Esta do Gonçalo Portocarrero de Almada, que, depois de sumariar a questão do mal através da cultura, parece aceitar a tese da existência do Diabo, servindo-se de uma estranha história de exorcismo em torno de uma jovem Anette possessa do demónio. Não sei se o P.G.P.A. quis apenas divertir-se ou provocar-nos a respeito desse tema do Mal, que, evidentemente, é obra, entre nós – e não só entre os seres racionais, a própria natureza encarregando-se de actuações tantas vezes endemoninhadas – mas o certo é que a sua crónica mereceu comentários de excelência – entre os quais os de LÚCIO MONTEIRO, que com muito prazer transcrevo. Como lição pertinente. E aprazível.
Anette, ou quando o diabo veste saias
Hoje em dia, na Igreja, evita-se
qualquer referência ao diabo, ou à condenação eterna, na ingénua suposição de
que a salvação universal está, à partida, garantida.
P. GONÇALO
PORTOCARRERO DE ALMADA OBSERVADOR,
05 fev 2022, 00:1991
C. S. Lewis teve uma
ideia brilhante quando escreveu, em 1942, The Screwtape Letters, traduzido e
publicado em português (Vorazmente teu, Ed. Grifo,1995) e que, na sua
versão espanhola, recebeu um título sugestivo: Cartas do diabo ao seu sobrinho. Nesta imaginária correspondência, um
velho demónio dá instruções a um diabinho ainda caloiro na arte da tentação.
Um exemplo da sua imperícia
verifica-se quando o principiante se alegra pela iminência de uma guerra, na
expectativa da condenação de muitas pessoas. Seu tio, experimentado
tentador, desengana-o dizendo que, quando os homens sabem que podem morrer,
preparam-se para esse momento. Por isso, a estratégia do diabo é que não se
fale da morte, nem do inferno ou da condenação. Alienadas as pessoas em relação ao seu último destino, maior é a
probabilidade de que não alcancem a salvação.
A teologia medieval dissertou amplamente
sobre a queda de Lúcifer e dos seus anjos. O perigo da condenação eterna era
tema frequente na pregação religiosa, então mais centrada no temor a Deus do
que no cristão amor filial ao Pai do Céu. Bosch pintou,
com os requintes de uma prodigiosa técnica e de uma fantástica imaginação, os
suplícios das almas condenadas. Mozart
compôs um pungente Requiem, em que aos acordes dramáticos que proferem a condenação
eterna dos malditos, responde a aflitiva prece da alma piedosa. Dante, na sua Divina Comédia,
descreveu os círculos infernais, por onde vagueiam os que já perderam toda a
esperança. No Auto da Barca, de Gil Vicente, o
transe desta vida para a eternidade está representado na embarcação que
assegura a passagem deste mundo caduco para o que não tem fim. Também Shakespeare, no seu Henrique V, se
questiona sobre a responsabilidade de um rei que proclama uma guerra que pode
ser ocasião de perdição eterna para muitas almas.
Com
o iluminismo, o
racionalismo e o cientismo
do século XIX, abandonou-se o que se supôs ser uma crença pueril, como se o
diabo não tivesse mais credibilidade do
que o lobo mau da história do capuchinho vermelho. Não foi só dos manuais de
filosofia e das obras de arte que o maligno desapareceu, porque também na
Igreja praticamente se deixou de falar do demónio. Por isso,
hoje em dia, na pregação evita-se qualquer referência ao diabo, ou à condenação
eterna, na falsa suposição de que a salvação universal está, à partida,
garantida. Nas missas
de corpo presente invariavelmente se ‘canoniza’ o defunto e, até entre algum
clero católico, os exorcistas são vistos com desconfiança.
Porém, o demónio existe. A sua
presença e acção estão muito presentes no Evangelho. Mas, como saber se os distúrbios dos alegadamente possessos não são
perturbações psíquicas?! A ciência não poderá, um dia, explicar racionalmente
os fenómenos paranormais que a Igreja atribui a causas diabólicas?!
A estas e outras perguntas responde O último exorcista de Lisboa, de Inês Leitão, da Editora Guerra e Paz, cuja primeira
edição é de Março de 2020. A propósito da vida do Padre Gregório Verdonk, sacerdote
holandês que viveu muitos anos em Portugal, com fama de santidade, conta-se a
impressionante história de Anette.
