimento, não usa a sigla, mas aproveita-se da metáfora aliterativa
para significar a sua condenação, em caso recente de ostracismo político de António Costa. Um texto que nos enche as medidas, pela
clareza de uma argumentação irrefutável, que merecia ser divulgado e analisado
na comunicação social.
O título deste meu comentário remete para
o pesticida. Como trocadilho, naturalmente.
“Donos
disto tudo”
O que distingue uma democracia liberal
de outros regimes é aceitar, na competição legal pelo poder, todos os partidos
votados pelos cidadãos. Mesmo os iliberais.
JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 11
fev 2022
O
regime ou sistema democrático não é uma
espécie de religião laica,
com a transferência directa da infalibilidade do Deus do Ancien Régime –
que pela Sua graça tornava sagradas as dinastias – para o conjunto dos cidadãos
eleitores. É uma forma
de governo que
procura um modelo consensual, pacífico e ordeiro de institucionalizar a escolha
dos representantes de uma comunidade nacional, de um povo.
A sua legitimidade não vem, assim, de
uma qualquer superioridade ético-política, mágica ou misteriosa, de conteúdo
revolucionário ou conservador; vem
do facto de se socorrer de um processo histórico que, alicerçado na aceitação
de determinadas regras de jogo e com base em princípios de liberdade
de opinião e de respeito pela opinião dos outros, procura tornar governável o Estado. Como as opiniões são diferentes – excepto quanto à
aceitação da prevalência da opinião maioritária – não pode haver
descriminação de opiniões.
Os
valores políticos, as normas de orientação colectiva, as regras sobre o público
e o privado, o respeito pela vida, os usos e costumes permitidos ou punidos – são a expressão dos programas ou projectos
políticos que os partidos admitidos a concurso, dentro da Constituição, propõem
ou põem em discussão e levam a votos. Querer pôr este princípio em questão, é
pôr em questão o regime democrático, é viciar o jogo, desencorajar a
participação e corromper o sistema.
Vem isto a propósito da indignação,
real ou simulada, em painéis de debate e discussão televisivos, contra um
partido-pária que ousou apresentar como lema “Deus, Pátria, Família e Trabalho”
– coisas, aparentemente, malditas, escandalosas e proscritas, por terem sido já
o apanágio do “fascismo” doméstico do Estado Novo de Salazar.
Sobre a inutilidade da História das Ideias Políticas
A
discussão sobre o “fascismo” do Estado Novo é uma discussão que não vale muito
a pena ter, num caldo político, intelectual e social em que, por resignação,
ignorância ou táctica, se aceita a palavra como sinónimo do antigo regime ou se
esgrime como insulto indiferenciado.
De
qualquer forma, o Manuel Lucena, que dava importância a coisas como a História
das Ideias Políticas, tinha um argumento interessante e importante sobre o
assunto, que talvez valha a pena aqui repetir: o Estado
Novo tinha aspectos do fascismo-regime mas pouco ou nada tinha que ver com o
fascismo-ideologia nem com o fascismo-movimento, até porque nascera da
Ditadura Militar, e não de um movimento político revolucionário que disputara o
poder nas ruas com comunistas e socialistas, fazendo depois da Marcha Sobre
Roma um pacto com as forças conservadoras da sociedade italiana.
O
Estado Novo resultara, primeiro, do fracasso dos seus antecessores, que tinham
imposto um jugo oligárquico de 16 anos num quadro teoricamente liberal e
“democrático”, mas que a violência tornara monopolista; depois, de uma vaga
europeia autoritária, condicionada pela ameaça comunista; finalmente, de um
contrato entre os militares, sem projecto político próprio, com Salazar, que
tinha um projecto político. Há pontos
comuns entre o projecto salazarista e o fascismo – o nacionalismo, o anti-parlamentarismo, o
autoritarismo –, mas o
fascismo (apesar da Concordata
de Latrão) tinha um
espírito nietzschiano, pagão, e era estatocrático, sendo o Partido, o PNF, um
elemento essencial no poder e do poder.
Bem ao contrário, o salazarismo
era nacional-conservador e social-católico. Não
pretendia, pela política, mudar a sociedade, mas antes mantê-la como estava.
Pertencia à direita
conservadora, enquanto
o fascismo pertencia à direita
revolucionária. Os fascistas – e Mussolini em particular – queriam,
pelo menos ideológica e idealmente, “viver perigosamente”; Salazar queria que
os portugueses vivessem habitualmente.
