sábado, 26 de fevereiro de 2022

«Tenho dito»


Um texto de definições impecáveis, não transcrevo os 172 comentários que, certamente, na sua maioria. não poupam AG com as patacoadas mal alinhavadas do costume, tantas vezes inundadas dos costumeiros solecismos. A primeira pessoa do título reporta-se, é claro, a Alberto Gonçalves, que o disse com a mestria de sempre. Em elegância e clareza de pensamento.

Mas sempre coloco dois comentários comprovativos de que o pudor – e a educação - ainda existem por cá, comprovativos de que há por aqui quem reconheça a hediondez humana subjacente à monstruosidade do que estamos a viver – (nós, por enquanto, à distância ,,,) e o demonstre na coragem do seu louvor a Alberto Gonçalves.

«Pedromi: Obrigado por me proporcionar mais um momento de lucidez jornalística, tão em desuso nos dias que correm.»

«Pedro Campos: Parabéns pela coragem de dizer verdades nuas e cruas sobre o PCP e o BE que infelizmente na comunicação social portuguesa é algo raro!»

Falta um cordão sanitário em redor de PCP e BE

Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE.

ALBERTO GONÇALVES. Colunista do Observador

OBSERVADOR, 26 fev 2022

As juventudes partidárias do PS e do PSD organizaram para amanhã uma manifestação em prol da Ucrânia à porta da embaixada russa. Convidaram os restantes partidos. Menos um. O Chega não vai porque não está na lista. O BE e o PCP não vão porque não querem.

Este minúsculo episódio resume na perfeição o ar que se respira na política nacional. A fim de condenar a agressão a uma democracia europeia, a ortodoxia vigente, ou aquilo que aqui se convencionou chamar “centro”, excluiu um partido que meio aos solavancos condena a agressão e incluiu dois partidos que, assumida ou disfarçadamente, a apoiam. É notável que, independentemente dos interesses e estratégias de cada um, o primitivismo comunista continue a merecer o respeito “institucional” que, por boas ou más razões, não se estende a uma “extrema-direita” errática.

O PCP, valha a verdade, não disfarça. Dias antes da invasão, o futuro ex-deputado António Filipe, cuja ausência da próxima legislatura suscitou lamentos pungentes à direita, escreveu no Twitter: “Biden decidiu que a Rússia tem de invadir a Ucrânia quer queira quer não queira. Se não invadir a bem terá de invadir a mal.” Entretanto, os camaradas do dr. Filipe produziram diversos argumentos, oficiais e oficiosos, para demonstrar que a Rússia, por instigação dos EUA e da NATO, é a solitária vítima desta história. A única crítica a Putin veio de Jerónimo de Sousa, que o acusou de “capitalismo” e de “atacar a União Soviética” [sic]. É possível que o chefe do PCP ainda habite em 1989. Ou em 1917.

O Bloco de Esquerda, que também celebra 1917 e também não celebra 1989, optou pela habitual dissimulação no que toca à Ucrânia, que com cinismo exige “neutral”. A canalhice é típica e só convence perturbados: na semana passada, o BE citava Putin para explicar que o governo ucraniano resultara de um golpe da “extrema-direita”; anteontem, a fim de simular “solidariedade”, o BE desatou a explicar que Putin é que é de “extrema-direita”. Em gente comum, tamanho contorcionismo provocaria hérnias danadas. Os sacristões do BE não são gente comum. Por flagrante hipocrisia, o BE condena a invasão. Por convicção, tempera a condenação com as inevitáveis referências aos EUA e à NATO, que, à semelhança do que acontece com o PCP, representam tudo o que o BE abomina.

À semelhança do PCP, o BE abomina o Ocidente e os regimes democráticos em que o Ocidente se estrutura. Isto não significa que as nossas democracias não tenham defeitos. Têm imensos, nalguns casos a ponto de já nem se parecerem muito com democracias. A diferença é que um democrata gostaria de democracias melhores, mais sólidas, mais abertas, mais justas. E os comunistas do PCP e do BE querem acabar com elas.

É infantil discutir se Putin, antigo agente do KGB, é ou não é comunista. A simpatia, franca ou mastigada, de PCP e BE pelas acções do homem não advém daí. Conforme sucede com os aplausos que chegam a Moscovo por exemplo da Venezuela, de Cuba e do PT brasileiro (e, mediante silêncio, do sr. Bolsonaro: o Brasil é um país felizardo), PCP e BE apreciam o que quer que ameace o modo de vida ocidental. E a culpa da Ucrânia passa por ter erguido o modo de vida ocidental a uma referência a seguir. Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE. Quem acha a hipótese caricatural que recorde a escolha de Cunhal na guerra das Falkland, que opôs o Reino Unido aos fascistas argentinos. Onde há liberdade, os comunistas de todos os sabores são contra. E isso vale tanto para a liberdade na Ucrânia como para a liberdade em Portugal, que corroem regularmente há décadas.

A propósito das polémicas em volta do Chega, ouvi não sei quantos idiotas inúteis garantirem que, ao invés daquele partido, PCP e BE pertencem ao “quadro democrático”. Aí é que está: não pertencem. A violência que defendem ou relativizam na Ucrânia é evidentemente a mesma que defenderiam ou relativizariam em Portugal. Embora a cobardia e a traição dos EUA e da NATO no conflito em questão se denunciem sozinhas (da UE nem falo), são apesar disso as forças que militarmente nos resguardam, esperamos, do caos no mundo. Hoje e sempre, o PCP e o BE aspiram ao caos. Hoje e sempre, e à imagem das extremas-direitas autênticas, PCP e BE são inimigos dos EUA e da NATO e de qualquer nação aliada dos EUA ou membro da NATO. PCP e BE são inimigos de Portugal, que se pudessem submeteriam ao projecto de ditadura que os move.

Continuem, então. Continuem a convidar comunistas de ambas as seitas para protestos. Continuem a chorar a escassez de comunistas no Parlamento. Continuem a convocá-los para sustentar governos. Continuem a pendurá-los no Conselho de Estado. Continuem a oferecer-lhes espaço de comentário televisivo. Continuem a tratá-los com a civilidade que eles, nas circunstâncias adequadas, jamais retribuiriam. Continuem, no horrendo jargão da época, a “normalizá-los”. Apenas não se esqueçam de que estão a “normalizar” cúmplices dos maiores criminosos deste tempo. Se as discussões com porcos nos deixam imundos, o convívio jovial transforma-nos na própria porcaria. Numa sociedade limpa, o comunismo não é normal e carece do célebre “cordão sanitário”. Mas as “linhas vermelhas” que por cá se traçam são demasiado vermelhas e demasiado sujas, decerto de sangue.

BLOCO DE ESQUERDA   POLÍTICA   PCP   RÚSSIA-UCRÂNIA   MUNDO


Nenhum comentário: