segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Estranha crónica

 

Esta do Gonçalo Portocarrero de Almada, que, depois de sumariar a questão do mal através da cultura, parece aceitar a tese da existência do Diabo, servindo-se de uma estranha história de exorcismo em torno de uma jovem Anette possessa do demónio. Não sei se o P.G.P.A. quis apenas divertir-se ou provocar-nos a respeito desse tema do Mal, que, evidentemente, é obra, entre nós – e não só entre os seres racionais, a própria natureza encarregando-se de actuações tantas vezes endemoninhadas – mas o certo é que a sua crónica mereceu comentários de excelência – entre os quais os de LÚCIO MONTEIRO, que com muito prazer transcrevo. Como lição pertinente. E aprazível.


Anette, ou quando o diabo veste saias

Hoje em dia, na Igreja, evita-se qualquer referência ao diabo, ou à condenação eterna, na ingénua suposição de que a salvação universal está, à partida, garantida.

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA            OBSERVADOR, 05 fev 2022, 00:1991

C. S. Lewis teve uma ideia brilhante quando escreveu, em 1942, The Screwtape Letters, traduzido e publicado em português (Vorazmente teu, Ed. Grifo,1995) e que, na sua versão espanhola, recebeu um título sugestivo: Cartas do diabo ao seu sobrinho. Nesta imaginária correspondência, um velho demónio dá instruções a um diabinho ainda caloiro na arte da tentação. Um exemplo da sua imperícia verifica-se quando o principiante se alegra pela iminência de uma guerra, na expectativa da condenação de muitas pessoas. Seu tio, experimentado tentador, desengana-o dizendo que, quando os homens sabem que podem morrer, preparam-se para esse momento. Por isso, a estratégia do diabo é que não se fale da morte, nem do inferno ou da condenação. Alienadas as pessoas em relação ao seu último destino, maior é a probabilidade de que não alcancem a salvação.

A teologia medieval dissertou amplamente sobre a queda de Lúcifer e dos seus anjos. O perigo da condenação eterna era tema frequente na pregação religiosa, então mais centrada no temor a Deus do que no cristão amor filial ao Pai do Céu. Bosch pintou, com os requintes de uma prodigiosa técnica e de uma fantástica imaginação, os suplícios das almas condenadas. Mozart compôs um pungente Requiem, em que aos  acordes dramáticos que proferem a condenação eterna dos malditos, responde a aflitiva prece da alma piedosa. Dante, na sua Divina Comédia, descreveu os círculos infernais, por onde vagueiam os que já perderam toda a esperança. No Auto da Barca, de Gil Vicente, o transe desta vida para a eternidade está representado na embarcação que assegura a passagem deste mundo caduco para o que não tem fim. Também Shakespeare, no seu Henrique V, se questiona sobre a responsabilidade de um rei que proclama uma guerra que pode ser ocasião de perdição eterna para muitas almas.

Com o iluminismo, o racionalismo e o cientismo do século XIX, abandonou-se o que se supôs ser uma crença pueril, como se o diabo não tivesse mais credibilidade do que o lobo mau da história do capuchinho vermelho. Não foi só dos manuais de filosofia e das obras de arte que o maligno desapareceu, porque também na Igreja praticamente se deixou de falar do demónio. Por isso, hoje em dia, na pregação evita-se qualquer referência ao diabo, ou à condenação eterna, na falsa suposição de que a salvação universal está, à partida, garantida. Nas missas de corpo presente invariavelmente se ‘canoniza’ o defunto e, até entre algum clero católico, os exorcistas são vistos com desconfiança.

Porém, o demónio existe. A sua presença e acção estão muito presentes no Evangelho. Mas, como saber se os distúrbios dos alegadamente possessos não são perturbações psíquicas?! A ciência não poderá, um dia, explicar racionalmente os fenómenos paranormais que a Igreja atribui a causas diabólicas?!

A estas e outras perguntas responde O último exorcista de Lisboa, de Inês Leitão, da Editora Guerra e Paz, cuja primeira edição é de Março de 2020. A propósito da vida do Padre Gregório Verdonk, sacerdote holandês que viveu muitos anos em Portugal, com fama de santidade, conta-se a impressionante história de Anette.

Anette era uma menina holandesa de sete anos, a mais nova de quatro irmãos. Uma vez, ao fim do dia, recusou-se a terminar a refeição, tendo seus pais insistido para que comesse o que tinha no prato, pois ninguém se levantaria da mesa enquanto não acabasse o seu jantar e, todos juntos, rezassem uma breve oração de acção de graças, como sempre faziam. Foi então que, surpreendentemente, “soltou um grito lancinante e todos os pratos e travessas de loiça em cima da mesa estalaram”. Acto seguido, Anette fugiu para o seu quarto, onde se fechou desde então. Outros comportamentos anómalos foram depois registados: “as suas gargalhadas também eram perturbadoras, pareciam invadir a totalidade da casa, passavam paredes”; “ria da sua vizinha, como um homem de 40 anos”; “a língua que falava maioritariamente era latim, por vezes grego” e “deixara de interagir com os pais ou com os irmãos (…), comia pouco e, por vezes, com as mãos, quando surpreendia todos com um apetite voraz”. “Os pais não sabiam o que fazer e eram invadidos por um sentimento de culpa e de incapacidade. Deixaram de ter em casa uma filha pequena, passaram a ter qualquer outra pessoa, que desconheciam, dentro do corpo dela.”

Quando a medicina se confessou incapaz de resolver o problema de Anette, entrou em acção o Padre Gregório Verdonk, com quem ela, inexplicavelmente, “falava um latim perfeito”. Quando o sacerdote se referia ao Amor de Deus, “Anette punha as mãos nos ouvidos, ou mordia os dedos e gritava com toda a sua força, como (estando) fora de si. (…) Anette parecia ter ganho a força bruta de um adulto e o olhar sibilante de uma cobra.” Constata a autora que o “Pe. Verdonk olhara, pela primeira vez, a face do demónio, através daquilo que ele sempre considerara mais puro: uma criança.”

Graças a Deus, este primeiro exorcismo do Padre Gregório foi bem-sucedido e Anette voltou a ser “aquilo que o seu espírito nunca deixara de ser: uma menina pequena, de canudos loiros, que gostava de correr nos campos de Valkenburg, enquanto brincava com os irmãos mais velhos.” A cura espiritual não se ficou a dever apenas ao exorcismo, mas também à oração: “a família fora instruída a rezar junta: ao acordar, antes de dormir, a ir diariamente à Missa. Deveriam comungar (…) sem faltar ao ritual da confissão”, que “não poderia ser vã ou rápida, tinha de ser integral e detalhada” em relação às faltas graves, como se exige para que a absolvição seja válida. Talvez a ciência possa, um dia, explicar algumas das perturbações verificadas na Anette, ao tempo da sua possessão diabólica, como a sua desmedida força, a sua voz estranhamente grossa, a sua indiferença em relação aos seus pais e irmãos, os seus ímpetos de violência e raiva, a sua falta de apetite, alternada com períodos de uma animalesca voracidade. Mas, decerto, não há ciência que explique que uma criança de sete anos, que nunca aprendeu ou, sequer, ouviu falar em grego ou latim, seja capaz de se expressar, de uma forma fluente e teologicamente coerente, nestas línguas mortas. Pode-se, portanto, dizer que, de certo modo, é a própria ciência que prova a existência do mal.

Paradoxalmente, os que negam a realidade do demónio, provam a sua existência. Nele crêem todos os que acreditam em Jesus, que disse que Satanás “foi homicida desde o princípio, e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando ele diz a mentira, fala do que é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44). Não é uma figura do passado, mas presente: “a verdade não está nele”, “diz a mentira (…) porque é mentiroso”. Como negar a sua existência e acção é, obviamente, uma mentira, que melhor prova de que os que nele não crêem são, precisamente, seus súbditos?!

