segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A tonelagem

 

Do ouro ou da inércia conservadora – a par do dinamismo da imperícia, na doce paz da ignorância com que se foi apanhado na surpresa de uma revolução traiçoeira – lá no sul, ontem, como cá hoje, esta em povos do nordeste europeu, que isto de traição se faz sem nos darmos conta, num repente inesperado, ontem como hoje, sejam os povos mais letrados – caso dos da traição de hoje, a nós alheia  – ou menos letrados, como os da traição de ontem, toda nossa. O mesmo traço comum, é o da idêntica fonte motriz, na sua origem, sem tanto dispêndio, por cá, contudo, de forças opositoras a demonstrar coragem e amor pátrio, como é o caso dos povos de hoje, de um heroísmo de admirável calibre, bem diverso do nosso, desprovido de ideal, embora acolhedor dos compatriotas chutados daquele tal espaço que julgavam seu, que Henrique Salles da Fonseca escolhera para se fixar, também crente na sua continuidade…

REFLEXÃO COLONIAL - 4

O peso do almirantado

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 27.02.22

O espírito desenvolvimentista que se vivia em Moçambique durante a minha comissão de serviço militar fez com que, uma vez passado à disponibilidade em Lisboa, me metesse num avião de regresso à Lourenço Marques (hoje, Maputo), já como civil.

E foi lá do fundo do mapa do Império que vi como a «evolução» do Professor Marcelo Caetano ia sendo torpedeada pela «continuidade» do Almirante Américo Tomás e seus apoiantes, o «Almirantado».

Numa primeira observação, levei a crédito as já referidas 800 toneladas de oiro e a débito uma tonelagem de inércia ultra conservadora que não consegui quantificar.

Mas – e lá vem o tal «mas» que nos baralha os parâmetros - em 1972 o oiro foi (internacionalmente) desmonetarizado, ou seja, deixou de servir para saldar contas entre Bancos Centrais passando a ser um activo em mercado livre (privado) controlado por relativamente poucos «especialistas» que não brincam em serviço. Quer isto dizer que ao primeiro sinal de que um banco pretende comprar oiro, a cotação sobe à estratosfera e ao primeiro sinal de que um banco quer vender oiro, a cotação desce às profundezas infernais. Daqui resultou que as tais reservas de oiro serviam para muito menos do que poderíamos imaginar e menos ainda do que poderíamos desejar. Portanto, mais valendo tê-lo do que não tê-lo, havia que encontrar soluções de viabilização do modelo económico sem chegarmos a insolvências e, se tal acontecesse mais uma vez, não contássemos com essa «pesada herança» amarela[1].

E se com o oiro as habilidades não seriam muitas, com o «deadweight» do Almirantado, a inércia faria esticar o reboque e a deriva passar a desnorte. Contudo e apesar do «deadweight» do Almirantado, Portugal conseguiu durante o consulado marcelista alcançar taxas de crescimento raras na nossa história económica e que deixariam saudades.

Entretanto, não tive a confirmação da notícia que então circulou de que o Professor Marcelo Caetano, já então Presidente do Conselho, tinha estado confinado durante uma semana no Palácio de Queluz às «ordens» de Américo Tomás[2].

A ideia da evolução controlada das colónias para uma autonomia progressiva e uma futura independência cordata com a Metrópole acabou por ser um fiasco depois dos entorces impostos pelo Almirantado e foi já em clima de pré-ruptura com o «Estado Novo» que o General Spínola, se montou na ideia do Professor Marcelo Caetano publicou esse sucesso editorial que foi «Portugal e o futuro».

A partir daqui, o «caldo entornou-se» cada vez mais e foi só esperar pelo golpe comunista em 25 de Abril de 1974.

Passadas as colónias portuguesas para o domínio soviético, cesso aqui este enquadramento e passo-me para uma reflexão pós-colonial.

Fevereiro de 2022

 [1] - Um agradecimento especial ao meu colega António Palhinha Machado pela memorização deste ponto

[2] O Professor António Alves Caetano apenas me confirmou que o seu irmão gostava muito de trabalhar no Palácio de Queluz

Tags: história

COMENTÁRIOS

 Anónimo  27.02.2022:  Concordo com tudo menos com o golpe comunista do 25 de Abril. A esquerda foi tomando conta do poder porque a direita não foi capaz de se organizar a tempo. Direi melhor que o centro não se soube organizar a tempo. Mas é assunto que merece mais conversa presencial porque escrever no telemóvel é complicado. Abraço José Diogo Themudo

 Adriano Miranda Lima  27.02.2022: Estou com o anterior comentador, quando concorda com tudo menos com o classificar de golpe comunista o que foi desencadeado em 25 de Abril. Embora o partido comunista tenha tentado apoderar-se do golpe, com muitas vicissitudes e sobressaltos de permeio, sua autoria só pode ser creditada aos militares. Se entre estes sugiram alguns que desgraçadamente se deixaram manipular ingenuamente, isto é outra coisa. E no que respeita às colónias, curiosamente estou de acordo com Salazar quando denuncia que a descolonização dos territórios africanos foi precipitada e atabalhoada e obedeceu apenas aos interesses geopolíticos da Rússia. Repare-se que privar os países europeus dos recursos provenientes das suas colónias significou enfraquecer o poder económico e político daqueles, que era o objectivo estratégico da Rússia. Em todo o processo Moscovo agiu simplesmente em função dos seus interesses, jamais inspirado por ideais libertários e humanitários, até porque a sua própria política interna se traduzia em perfeita negação desses ideais, Não me esqueço desta curiosa afirmação do Samora Machel a seguir à independência de Moçambique: "os portugueses ao menos nos tratavam como pretos, enquanto os russos como macacos".

Henrique Salles da Fonseca  28.02.2022  10:12: Não foi um golpe comunista!!! E isto digo-te eu, que o fiz no Terreiro do Paço e entrei no seu planeamento. Os comunistas , únicos que estavam organizados, rapidamente tomaram conta do processo, porque muito embora estivessem na sombra, tinham os seus pontas metidos no Movimento. Disso não há a mínima dúvida. Mas o 25 de Abril em si, NÃO FOI um golpe comunista. Podes ter a certeza. E isto digo-te eu, que até estive preso em Caxias depois do 11 de Março de 75. Grande abraços A. José Henriques


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