Anette
era uma menina holandesa de sete anos, a
mais nova de quatro irmãos. Uma vez, ao fim do dia, recusou-se a terminar a
refeição, tendo seus pais insistido para que comesse o que tinha no prato, pois
ninguém se levantaria da mesa enquanto não acabasse o seu jantar e, todos
juntos, rezassem uma breve oração de acção de graças, como sempre faziam. Foi
então que, surpreendentemente, “soltou um grito lancinante e todos os pratos e
travessas de loiça em cima da mesa estalaram”. Acto seguido, Anette fugiu para o seu quarto, onde se fechou desde
então. Outros comportamentos anómalos foram depois registados: “as suas
gargalhadas também eram perturbadoras, pareciam invadir a totalidade da casa,
passavam paredes”; “ria da sua vizinha, como um homem de 40 anos”; “a língua
que falava maioritariamente era latim, por vezes grego” e “deixara de interagir
com os pais ou com os irmãos (…), comia pouco e, por vezes, com as mãos, quando
surpreendia todos com um apetite voraz”. “Os pais não sabiam o que fazer e eram
invadidos por um sentimento de culpa e de incapacidade. Deixaram de ter em casa
uma filha pequena, passaram a ter qualquer outra pessoa, que desconheciam,
dentro do corpo dela.”
Quando
a medicina se confessou incapaz de resolver o problema de Anette, entrou
em acção o Padre Gregório Verdonk, com quem ela, inexplicavelmente, “falava um
latim perfeito”. Quando o sacerdote se referia ao Amor de Deus, “Anette
punha as mãos nos ouvidos, ou mordia os dedos e gritava com toda a sua força,
como (estando) fora de si. (…) Anette parecia ter ganho a força bruta de um
adulto e o olhar sibilante de uma cobra.” Constata a autora que o “Pe. Verdonk olhara, pela primeira vez, a
face do demónio, através daquilo que ele sempre considerara mais puro: uma
criança.”
Graças a Deus, este primeiro exorcismo do
Padre Gregório foi bem-sucedido e Anette
voltou a ser “aquilo que o seu espírito nunca deixara de ser: uma menina
pequena, de canudos loiros, que gostava de correr nos campos de Valkenburg,
enquanto brincava com os irmãos mais velhos.” A cura espiritual não se ficou a dever apenas ao exorcismo, mas também
à oração: “a família fora instruída a rezar junta: ao acordar, antes de dormir,
a ir diariamente à Missa. Deveriam comungar (…) sem faltar ao ritual da
confissão”, que “não poderia ser vã ou rápida, tinha de ser integral e
detalhada” em relação às faltas graves, como se exige para que a absolvição
seja válida. Talvez a ciência possa, um dia, explicar algumas das
perturbações verificadas na Anette, ao tempo da sua possessão diabólica, como a
sua desmedida força, a sua voz estranhamente grossa, a sua indiferença em
relação aos seus pais e irmãos, os seus ímpetos de violência e raiva, a sua
falta de apetite, alternada com períodos de uma animalesca voracidade. Mas,
decerto, não há ciência que explique que uma criança de sete anos, que nunca
aprendeu ou, sequer, ouviu falar em grego ou latim, seja capaz de se expressar,
de uma forma fluente e teologicamente coerente, nestas línguas mortas. Pode-se, portanto, dizer que, de certo modo, é a
própria ciência que prova a existência do mal.
Paradoxalmente, os que negam a
realidade do demónio, provam a sua existência. Nele crêem
todos os que acreditam em Jesus, que disse que Satanás “foi homicida desde o
princípio, e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando
ele diz a mentira, fala do que é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”
(Jo 8, 44). Não é uma figura do passado, mas presente: “a verdade não está nele”, “diz a mentira (…)
porque é mentiroso”. Como negar a sua existência e acção é,
obviamente, uma mentira, que melhor prova de que os que nele não crêem são,
precisamente, seus súbditos?!
COMENTÁRIOS:
LÚCIO MONTEIRO: Ironias das ironias! Provar a “existência” do diabo é
muito mais importante para a sobrevivência da Igreja Católica do que a sua
inexistência. Como assim? Muito simples. Já que é materialmente
impossível provar a “existência” de Deus, se se provar a “existência” do diabo,
instala-se a dúvida na mente dos mais cépticos: “Se o diabo “existe”, então é provável que Deus também "exista". Mas esta artimanha bimilenar da Igreja
Católica requer a invenção de uma matreirice, de que só ela é capaz, isto é,
para que o argumento da “existência” do diabo funcione é imprescindível uma
contínua campanha "publicitária", no sentido de manter viva a crença
no diabo. É que existe um problema quando um crente deixa de
acreditar na existência do diabo. E qual é esse problema? Deixa, "ipso
facto", de acreditar em Deus. É e este o grande pavor que atormenta a
Igreja Católica, desde os primórdios da sua fundação: que os católicos percam a
fé em Deus. Quando isso acontecer – e vai acontecer, necessariamente – finalmente,
os ex-crentes deixam de acreditar em fantasias sobrenaturais e passam a assumir
a sua verdadeira natureza de ser humano. David Pinheiro: Desde que inventaram os
smartphones com câmara, algumas Full HD, as novas até são 4K, estes milagres
desapareceram... como por magia... deixaram de acontecer... Atrevo-me a dizer que o smartphone é o diabo! filipe mendes homem mendes: Um Poucochinho que seja...é uma
semente para outras grandes coisas....mais macias. Quanto menos se coçar um
"prurido", menos ele nos devia a atenção. Mas se tomarmos o prurido
como igual a dor de dente, certamente acabaremos por expurgar Dentes sadios
antes mesmo que nos causem alguma Dor, e nisso mais valeria arrancar todos os
dentes da BOCA, e colocar naquele lugar uma Prótese "artificial capaz de
mastigar qualquer Resultado Eleitoral que a democracia laica possa gerar. António Soares >josé maria: Ou inscreve-se no PS, antes de
rondar a Casa Pia.
josé maria > António Soares: Está a referir-se a quem? filipe mendes homem
mendes: A Sagrada Nora e o Poço de Jacob. A Nora de Jacob é a samaritana do Fado eterno, a
Eva que retira do Poço a água do Entendimento, a beleza que Deus nunca viu ao
Destruir a sua Obra com Dilúvio "à la carte"! Contudo o Sumo Sacerdote...apresenta-se como Noiva Virgem perante
os noivos que crêem na Igreja Pura e Virgem, a tal que tendo já tido sete
maridos e pecado, sempre é Noiva de Salomão, a mãe de Manelik que do
Egipto apareceu à tribo de Judas e em Belém. Mais teria casamento eterno a
troco de alguma servidão da água da "levada" de Samaria, onde as
mulheres tinham Lugar no Concelho das Tribos de Israel...desde longa data e
Entendimento...caso outras Negras vestes talibânicas vestisse! Teve aquela mulher Maridos como
qualquer Rei teve mulheres, e ali, até Jesus ia morrendo de sede junto ao Poço
de Jacob e perante as mulheres daquela Tribo que afinal aguaram com a água
daquele Poço Antigo. O Beija flor tem seu vício natural do qual não
consegue fugir, e assim é o Padre que faz voto de Celibato, que tem Hormonas,
das quais também não foge nunca assim que vê uma Flor! O Mundo como está...de
humana Coisa tem pouco! O Bob construtor precisa e necessita de alguma
Destruição... pela qual e depois possa reconstruir o Pós Dilúvio Divino...de
Raiz, uma Paz a seguir a Guerra, uma Vaca Gorda a seguir a uma vaca Magra e
renegada como se tivesse sido o Bezerro de ouro que no Deserto
"mosaico" todo o Povo depois... de Moisés, e do êxodo e o rejeitava
em Babel...por já serem muitos os da República laica que entretanto o Povo houvera
criado em largos anos no Deserto... com esforço de sangue e avós contra Ancien
Regime...apresentando uma Nova Ordem e um Estado Novo e "Laico". Parece que quem combateu por
uma república laica...de nada vale perante quem combateu por idêntico Estado
laico! Ventura vai à Missa do Presidente Marcelo e de repente
frequentar a missa dá credibilidade aos políticos da república laica
portuguesa. Afinal, talvez só a Cadela que foi à Lua fosse "Laica" e
pretendesse um Novo Mundo mais Universal...sem papas de tipo cão Dálmata. josé maria: Se o diabo existisse, há padres
pedófilos e de sotaina, que poderiam ser a sua incarnação. Mas como o Inferno