RELIGIÃO   SOCIEDADE   CIÊNCIA

COMENTÁRIOS:

LÚCIO MONTEIRO: Ironias das ironias! Provar a “existência” do diabo é muito mais importante para a sobrevivência da Igreja Católica do que a sua inexistência. Como assim? Muito simples. Já que é materialmente impossível provar a “existência” de Deus, se se provar a “existência” do diabo, instala-se a dúvida na mente dos mais cépticos: “Se o diabo “existe”, então é provável que Deus também "exista". Mas esta artimanha bimilenar da Igreja Católica requer a invenção de uma matreirice, de que só ela é capaz, isto é, para que o argumento da “existência” do diabo funcione é imprescindível uma contínua campanha "publicitária", no sentido de manter viva a crença no diabo. É que existe um problema quando um crente deixa de acreditar na existência do diabo. E qual é esse problema? Deixa, "ipso facto", de acreditar em Deus. É e este o grande pavor que atormenta a Igreja Católica, desde os primórdios da sua fundação: que os católicos percam a fé em Deus. Quando isso acontecer – e vai acontecer, necessariamente – finalmente, os ex-crentes deixam de acreditar em fantasias sobrenaturais e passam a assumir a sua verdadeira natureza de ser humano.            David Pinheiro: Desde que inventaram os smartphones com câmara, algumas Full HD, as novas até são 4K, estes milagres desapareceram... como por magia... deixaram de acontecer... Atrevo-me a dizer que o smartphone é o diabo!          filipe mendes homem mendes: Um Poucochinho que seja...é uma semente para  outras grandes coisas....mais macias. Quanto menos se coçar um "prurido", menos ele nos devia a atenção. Mas se tomarmos o prurido como igual a dor de dente, certamente acabaremos por expurgar Dentes sadios antes mesmo que nos causem alguma Dor, e nisso mais valeria arrancar todos os dentes da BOCA, e colocar naquele lugar uma Prótese "artificial capaz de mastigar qualquer Resultado Eleitoral que a democracia laica possa gerar.           António Soares >josé maria: Ou inscreve-se no PS, antes de rondar a Casa Pia.             josé maria > António Soares: Está a referir-se a quem?             filipe mendes homem mendes: A Sagrada Nora e o Poço de Jacob.  A Nora de Jacob é a samaritana do Fado eterno, a Eva que retira do Poço a água do Entendimento, a beleza que Deus nunca viu ao Destruir a sua Obra com Dilúvio "à la carte"! Contudo o Sumo Sacerdote...apresenta-se como Noiva Virgem perante os noivos que crêem na Igreja Pura e Virgem, a tal que tendo já tido sete maridos e pecado, sempre é Noiva de Salomão, a mãe de Manelik  que do Egipto apareceu à tribo de Judas e em Belém. Mais teria casamento eterno a troco de alguma servidão da água da "levada" de Samaria, onde as mulheres tinham Lugar no Concelho das Tribos de Israel...desde longa data e Entendimento...caso outras Negras vestes talibânicas vestisse! Teve aquela mulher Maridos como qualquer Rei teve mulheres, e ali, até Jesus ia morrendo de sede junto ao Poço de Jacob e perante as mulheres daquela Tribo que afinal aguaram com a água daquele Poço Antigo. O Beija flor tem seu vício natural do qual não consegue fugir, e assim é o Padre que faz voto de Celibato, que tem Hormonas, das quais também não foge nunca assim que vê uma Flor! O Mundo como está...de humana Coisa tem pouco! O Bob construtor precisa e necessita de alguma Destruição... pela qual e depois possa reconstruir o Pós Dilúvio Divino...de Raiz, uma Paz a seguir a Guerra, uma Vaca Gorda a seguir a uma vaca Magra e renegada como se tivesse sido o Bezerro