Assim também a União Nacional, ainda
que fosse a única organização de cariz político permitida no Estado Novo,
funcionava como uma mera plataforma para a selecção e apresentação de
candidatos à Assembleia Nacional;
era uma organização que, como tal, não riscava quase nada nas decisões
políticas e à qual os ministros não tinham de pertencer. Ver o Estado Novo como um regime totalitário de
partido único – como o hitlerismo, o fascismo italiano ou o comunismo soviético
– é não ver ou falsear a realidade.
Deus, Pátria,
Família, Liberdade, Igualdade, Fraternidade
“Deus,
Pátria, Liberdade e Família” é uma divisa de Afonso Augusto Moreira Pena, o 6º
Presidente do Brasil, entre 1906 e
1909. Pena era natural de Minas Gerais e distinguiu-se no movimento abolicionista. Foi
várias vezes ministro durante o Império e um dos introdutores na República de
um certo espírito tecnocrático e industrialista. Não terá sido propriamente um
fascista, ou sequer um proto-fascista.
“Deus, Pátria, Liberdade e Família”, na versão de Pena, “Deus, Pátria e Família”, na versão salazarista, ou “Deus, Pátria,
Família e Trabalho” na versão de André Ventura, são
enunciados de valores políticos, nacionais e conservadores que, com esta
enumeração ou outra, estão presentes na maioria dos ideários conservadores
europeus e euroamericanos. Estes e
outros valores proclamados – tais como Liberdade, Igualdade e Fraternidade
ou Laicismo, Humanidade, Progresso, Socialismo (que têm uma bem mais longa e
sangrenta história totalitária e de manipulação) – tanto podem ser defendidos
autoritariamente, em ditadura, como podem ser defendidos democraticamente, em
democracia.
Quando já não é
proibido proibir
Achar
que Deus, Pátria e Família é “fascista”, mesmo na pouco esclarecida
qualificação do regime português, só pode resultar de ignorância ou táctica. Achar que, a partir de um centro enviesado à
esquerda que se autoproclama democraticamente imaculado, podem traçar-se
diabólicas linhas vermelhas para um lado e angélicos arco-íris inclusivos para
o outro, é mau sinal. Achar que, independentemente da votação obtida, há
um partido e um conjunto de eleitores que devem ser, à partida, excluídos da possibilidade consagrada pela praxe
constitucional de ver eleito um candidato, “seja ele quem for”, a vice-presidente do Parlamento
é, pela lógica do regime, indefensável. Achar
natural que esse mesmo partido fique a um canto da Assembleia com orelhas de
burro enquanto os “partidos de bem” avançam, cantando e rindo, para as
“conversas em família” com o primeiro-ministro que quer falar com todos, é uma
prática de discriminação aleatória que tem tudo para correr mal.
É
esta narrativa e esta prática ideologicamente enviesada para aguentar no poder
e defender os interesses dos que se assumem como “mais iguais que os outros”
que começa a levantar cada vez mais dúvidas a cada vez mais pessoas. Afinal, o
que distingue a democracia liberal dos outros regimes é a aceitação e
integração, nas suas regras de jogo, de todas e quaisquer forças políticas que,
independentemente dos valores que defendam, actuem pelas vias pacíficas e de
acordo com as leis constitucionais e civis. Mesmo as iliberais.
Não creio, por isso, que o presente
policiamento ideológico e as “linhas vermelhas” com que se procura segregar um
partido e os seus eleitores vão sequer beneficiar quem está no poder e muito
menos o regime. Limitam-se a expor sob uma luz cada vez mais crua a exemplar
democraticidade dos que se acham “donos disto tudo”.
A SEXTA COLUNA CRÓNICA OBSERVADOR DEMOCRACIA SOCIEDADE ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Clarisse Seca: Sem dúvida,
julgam-se os donos disto tudo. Uma aberração democrática do Dr. Costa e escola
esquerdista do pensamento único.