já não existe, disse-o João Paulo II e também o papa Francisco, deve ser
impossível a existência do diabo das fornalhas e a visão infernal dos
pastorinhos. O diabo foi enviado para o limbo satânico e o inferno do fogo
perpétuo já foi papalmente desacreditado. Os dogmas da Igreja Católica, esses,
estão em fase de revisionismo teológico e a ortodoxia católica anda a levar
tratos de polé. Os protestantes andam a tomar conta dessa Igreja, já não há
católicos puros e duros como no tempo da Santa Inquisição. João Pimenta > josé maria: Explique-me lá essa dos Papas
terem enviado o diabo "para o limbo satânico". Inventou da sua
cabeça? Ou então comete a lamentável confusão entre a imagem medieval do
inferno, meramente ilustrativa, e a existência do diabo ou do Mal, que nunca
Papa algum desdisse, nem o poderia fazer. Aliás Francisco já se referiu muito
seriamente a exorcismo Madalena
Magalhaes Colaço: Faltou referir as consequências
que teve na igreja o Concilio do Vaticano II. Deixou-se de falar em diabo, as
missas em latim abolidas e o padre em lugar de estar virado para o tabernáculo
passou a olhar de frente para os fiéis. Os cantos gregorianas proibidos e
entrou a música folclórica para dificultar a oração dos fiéis. O papa Ratzinger
chegou mesmo a dizer que as missas passaram a ser um "one man's show"
onde toda a espiritualidade foi abolida. Felizmente que o Covid teve algo de
positivo, pois hoje nas missas acabaram-se com essas cantorias abraços e
beijos, agora os fieis podem orar em silêncio. Paulo Neves: Eh! E eu que pensava que Jesus
tinha morrido para nos salvar a todos. Que as portas do inferno de
dante até estavam abertas desde que Jesus morreu na cruz. Que o próprio Satanás
podia a qualquer momento parar de bater as asas e acabar o seu tormento. Que
todos os que estavam no inferno de Dante não estavam lá por terem sido
condenados mas porque não reconheciam a salvação. Muito diferente da narrativa
desta crónica, que pega numa interpretação mitológica típica do escolasticismo
e toma a como literal ou canónica. O escolasticismo foi um produto do seu tempo
e a primeira forma de ciência, mas não é de todo um modelo de conhecimento da
verdade credível. Como cristão desgosto muito da ideia de condenação já que a
mensagem de Jesus é de salvação. De um católico parece que o padre ficou pelo
Deus do primeiro testamento. Winter
Is Here: Existe. Está em
todo o lado. Estamos tão familiarizados com ele que passa por normalidade.
Quando o topamos -adivinhem onde - podemos dar pela presença regular do dito
cujo nas vontades, nas inclinações, nos hábitos. Estou com santo Agostinho que
disse qualquer coisa assim: "indaguei sobre a natureza do maligno e
encontrei que não fosse uma substância mas antes uma perversão da
vontade." R
C > Winter Is Here: Exacto! Penso que a frase de
Santo Agostinho é uma óptima escolha: o maligno não pode ter substância, pois,
se tivesse, só poderia ter sido criado por Deus. Por isso, é uma ausência de
Deus, que pode ser, então, uma decisão de não cooperar com Deus, de se ausentar
de Deus. Daí a sua primeira frase: não obedecerei. E, sim, passa por
normalidade, em muitos comportamentos automáticos ou condicionados que podemos
ter (por serem emocionalmente mais fáceis), em "verdades" ou lugares
comuns que assumimos a priori sem questionar. E isso acontece quanto mais Deus
estiver ausente da nossa vida e da vida em sociedade, o que hoje é um facto
incontornável. Penso que as características da sociedade actual tornam o caminho
espiritual de cada um ainda mais difícil. Mas, por outro lado, isso deve
recordar-nos de porque Cristo nos mostrou que segui-Lo é um desafio. Entretanto,
acho curioso como esta ausência de Deus aparece de forma sintomática em várias
formas de moralismo excessivo, que, hoje em dia, vão desde obsessões com
hábitos de reciclagem, paranóias com vias para bicicletas, já para não falar do
moralismo progressista que visa criar uma culpa na pessoa comum que, para seu
grande infortúnio, não pertence a uma minoria étnica, sexual, etc.. Winter Is Here > R C: Quando o topei - o que foi
Graça, dentro de um silêncio que julguei impossível - foi em mim mesmo. Essa é
a nossa única responsabilidade: o bom combate. Dentro de nós, por nós mesmos.