de ouro que no Deserto "mosaico" todo o Povo depois... de Moisés, e do êxodo e o rejeitava em Babel...por já serem muitos os da República laica que entretanto o Povo houvera criado em largos anos no Deserto... com esforço de sangue e avós contra Ancien Regime...apresentando uma Nova Ordem e um Estado Novo e "Laico". Parece que quem combateu por uma república laica...de nada vale perante quem combateu por idêntico Estado laico! Ventura vai à Missa do Presidente Marcelo e de repente frequentar a missa dá credibilidade aos políticos da república laica portuguesa. Afinal, talvez só a Cadela que foi à Lua fosse "Laica" e pretendesse um Novo Mundo mais Universal...sem papas de tipo cão Dálmata.             josé maria: Se o diabo existisse, há padres pedófilos e de sotaina, que poderiam ser a sua incarnação. Mas como o Inferno já não existe, disse-o João Paulo II e também o papa Francisco, deve ser impossível a existência  do diabo das fornalhas e a visão infernal dos pastorinhos. O diabo foi enviado para o limbo satânico e o inferno do fogo perpétuo já foi papalmente desacreditado. Os dogmas da Igreja Católica, esses, estão em fase de revisionismo teológico e a ortodoxia católica anda a levar tratos de polé. Os protestantes andam a tomar conta dessa Igreja, já não há católicos puros e duros como no tempo da Santa Inquisição.             João Pimenta > josé maria: Explique-me lá essa dos Papas terem enviado o diabo "para o limbo satânico". Inventou da sua cabeça? Ou então comete a lamentável confusão entre a imagem medieval do inferno, meramente ilustrativa, e a existência do diabo ou do Mal, que nunca Papa algum desdisse, nem o poderia fazer. Aliás Francisco já se referiu muito seriamente a exorcismo             Madalena Magalhaes Colaço: Faltou referir as consequências que teve na igreja o Concilio do Vaticano II. Deixou-se de falar em diabo, as missas em latim abolidas e o padre em lugar de estar virado para o tabernáculo passou a olhar de frente para os fiéis. Os cantos gregorianas proibidos e entrou a música folclórica para dificultar a oração dos fiéis. O papa Ratzinger chegou mesmo a dizer que as missas passaram a ser um "one man's show" onde toda a espiritualidade foi abolida. Felizmente que o Covid teve algo de positivo, pois hoje nas missas acabaram-se com essas cantorias abraços e beijos, agora os fieis podem orar em silêncio.           Paulo Neves: Eh! E eu que pensava que Jesus tinha morrido para nos salvar a todos. Que as portas do inferno de dante até estavam abertas desde que Jesus morreu na cruz. Que o próprio Satanás podia a qualquer momento parar de bater as asas e acabar o seu tormento. Que todos os que estavam no inferno de Dante não estavam lá por terem sido condenados mas porque não reconheciam a salvação. Muito diferente da narrativa desta crónica, que pega numa interpretação mitológica típica do escolasticismo e toma a como literal ou canónica. O escolasticismo foi um produto do seu tempo e a primeira forma de ciência, mas não é de todo um modelo de conhecimento da verdade credível. Como cristão desgosto muito da ideia de condenação já que a mensagem de Jesus é de salvação. De um católico parece que o padre ficou pelo Deus do primeiro testamento.          Winter Is Here: Existe. Está em todo o lado. Estamos tão familiarizados com ele que passa por normalidade. Quando o topamos -adivinhem onde - podemos dar pela presença regular do dito cujo nas vontades, nas inclinações, nos hábitos. Estou com santo Agostinho que disse qualquer coisa assim: "indaguei sobre a natureza do maligno e encontrei que não fosse uma substância mas antes uma perversão da vontade."              