Maria Emília Santos Santos: Excelente
trabalho! O problema é as pessoas tornarem-se deputados sem primeiro andarem na
escola! Não lêem, não estudam e depois querem ser deputados! Para quê, se não
sabem agir? Todos aqueles epítetos que lhes assentam bem a eles, usam-nos para
classificar os de quem não gostam! Mas afinal que pretende esta gente, tão
cheia de "sabedoria"? Apetece perguntar: Pobre país, que volta
a ser governado por ditadores inclassificáveis! Creio que por este andar,
teremos eleições antes do tempo! Salazar tinha a PIDE e o Parlamento
Português em pleno século XXI, na era das feministas e do LGBTs tem agora a
maioria PS e um belo Apartheid!... A. Carnide: Muito bem 👏 Paulo Cardoso: Este Senhor é uma das (poucas) razões, pela qual
mantenho a assinatura do Observador. Nada mais tenho a dizer sobre o artigo. Censurado Censurado: Realmente o primeiro desígnio do país devia ser tentar
perceber melhor o lema Deus Pátria e Família hoje. No doubt! E amanhã talvez a
gradação do fascismo do Botas. E o segundo tentar perceber o que quer o chega.
Se é que quer alguma coisa. E quem não pensar assim só pode ser DDT. Alberto Rei: em primeiro, grande análise histórica e esclarecimento
do propalado fascismo português. Hoje insulta-se em qualquer lado alguém de
fascista a torto-e-a-direito. Aqui no Observador é recorrente, e de nazi e tal.
Aqui têm um texto para aprender. Duvido que queiram, mas fica a
recomendação. Por outro lado, uma chamada de atenção aos que se julgam donos
disto tudo. O catavento, como sempre, anda mudo e calado. Grande JNP
José Miranda: Durante uma viagem de comboio, Pasteur ia calmamente
rezando o terço. Um viajante, bastante mais jovem, criticou -o pela sua
desactualizada crendice. Então, propôs-se recomendar-lhe alguns livros, para
que se actualizasse. Pasteur deu-lhe um cartão com a morada para receber a
lista dos referidos livros. Alguns dos comentadores estão em relação ao JNP,
como o jovem para o Pasteur. O jovem envergonhou-se, mas estes fazem gala da
sua ignorância. José
Paulo C Castro: "Deus,
Pátria, Liberdade e Família" era o lema original. Muito antes do Fascismo,
com que não tem nada a ver. Um lema conservador e nacionalista. Salazar inspirou-se nele mas fez cair a Liberdade, que
não lhe interessava promover muito, por causa dos revolucionários de então.
Redefiniu o lema para fazer face aos inimigos políticos. Ventura inspira-se no de Salazar e junta-lhe Trabalho,
porque o considera prioritário face à Liberdade, numa aproximação ao eleitorado
de esquerda. Os woke vomitam o lema com nojo, por estar lá Deus e Família. Os
globalistas vomitam-no também por estar lá Pátria. Ventura definiu o lema,
também, para identificar os inimigos políticos específicos. Mas quis recuperar
o eleitorado do Trabalho... É assim que devemos entender este assunto. Deixar
de o entender como os 'donos' querem defini-lo. É libertador. Rita Salgado: Artigo muito esclarecedor, como sempre. Estes 4 anos
de Kosta e Cia preveem-se do pior!
Carminda Damiao: Como
sempre excelente artigo. Paulo
Silva: Caro JNP, interessante artigo que expõe
os fundamentos liberais do funcionamento do jogo democrático, garantindo a
todos, iliberais inclusive, a participação; desde que cumpram as regras do
jogo. Mas nada disto será estranho aos portugueses pois têm partidos
anti-sistema e iliberais - PCP ou BE - perfeitamente integrados no sistema
político sem problema algum. Sucede que o senso comum tende a achar que
Democracia e “ditadura da maioria” são a mesma coisa. Como as maiorias
qualificadas neste país são tendencialmente de um lado, desde o início tudo
ficou fácil para esse lado… e difícil para o outro. Mas foi para evitar os
malefícios dessa ideia feita, que desprotege as minorias, que surgiram as
constituições. Infelizmente a nossa Constituição foi ferida de morte e fere
a Democracia. Quando o legislador da Lei fundamental se pôs a promover
ideologias, condenando outras, deu uma estocada na democraticidade do regime
nascido do derrube do salazarismo. Tudo ficou distorcido no plano da equidade
política e o resultado está à vista nesta perseguição abusiva e sistemática ao