Não combatemos carne e sangue, que são irmãos e filhos de Deus, mas potestades
e principados. Não temos outra responsabilidade senão essa. Quando nos metemos
a querer exorcizar os outros creio que acabamos apenas a projectar neles os que
queremos reprimir e evitar em nós. É uma grave tentação. É um combate para a
vida, com avanços e recuos, pequenas vitórias e grandes derrotas, todavia, com
a certeza de que avançamos na direcção certa. Quando me oponho a uma acção
maligna externa, quando não me acobardo, tenho presente que o agente físico é
um roberto. É a força que o anima que combato pelo que tento ter presente a
necessidade imperiosa de determinar o ponto em que me devo refrear sob pena da
força ter agido apenas com o propósito de diatribe para depois se fazer mover
em mim. Isto para dizer que muitos dos fenómenos culturais que me parecem
demoníacos, claramente demoníacos, podem não ter outro propósito senão o de
suscitar uma reacção contrária que, sem auto-limitação, pode ser o inferno na
terra. Porque a provocação é medonha! Parece-me que o Sr. Padre Gonçalo
deixa-se enrolar muitas vezes na diatribe. Não mantêm o devido distanciamento. LÚCIO MONTEIRO.
Todo o arrazoado do texto de hoje deste
cronista entronca num problema que tem sido um autêntico barbicacho, para a
Igreja Católica, e não só, desde a sua fundação. Trata-se da questão da origem
bem e do mal. Ora, a Igreja admite como principal premissa – e verdade
dogmática - para este imbróglio que Deus é a origem do bem. É até tido como o
bem absoluto. É sabido que as religiões, sobretudo as monoteístas, – o
judaísmo, o cristianismo e o islamismo - para “explicarem” algo aparentemente
inexplicável, desatam logo a “criar”. Neste caso, para explicarem a origem do
bem, “criaram” um deus: Iavé, Javé ou Jeová, para o judaísmo; Deus, para o
cristianismo e Alá, para o islamismo.
A magna
questão da origem do bem foi “resolvida”. Pelo menos, para essas religiões. Da
forma bastante simplista, convenhamos. Com a
questão seguinte é que a porca torce o rabo. “E qual a origem última do mal?” Pela lógica, assim como Deus é a origem do bem, também
deveria ser ele o responsável pela origem do mal. Mas como bem supremo, Ele nunca, jamais poderia ser a origem do mal. E
desse modo, havia que encontrar um "responsável". Para responder a esta questão,
ao longo dos últimos dois mil anos, ou até antes disso, de cada vez que os
teólogos se reuniam para a discutir, havia sempre um odor a "chamuscado"
nas redondezas, tudo por causa do esforço mental exigido aos respetivos
neurónios, que entravam em “curto-circuito”. Depois de tanto pensarem,
de tanto reflectirem, de tanto discutirem…Eureka! Ou, se preferirem, ”Bingo!”