R C > Winter Is Here: Exacto! Penso que a frase de Santo Agostinho é uma óptima escolha: o maligno não pode ter substância, pois, se tivesse, só poderia ter sido criado por Deus. Por isso, é uma ausência de Deus, que pode ser, então, uma decisão de não cooperar com Deus, de se ausentar de Deus. Daí a sua primeira frase: não obedecerei. E, sim, passa por normalidade, em muitos comportamentos automáticos ou condicionados que podemos ter (por serem emocionalmente mais fáceis), em "verdades" ou lugares comuns que assumimos a priori sem questionar. E isso acontece quanto mais Deus estiver ausente da nossa vida e da vida em sociedade, o que hoje é um facto incontornável. Penso que as características da sociedade actual tornam o caminho espiritual de cada um ainda mais difícil. Mas, por outro lado, isso deve recordar-nos de porque Cristo nos mostrou que segui-Lo é um desafio. Entretanto, acho curioso como esta ausência de Deus aparece de forma sintomática em várias formas de moralismo excessivo, que, hoje em dia, vão desde obsessões com hábitos de reciclagem, paranóias com vias para bicicletas, já para não falar do moralismo progressista que visa criar uma culpa na pessoa comum que, para seu grande infortúnio, não pertence a uma minoria étnica, sexual, etc..           Winter Is Here > R C: Quando o topei - o que foi Graça, dentro de um silêncio que julguei impossível - foi em mim mesmo. Essa é a nossa única responsabilidade: o bom combate. Dentro de nós, por nós mesmos. Não combatemos carne e sangue, que são irmãos e filhos de Deus, mas potestades e principados. Não temos outra responsabilidade senão essa. Quando nos metemos a querer exorcizar os outros creio que acabamos apenas a projectar neles os que queremos reprimir e evitar em nós. É uma grave tentação. É um combate para a vida, com avanços e recuos, pequenas vitórias e grandes derrotas, todavia, com a certeza de que avançamos na direcção certa. Quando me oponho a uma acção maligna externa, quando não me acobardo, tenho presente que o agente físico é um roberto. É a força que o anima que combato pelo que tento ter presente a necessidade imperiosa de determinar o ponto em que me devo refrear sob pena da força ter agido apenas com o propósito de diatribe para depois se fazer mover em mim. Isto para dizer que muitos dos fenómenos culturais que me parecem demoníacos, claramente demoníacos, podem não ter outro propósito senão o de suscitar uma reacção contrária que, sem auto-limitação, pode ser o inferno na terra. Porque a provocação é medonha! Parece-me que o Sr. Padre Gonçalo deixa-se enrolar muitas vezes na diatribe. Não mantêm o devido distanciamento.               LÚCIO MONTEIRO. Todo o arrazoado do texto de hoje deste cronista entronca num problema que tem sido um autêntico barbicacho, para a Igreja Católica, e não só, desde a sua fundação. Trata-se da questão da origem bem e do mal. Ora, a Igreja admite como principal premissa – e verdade dogmática - para este imbróglio que Deus é a origem do bem. É até tido como o bem absoluto. É sabido que as religiões, sobretudo as monoteístas, – o judaísmo, o cristianismo e o islamismo - para “explicarem” algo aparentemente inexplicável, desatam logo a “criar”. Neste caso, para explicarem a origem do bem, “criaram” um deus: Iavé, Javé ou Jeová, para o judaísmo; Deus, para o cristianismo e Alá, para o islamismo.