recém-nascido «Chega!». Para apresentar e discutir, ou combater, as
Ideologias, é que existem os partidos que o fazem nos locais próprios, sujeitos
ao escrutínio da sociedade e dos cidadãos. Senão para quê os partidos e as
instituições parlamentares?…
Simplesmente Maria: Jaime
Nogueira Pinto é uma excepção lúcida e inteligente na actual convergência
opinativa dos média ditos de direita. Defendem eles que o Chega é um aliado do
PS cujo objectivo é tornar o PSD irrelevante perpetuando assim o poder
socialista. São, ao que tudo indica, os defensores do apetecível centro morno
onde tudo está no seu lugar e nos seus lugares. JÁ:
Para o António Costa e companhia a democracia é
importante mas só quando dá jeito (quando é politicamente correcto)! Decidiram
julgar e marginalizar a vontade expressa pelo VOTO de 400.000 pessoas,
catalogadas como cidadãos de segunda ou terceira categoria sem direitos! Atitudes
anti-democráticas, censura, autoritarismo, preconceito e intolerância! É o
renascimento do totalitarismo, agora só falta criar uma polícia política! João Afonso: Comparando com o antigo regime, este sai a perder. E
não é porque a ditadura tenha qualquer superioridade moral sobre o regime
democrático, que não tem, mas porque aquele era mais justo, honesto e
verdadeiro. Oficialmente o salazarismo praticava a censura, e as provas eram
claras. nunca foram arbitrárias, obscuras ou insondáveis. Oficialmente a nossa
democracia não tem censura, mas ela existe e é praticada no espaço mediático e
nas instituições da República, levada a cabo por gente encoberta, não
identificada, sem que os seus intentos sejam escrutináveis. Este facto é um dos
que mais corrói o regime. O outro é a corrupção que infectou praticamente todas
as entidades do Estado, incluindo a própria Justiça. Edmund
Burk: Jaime Nogueira
Pinto é das poucas pessoas esclarecidas e racionais da sociedade portuguesa
onde domina o sentimento primitivo de manada ou clubite. Joaquim
Almeida: Excelente revisão
da matéria. Esta birrinha autoritária dos esquerdas, com adesão de
inocentes úteis tão estimados pelo assassino Estaline, mostram bem as reais
convicções totalitárias dos pseudo-democratas, reaccionários das
excomunhões laicas. Nem a Constituição nem o Regimento são explícitos a
distribuir pelos 4 maiores os 4 vice-presidentes ; mas os
usos regimentais consolidados em quatro décadas da Assembeia não valem
nada? Alberto
Pires > Joaquim Almeida:
Bem atirada. Quase que se poderia dizer que é um preceito
consuetudinário.... Na falta de leis específicas ou de situações omissas na
Lei, prevalecem os usos e costumes. Era assim na antiga Roma (que não eram tão
selvagens e impreparados como nos querem fazer crer). David Pinheiro: "Deus, pátria e família" a malta ainda
aceita, mesmo que com bastantes reservas. Agora "Trabalho"???
Mas onde é que o Ventura tem a cabeça? Metade da população nem trabalha. E na
outra metade que trabalha, metade preferia não trabalhar. PS: Se calhar
enganei-me e não é metade da metade que não quer trabalhar. Talvez seja 80% da
metade... Mas foi o que me ocorreu...
José Miguel Pereira > David Pinheiro: Credo, "trabalho"? Isso vem do latim tripalium, que era um instrumento de tortura. Acg: Um bom texto esclarecedor da História, infelizmente há
hoje em Portugal quem não a conheça e emita opinião apenas pelo que ouviu
dizer. Falta dizer que o fascismo, o nazismo e o estalinismo têm todos a mesma
matriz socialista, os três derivaram de partidos socialistas, sublimando a sua
ideologia. Melhor mesmo, aconselho veementemente, é estudar o fenómeno
Mussolini, na Itália, analisar a bagunça que lá se vivia, os "facci di
combattimento" e "Squadristi", acreditando nessa utopia conhecida
como marxismo e depois perorar sobre o assunto. Todavia recomendo uma
conclusão: isso foi há 100 anos, na década 20 do séc. XX, estamos década de 20
do séc. XXI, muita ciência, investigação, conhecimento, avanço social,
económico e politico passaram por debaixo das pontes, não podemos fazer mero
copy paste. Por fim, JNP enche-me as medidas enquanto professor deciência politica
e cidadão, agradeço-lhe muito.………………………………………………………………………………………………
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