Afinal, a questão tinha uma solução bem “simples”: se para responder à questão
da origem do bem, os teólogos “criaram” um deus, de igual modo, para resolver à
questão da origem do mal, custa alguma coisa “criar” mais um
"responsável"? E, dessa vez, à nova “criatura”
foi dado um nome bem-sonante e conhecido: o DIABO. Também conhecido por demónio,
anjo mau, espírito ou génio do mal, Lúcifer, Belzebu, maldito, carocho,
demonete, diabrete, dialho, espírito-mau, mafarrico, manfarrico, maligno,
porco-sujo, Satanás, Satã, etc. De acordo com Dicionário
Houaiss, no Brasil, o Belzebu também é conhecido pelas seguintes designações: traquinas,
zarapelho, cão-tinhoso, arrenegado, azucrim, barzabu, beiçudo, bicho-preto,
bode-preto, bute, cafuçu, capa-verde, capeta, carocho, chavelhudo, coisa-má,
coisa-ruim, condenado, coxo, cramulhano, cujo, debo, decho, demo, demonho,
diacho, excomungado, farrapeiro, grão-tinhoso, macacão, lá-de-baixo, mico,
mofento, mofino, moleque-de-surrão, nico, pé-cascudo, pé-de-cabra,
não-sei-que-diga, nem-sei-que-diga, pé-de-gancho, pé-de-pato, pé-de-peia,
pêro-botelho, porco, provinco, que-diga, rabão, rabudo, rapaz, romãozinho,
sapucaio, sarnento, serpente, sujo, taneco, temba, tentação, tentador, tição,
tisnado, zarapelho, etc. Como se vê, há nomes para todos os gostos e
crenças. Resumindo e conclusão: Enquanto a ciência, perante uma incógnita,
reconhece, humildemente, que, actualmente, ignora a explicação, mas que
lentamente, o processo de investigação, que pode demorar anos, séculos, acabará
por encontrar uma. Já a
Igreja Católica e as religiões monoteístas em geral baseiam-se sobretudo na
Bíblia. Mesmo que contenha o maior dos disparates, o que lá está é “sagrado” e
“infalível”. Mas voltando à questão inicial,
da origem do bem e do mal: nem o conceito de Deus, nem o do diabo, ambos
inventados pelas religiões, respondem-na de forma séria, consistente e honesta. Maria
Grilo: Não sei se há “demónios”, se há seres bons
e maus em outras dimensões, como os há neste mundo. Mas o que não posso
acreditar é que um criador ou energia divina que tenha dado vida terrena às
suas criaturas, possa, ao fim de uma única vida (por vezes cheia de
dificuldades ou de más influências) dar a essas criaturas um castigo eterno
(condenação eterna). Acho que nem o pior ser humano o faria, quanto mais um
Deus, que é suposto amar as suas criaturas. Ao menos os budistas e hindus crêem
em muitas vidas (reencarnações) que permitiriam aos seres humanos
aperfeiçoarem-se e vencerem os obstáculos da vida. Para essas crenças, o
“inferno” pode estar mais neste mundo, mas nunca é eterno. E as crenças
ocidentais e do médio oriente – judaísmo, cristianismo, islamismo – não deram
provas de mais sabedoria ou influência divina que as orientais ou outras, mesmo
que essas outras tenham também muito de imaginação humana ou mesmo de
necessidade de dominar (tal como as que nos são mais próximas). LÚCIO MONTEIRO: “Mas, decerto, não há ciência que explique
que uma criança de sete anos, que nunca aprendeu ou, sequer, ouviu falar em
grego ou latim, seja capaz de se expressar, de uma forma fluente e
teologicamente coerente, nestas línguas mortas” (padre Gonçalo
Portocarrero de Almada). O fenómeno da xenoglossia - (do
grego xen(o) = estranho, estrangeiro + gloss(o) = língua) consiste no falar, de
forma espontânea, em língua ou línguas, que não foram previamente aprendidas -
não tem nada de "outro mundo". Pessoas
como o padre Portocarrero dariam mostras de serem um pouco mais inteligentes e
seriam mais úteis à sociedade, se se esforçassem um pouco mais em encontrar
explicações para fenómenos humanos, aqui na Terra, e não nos “confins” da
transcendência. Há episódios
documentados segundo os quais pessoas em estado alterado de consciência
conseguem “ler” o que está na consciência de outras pessoas. De uma forma muito
simplista – já que se trata de um fenómeno complexo – alguém em estado alterado
de consciência ganha capacidade de “invadir” a mente de algum circunstante –
que tenha conhecimentos de latim, alemão, ou qualquer língua estrangeira – e
“exibir” tais conhecimentos. Em
determinadas circunstâncias, a realidade espaço / tempo não constitui obstáculo
para o nosso inconsciente. Mas só quando se encontra em estado “alterado”.