A magna questão da origem do bem foi “resolvida”. Pelo menos, para essas religiões. Da forma bastante simplista, convenhamos. Com a questão seguinte é que a porca torce o rabo. “E qual a origem última do mal?Pela lógica, assim como Deus é a origem do bem, também deveria ser ele o responsável pela origem do mal. Mas como bem supremo, Ele nunca, jamais poderia ser a origem do mal. E desse modo, havia que encontrar um "responsável". Para responder a esta questão, ao longo dos últimos dois mil anos, ou até antes disso, de cada vez que os teólogos se reuniam para a discutir, havia sempre um odor a "chamuscado" nas redondezas, tudo por causa do esforço mental exigido aos respetivos neurónios, que entravam em “curto-circuito”. Depois de tanto pensarem, de tanto reflectirem, de tanto discutirem…Eureka! Ou, se preferirem, ”Bingo!” Afinal, a questão tinha uma solução bem “simples”: se para responder à questão da origem do bem, os teólogos “criaram” um deus, de igual modo, para resolver à questão da origem do mal, custa alguma coisa “criar” mais um "responsável"? E, dessa vez, à nova “criatura” foi dado um nome bem-sonante e conhecido: o DIABO. Também conhecido por demónio, anjo mau, espírito ou génio do mal, Lúcifer, Belzebu, maldito, carocho, demonete, diabrete, dialho, espírito-mau, mafarrico, manfarrico, maligno, porco-sujo, Satanás, Satã, etc. De acordo com Dicionário Houaiss, no Brasil, o Belzebu também é conhecido pelas seguintes designações: traquinas, zarapelho, cão-tinhoso, arrenegado, azucrim, barzabu, beiçudo, bicho-preto, bode-preto, bute, cafuçu, capa-verde, capeta, carocho, chavelhudo, coisa-má, coisa-ruim, condenado, coxo, cramulhano, cujo, debo, decho, demo, demonho, diacho, excomungado, farrapeiro, grão-tinhoso, macacão, lá-de-baixo, mico, mofento, mofino, moleque-de-surrão, nico, pé-cascudo, pé-de-cabra, não-sei-que-diga, nem-sei-que-diga, pé-de-gancho, pé-de-pato, pé-de-peia, pêro-botelho, porco, provinco, que-diga, rabão, rabudo, rapaz, romãozinho, sapucaio, sarnento, serpente, sujo, taneco, temba, tentação, tentador, tição, tisnado, zarapelho, etc. Como se vê, há nomes para todos os gostos e crenças. Resumindo e conclusão: Enquanto a ciência, perante uma incógnita, reconhece, humildemente, que, actualmente, ignora a explicação, mas que lentamente, o processo de investigação, que pode demorar anos, séculos, acabará por encontrar uma. Já a Igreja Católica e as religiões monoteístas em geral baseiam-se sobretudo na Bíblia. Mesmo que contenha o maior dos disparates, o que lá está é “sagrado” e “infalível”. Mas voltando à questão inicial, da origem do bem e do mal: nem o conceito de Deus, nem o do diabo, ambos inventados pelas religiões, respondem-na de forma séria, consistente e honesta.            Maria Grilo: Não sei se há “demónios”, se há seres bons e maus em outras dimensões, como os há neste mundo. Mas o que não posso acreditar é que um criador ou energia divina que tenha dado vida terrena às suas criaturas, possa, ao fim de uma única vida (por vezes cheia de dificuldades ou de más influências) dar a essas criaturas um castigo eterno (condenação eterna). Acho que nem o pior ser humano o faria, quanto mais um Deus, que é suposto amar as suas criaturas. Ao menos os budistas e hindus crêem em muitas vidas (reencarnações) que permitiriam aos seres humanos aperfeiçoarem-se e vencerem os obstáculos da vida. Para essas crenças, o “inferno” pode estar mais neste mundo, mas nunca é eterno. E as crenças ocidentais e do médio oriente – judaísmo, cristianismo, islamismo – não deram provas de mais sabedoria ou influência divina que as orientais ou outras, mesmo que essas outras tenham também muito de imaginação humana ou mesmo de necessidade de dominar (tal como as que nos são mais próximas).           LÚCIO MONTEIRO:Mas, decerto, não há ciência que explique que uma criança de sete anos, que nunca aprendeu ou, sequer, ouviu falar em grego ou latim, seja capaz de se expressar, de uma forma fluente e teologicamente coerente, nestas línguas mortas” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). O fenómeno da xenoglossia -  (do grego xen(o) = estranho, estrangeiro + gloss(o) = língua) consiste no falar, de forma espontânea, em língua ou línguas, que não foram previamente aprendidas - não tem nada de "outro mundo". Pessoas como o padre Portocarrero dariam mostras de serem um pouco mais inteligentes e seriam mais úteis à sociedade, se se esforçassem um pouco mais em encontrar