Quem já teve sonhos de “voo” certamente
sabe do que se trata. LÚCIO
MONTEIRO: ”A cura espiritual ( de Anette) não se ficou
a dever apenas ao exorcismo, mas também à oração“ (padre Gonçalo Portocarrero
de Almada). Atribuir
ao exorcismo e à oração a cura de um qualquer distúrbio psíquico é uma
tentativa de explicação claramente desfocada. Mas existe uma outra extraordinária
realidade psíquica, muitas vezes ignorada: trata-se da capacidade de autocura
que todos nós somos detentores, em maior ou menor dimensão. Todos sabemos que quando
sofremos o golpe de um objecto cortante ou perfurante, o nosso corpo entra, de
imediato, em estado de alerta total, tendo um único foco: curar o dano sofrido.
Na maioria dos casos, tem sucesso; noutros, sai “derrotado”. Por outro lado, há pessoas, - que se dedicam à prática de
autoconhecimento e transformação interior - que desenvolvem essa capacidade de
cura. Mas há um aspecto importante a ter presente: não são essas pessoas que
curam o outro; o que conseguem, graças à sua poderosa energia psíquica, é
"despertar" a capacidade autocurativa e autorregenerativa do doente.
No fundo, e em qualquer circunstância, é o próprio doente que se cura a si
mesmo. Objectivamente, ninguém pode ser "curado" por outrem. O sucesso de muitos tratamentos médicos, a que nos submetemos,
deve-se mais à capacidade de autocura do nosso corpo do que propriamente aos
efeitos medicamentosos. Existe um fenómeno, conhecido
de toda a classe médica, chamado efeito placebo, que muito resumidamente se trata do
seguinte: um placebo (do latim placebo, que
significa "agradarei") é um fármaco, terapia ou
procedimento inerte, que apresenta, no entanto, efeitos terapêuticos
devido aos efeitos psicológicos da crença do paciente de que ele está
a ser tratado. Se explorássemos devidamente a nosso favor o imenso caudal da
nossa energia mental, pondo-a em prol do nosso bem, muito provavelmente,
seríamos todos muito mais felizes. LÚCIO MONTEIRO: “Foi então que, surpreendentemente, Anette
«soltou um grito lancinante e todos os pratos e travessas de loiça em cima da
mesa estalaram» “Anette parecia ter ganho
a força bruta de um adulto e o olhar sibilante de uma cobra” (padre
Gonçalo Portocarrero de Almada). Já que o cronista fala tanto em
ciência, embora a Igreja tenha alguma relutância em reconhecer os resultados da
pesquisa científica, o fenómeno da psicocinese - ("movimento mental"), telecinesia ("movimento à distância") ou psi-kappa - é objecto de estudo científico e
descreve o suposto fenómeno ou capacidade de uma pessoa movimentar, manipular,
abalar ou exercer força sobre um sistema físico sem interação física, apenas
usando a mente. Considerar a telecinesia como a manifestação do Belzebu representa
a manifestação da ignorância no seu apogeu. Muitos
pensam – erradamente – que o nosso psiquismo se resume ao estado consciente.
Simplesmente, a consciência é apenas a ponta do iceberg do nosso psiquismo.
Imersa nas profundezas da nossa realidade psíquica, reina uma outra
incomensurável fonte de energia, - o inconsciente - , capaz de materializar fenómenos inimagináveis,
entre os quais as tais manifestações de força física, entre muitos outros. Conta-se, a propósito, o caso de uma mulher que assistiu ao atropelamento do
próprio filho, que ficou preso sob o carro que o atropelou. Sem qualquer
hesitação, essa mãe desesperada ergueu o carro com os próprios braços,
possibilitando desse modo que o filho fosse salvo. Quando compreendermos um pouco melhor a
natureza do nosso inconsciente, muitas “explicações” que a Igreja costuma
“exibir” como sendo manifestações do diabo ou do “divino”, terão que ser “descartadas”,
como inúteis e obscurantistas. LÚCIO MONTEIRO. “Porém, o demónio existe. A sua presença e acção estão muito presentes
no Evangelho. Mas, como saber se os distúrbios dos alegadamente possessos não
são perturbações psíquicas?! A ciência não poderá, um dia, explicar
racionalmente os fenómenos paranormais que a Igreja atribui a causas
diabólicas?!” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). A própria Igreja, ciente de que
o exorcismo não cura os distúrbios psíquicos dos exorcizandos, praticamente já
não avaliza a sua prática. No entanto, alguns clérigos continuam a praticá-lo à
revelia da própria Igreja. Se os potenciais exorcizandos
fossem enviados a um especialista em doenças psíquicas, em alternativa a um
exorcista, os doentes psíquicos não seriam expostos a situações de autêntico
vexame e desnecessário sofrimento, pondo em risco da própria vida. O padre Portocarrero omitiu os muitos episódios documentados de
exorcizandos que acabam por cometer suicídio. Às vezes, ironicamente, são os
próprios exorcistas que acabam por sofrer os “efeitos colaterais” dessa prática
anacrónica. The Exorcist (O Exorcista) é
um filme norte-americano de 1973 do
gênero terror sobrenatural dirigido por William
Friedkin e escrito por William Peter Blatty, baseado no livro
homônimo de sua autoria. O filme aborda a possessão demoníaca de
uma garota (Regan MacNeil) de 12 anos. Nesse filme, ficou patente que a prática
do exorcismo pode virar-se contra aqueles que o executam. Jason Miller,
como Padre Damien Karras, e Max von Sydow como Padre Lankester
Merrin, que o digam. Linda Blair como Regan MacNeil, a principal
protagonista do filme, foi a única que acabou por sair “ilesa” de todo o
imbróglio em que a meteram. Alguns dirão que Regan foi “curada” pelo exorcismo. Como
“curada”, se os próprios “curadores” acabaram por morrer, durante a sua prática
? Joed
Souza: Curiosamente só
quem pede fé é o Salvador de Deus no relato do evangelho. É preciso crer nele
para obter a salvação. O diabo por sua vez, não pede nem exige fé. Não é
preciso crer nele. Mas quem já lidou com situações como a descrita neste artigo
sabe que há muito que a ciência não explica. Mas ai de quem coloca em causa o
deus da atualidade: a ciência e seus sacerdotes. Congratulo-me com o apelo do
autor em nos lembrar que a salvação universal não está garantida. O Deus da
Bíblia se revela a quem o busca e a sua salvação está acessível a quem entende
a sua necessidade. LÚCIO
MONTEIRO. “Por isso, hoje em dia, na pregação evita-se
qualquer referência ao diabo, ou à condenação eterna, na falsa suposição de que
a salvação universal está, à partida, garantida” (padre Gonçalo Portocarrero de
Almada). A pregação “passa ao lado” dessas supostas
verdades, porque a própria Igreja está ciente de que continuar a insistir em
disseminá-las teria efeito contraproducente, isto é, expô-la-ia ao ridículo e
descredibilizá-la-ia. Quando o lixo começa a ter o efeito poluente,
muitas donas de casa têm o hábito censurável de varrê-lo para debaixo do
tapete. No entretanto, ele (o lixo) continua lá. LÚCIO MONTEIRO:
“Com
o iluminismo, o racionalismo e o cientismo do século XIX, abandonou-se o que se
supôs ser uma crença pueril, como se o diabo não tivesse mais credibilidade do
que o lobo mau da história do capuchinho vermelho” (padre Gonçalo Portocarrero
de Almada). A afirmação supra resume, de forma magistral,
o anacronismo e a faceta pueril de certas crenças religiosas: autênticas
histórias do capuchinho vermelho. LÚCIO
MONTEIRO: “Hoje em dia, na Igreja, evita-se qualquer
referência ao diabo, ou à condenação eterna, na ingénua suposição de que a
salvação universal está, à partida, garantida” (padre Gonçalo Portocarrero de
Almada). A Igreja não só deixou de fazer
referência ao diabo, inferno, condenação eterna, como também raramente prega a
existência do paraíso. E sabe porquê? Porque
praticamente nenhum católico ainda acredita nessas supostas “verdades”. Acontece a mesma coisa quando a criança deixa de acreditar no Pai
Natal. E quando os adultos teimam em convencê-la disso, ela pura e simplesmente
se ri. E às vezes, às gargalhadas. Outrora, à simples menção do
inferno, os crentes tremiam de medo. Hoje, a mesma evocação só faz rir. Quem teima em disseminar histórias da carochinha, com a passagem
do tempo, acaba por ter desses “dissabores”. É o anacronismo em toda a sua
força.
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