explicações para fenómenos humanos, aqui na Terra, e não nos “confins” da transcendência. Há episódios documentados segundo os quais pessoas em estado alterado de consciência conseguem “ler” o que está na consciência de outras pessoas. De uma forma muito simplista – já que se trata de um fenómeno complexo – alguém em estado alterado de consciência ganha capacidade de “invadir” a mente de algum circunstante – que tenha conhecimentos de latim, alemão, ou qualquer língua estrangeira – e “exibir” tais conhecimentos. Em determinadas circunstâncias, a realidade espaço / tempo não constitui obstáculo para o nosso inconsciente. Mas só quando se encontra em estado “alterado”. Quem já teve sonhos de “voo” certamente sabe do que se trata.             LÚCIO MONTEIRO: A cura espiritual ( de Anette) não se ficou a dever apenas ao exorcismo, mas também à oração“ (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). Atribuir ao exorcismo e à oração a cura de um qualquer distúrbio psíquico é uma tentativa de explicação claramente desfocada. Mas existe uma outra extraordinária realidade psíquica, muitas vezes ignorada: trata-se da capacidade de autocura que todos nós somos detentores, em maior ou menor dimensão. Todos sabemos que quando sofremos o golpe de um objecto cortante ou perfurante, o nosso corpo entra, de imediato, em estado de alerta total, tendo um único foco: curar o dano sofrido. Na maioria dos casos, tem sucesso; noutros, sai “derrotado”. Por outro lado, há pessoas, - que se dedicam à prática de autoconhecimento e transformação interior - que desenvolvem essa capacidade de cura. Mas há um aspecto importante a ter presente: não são essas pessoas que curam o outro; o que conseguem, graças à sua poderosa energia psíquica, é "despertar" a capacidade autocurativa e autorregenerativa do doente. No fundo, e em qualquer circunstância, é o próprio doente que se cura a si mesmo. Objectivamente, ninguém pode ser "curado" por outrem. O sucesso de muitos tratamentos médicos, a que nos submetemos, deve-se mais à capacidade de autocura do nosso corpo do que propriamente aos efeitos medicamentosos. Existe um fenómeno, conhecido de toda a classe médica, chamado efeito placebo, que muito resumidamente se trata do seguinte: um placebo (do latim placebo, que significa "agradarei") é um fármaco, terapia ou procedimento inerte, que apresenta, no entanto, efeitos terapêuticos devido aos efeitos psicológicos da crença do paciente de que ele está a ser tratado. Se explorássemos devidamente a nosso favor o imenso caudal da nossa energia mental, pondo-a em prol do nosso bem, muito provavelmente, seríamos todos muito mais felizes.            LÚCIO MONTEIRO:  Foi então que, surpreendentemente, Anette «soltou um grito lancinante e todos os pratos e travessas de loiça em cima da mesa estalaram» Anette parecia ter ganho a força bruta de um adulto e o olhar sibilante de uma cobra” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada).  Já que o cronista fala tanto em ciência, embora a Igreja tenha alguma relutância em reconhecer os resultados da pesquisa científica, o fenómeno da psicocinese -  ("movimento mental"), telecinesia ("movimento à distância") ou psi-kappa - é objecto de estudo científico e descreve o suposto fenómeno ou capacidade de uma pessoa movimentar, manipular, abalar ou exercer força sobre um sistema físico sem interação física, apenas usando a mente. Considerar a telecinesia como a manifestação do Belzebu representa a manifestação da ignorância no seu apogeu. Muitos pensam – erradamente – que o nosso psiquismo se resume ao estado consciente. Simplesmente, a consciência é apenas a ponta do iceberg do nosso psiquismo. Imersa nas profundezas da nossa realidade psíquica, reina uma outra incomensurável fonte de energia, - o inconsciente - , capaz de materializar fenómenos inimagináveis, entre os quais as tais manifestações de força física, entre muitos outros. Conta-se, a propósito, o caso de uma mulher que assistiu ao atropelamento do próprio filho, que ficou preso sob o carro que o atropelou. Sem qualquer hesitação, essa mãe desesperada ergueu o carro com os próprios braços, possibilitando desse modo que o filho fosse salvo. Quando compreendermos um pouco melhor a natureza do nosso inconsciente, muitas “explicações” que a Igreja costuma “exibir” como sendo manifestações do diabo ou do “divino”, terão que ser “descartadas”, como inúteis e obscurantistas.                LÚCIO MONTEIRO.  “Porém, o demónio existe. A sua presença e acção estão muito presentes no Evangelho. Mas, como saber se os distúrbios dos alegadamente possessos não são perturbações psíquicas?! A ciência não poderá, um dia, explicar racionalmente os fenómenos paranormais que a Igreja atribui a causas diabólicas?!” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). A própria Igreja, ciente de que o exorcismo não cura os distúrbios psíquicos dos exorcizandos, praticamente já não avaliza a sua prática. No entanto, alguns clérigos continuam a praticá-lo à revelia da própria Igreja. Se os potenciais exorcizandos fossem enviados a um especialista em doenças psíquicas, em alternativa a um exorcista, os doentes psíquicos não seriam expostos a situações de autêntico vexame e desnecessário sofrimento, pondo em risco da própria vida. O padre Portocarrero omitiu os muitos episódios documentados de exorcizandos que acabam por cometer suicídio. Às vezes, ironicamente, são os próprios exorcistas que acabam por sofrer os “efeitos colaterais” dessa prática anacrónica.   The Exorcist (O Exorcista) é um filme norte-americano de 1973 do gênero terror sobrenatural dirigido por William Friedkin e escrito por William Peter Blatty, baseado no livro homônimo de sua autoria. O filme aborda a possessão demoníaca de uma garota (Regan MacNeil) de 12 anos. Nesse filme, ficou patente que a prática do exorcismo pode virar-se contra aqueles que o executam. Jason Miller,  como Padre Damien Karras, e Max von Sydow como Padre Lankester Merrin, que o digam. Linda Blair como Regan MacNeil, a principal protagonista do filme, foi a única que acabou por sair “ilesa” de todo o imbróglio em que a meteram.  Alguns dirão que Regan foi “curada” pelo exorcismo. Como “curada”, se os próprios “curadores” acabaram por morrer, durante a sua prática ?          Joed Souza: Curiosamente só quem pede fé é o Salvador de Deus no relato do evangelho. É preciso crer nele para obter a salvação. O diabo por sua vez, não pede nem exige fé. Não é preciso crer nele. Mas quem já lidou com situações como a descrita neste artigo sabe que há muito que a ciência não explica. Mas ai de quem coloca em causa o deus da atualidade: a ciência e seus sacerdotes. Congratulo-me com o apelo do autor em nos lembrar que a salvação universal não está garantida. O Deus da Bíblia se revela a quem o busca e a sua salvação está acessível a quem entende a sua necessidade.             LÚCIO MONTEIRO.  “Por isso, hoje em dia, na pregação evita-se qualquer referência ao diabo, ou à condenação eterna, na falsa suposição de que a salvação universal está, à partida, garantida” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). A pregação “passa ao lado” dessas supostas verdades, porque a própria Igreja está ciente de que continuar a insistir em disseminá-las teria efeito contraproducente, isto é, expô-la-ia ao ridículo e descredibilizá-la-ia. Quando o lixo começa a ter o efeito poluente, muitas donas de casa têm o hábito censurável de varrê-lo para debaixo do tapete. No entretanto, ele (o lixo) continua lá.            LÚCIO MONTEIRO:  Com o iluminismo, o racionalismo e o cientismo do século XIX, abandonou-se o que se supôs ser uma crença pueril, como se o diabo não tivesse mais credibilidade do que o lobo mau da história do capuchinho vermelho” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). A afirmação supra resume, de forma magistral, o anacronismo e a faceta pueril de certas crenças religiosas: autênticas histórias do capuchinho vermelho.          LÚCIO MONTEIRO:  “Hoje em dia, na Igreja, evita-se qualquer referência ao diabo, ou à condenação eterna, na ingénua suposição de que a salvação universal está, à partida, garantida” (padre Gonçalo Portocarrero de Almada). A Igreja não só deixou de fazer referência ao diabo, inferno, condenação eterna, como também raramente prega a existência do paraíso. E sabe porquê? Porque praticamente nenhum católico ainda acredita nessas supostas “verdades”. Acontece a mesma coisa quando a criança deixa de acreditar no Pai Natal. E quando os adultos teimam em convencê-la disso, ela pura e simplesmente se ri. E às vezes, às gargalhadas. Outrora, à simples menção do inferno, os crentes tremiam de medo. Hoje, a mesma evocação só faz rir. Quem teima em disseminar histórias da carochinha, com a passagem do tempo, acaba por ter desses “dissabores”. É o anacronismo em toda a sua força.

 

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