Silenciado que fica, nas barbas de todos.
Ainda e sempre, a sarabanda entre nós em
torno de gentes acusadas, mas camaradamente protegidas por protectores que, por
seu turno, parece que devem favores a esses que hoje precisam da sua protecção
- por ora vencedores, estes últimos. E daí não sei, talvez aqueles façam mesmo lei. A
nossa.
Um texto esclarecedor, de Paulo Rangel e que parece
bem ponderado, com uma pergunta de simples resposta:
«Apesar
da minha formação constitucional, continuo sem perceber em que medida a obrigação
de alguém explicar a proveniência dos seus rendimentos – que até pode ser feita
acautelando a privacidade – viola a dignidade da pessoa»
Quanto a mim, acho que não viola. E também acho que «é fundamental que se crie e reconheça o crime de enriquecimento ilícito.»
OPINIÃO: Em que nos
pode instruir esta estranha instrução?
Há algo nesta tempestade que fragiliza
o Estado de direito, a justiça, a política e a democracia. Como sempre tenho
defendido na senda e ao lado de muitos, é fundamental que se crie e reconheça o
crime de enriquecimento ilícito.
PAULO RANGEL PÚBLICO, 13 de Abril de 2021
1. Sexta-feira,
muito em cima do acontecimento, um canal de televisão pediu-me um comentário
sobre a decisão
instrutória da Operação Marquês. Já
depois de ter aprofundado um pouco mais o conhecimento dos seus termos e da sua
fundamentação; já depois de ter lido, ouvido e visto as observações e os
comentários que proliferaram na esfera pública, reforcei algumas das convicções
que, ali, ainda a fresco, externei. Partilho, agora em letra de forma, essas
reflexões, que basicamente desaguam em perplexidades. As perplexidades de
quem de há mais de 20 anos propugnou uma reforma da justiça portuguesa e que,
em devido tempo, denunciou as perversidades da governação socialista de José
Sócrates e da teia de interesses que ela alimentou.
2. A
morosidade do processo é naturalmente a primeira perplexidade. Por mais recto que seja o desenlace final de um
processo, a demora excessiva é sempre um factor de injustiça. A morosidade
judicial frustra irremediavelmente os dois valores cardiais do direito: a
justiça e a segurança. É verdade que, em Portugal, o atraso é especialmente
grave na justiça comercial, fiscal ou administrativa, mais até do que na área
criminal. Mas, no
âmbito criminal, a eternização dos processos tem efeitos mais críticos, seja
nos arguidos, seja nas vítimas, seja no interesse geral. Neste caso
particular, está também em jogo a opção por aquilo que se convencionou
chamar um “megaprocesso”.
Se não o foi sempre, é hoje evidente que os “megaprocessos” inviabilizam a
celeridade e até a exequibilidade de muitas das diligências e dos actos
processuais; num certo sentido, dificultam a “compreensibilidade” da justiça e
do julgamento pela comunidade em geral. A organização de “megaprocessos”, em
lugar de as atenuar, reforça as probabilidades e as percepções de impunidade.
3. A
dimensão “coreográfica” e “espectacular”
que o juiz Ivo Rosa quis dar ao momento da publicitação da decisão
instrutória suscita as maiores apreensões. À justiça não se pede opacidade, muito
pelo contrário. Mas pede-se discrição e contenção, fleuma e neutralidade. Seja pela encenação, seja pela escolha das
palavras usadas, o juiz Ivo Rosa quis revelar estados de alma,
quis anunciar urbi et orbi a sua visão da justiça criminal, a sua
leitura do processo penal, a sua compreensão da Constituição. Ora, a decisão
judicial não é um registo de direitos de autor, nem um instituto de patentes
sobre concepções do processo penal. Ao adjectivar coloridamente muitas das suas
convicções, o juiz foi até mais longe. Em dados momentos, pareceu mesmo querer
ajustar contas com o Ministério Público ou com aquele que parece
ser definitivamente o seu rival, o juiz Carlos Alexandre. Importa, pois, encarecer que a prolação de uma decisão
de instrução não pode ser um instrumento de troca de mensagens, de recados ou
de retaliações. E infelizmente quem observa as actuações de Carlos Alexandre e de Ivo Rosa fica com
a sensação de que aproveitam os processos para se baterem no ringue de
provocação recíproca.
Já
agora, uma observação adicional. Na vaga de comentários, foram muitos os que
louvaram a ausência de fugas de informação ou de quebras de sigilo. Pois bem,
quem leu a imprensa dos últimos 15 dias pôde ver, nas entrelinhas e até nas
linhas, que muitos davam como certo o arquivamento de todos os crimes de
corrupção. Talvez fossem puros dons divinatórios, mas mais pareciam sussurros
de pé de orelha.
4. Uma
terceira perplexidade para
sublinhar que, fosse pela forma, fosse pela substância, o juiz
Ivo Rosa claramente extrapolou os limites
próprios da fase de instrução.
Nesta fase processual não está em causa uma avaliação das provas, que, em
rigor, hão-de produzir-se unicamente no julgamento. Está em
causa, isso sim, uma apreciação dos indícios que sustentam a acusação, indícios
esses que depois terão de ser devidamente provados na fase do julgamento. Não me reporto naturalmente às divergências
quanto às regras de contagem dos prazos de prescrição ou à obliteração em directo do tipo criminal de fraude fiscal.
Essas são questões de direito, que podiam porventura ter sido endossadas para o
julgamento.
Reporto-me,
isso sim, ao tratamento de factos indiciários como se de autênticas provas
se tratasse. Ou à impostação intrinsecamente contraditória de que a actividade
criminosa quase que tem de estar legalmente certificada para ser susceptível de
prova: se alguém não faz parte de um conselho de administração, não pode
influenciá-lo; se dois dirigentes internacionais não se encontraram
fisicamente, não podem estar concertados; se um ministro diz que não falou com
o primeiro-ministro, essa declaração é seguramente credível e verídica.
5. Há
algo, porém, nesta tempestade que fragiliza o Estado de direito, a justiça, a
política e a democracia, que fica claro. Como sempre tenho defendido na senda e
ao lado de muitos, é fundamental
que se crie e reconheça o crime de enriquecimento ilícito (ou ilegítimo ou injustificado – os contornos não
são exactamente os mesmos). Há decerto questões de constitucionalidade a
resolver. Mas ainda agora a Associação Sindical dos Juízes Portugueses apresentou
uma proposta que pode ser uma base razoável e trabalhável.
Apesar da minha formação
constitucional, continuo sem perceber em que medida a obrigação de
alguém explicar a proveniência dos seus rendimentos – que até pode ser feita acautelando
a privacidade – viola a dignidade da pessoa humana ou põe em causa direitos
irrenunciáveis. Ninguém
melhor do que o próprio é capaz de esclarecer de onde vêm o seu património e os
seus proventos. Será realmente pedir muito ou pedir de mais
que aqueles que desenvolvem uma actividade pública de relevo possam ser
chamados a dar conta, ainda que com a ressalva da sua privacidade, das origens
dos seus bens ou das fontes dos seus gastos? Não será este um dos passos
essenciais para restaurar a confiança no poder e nos poderes?
Sim e Não
NÃO José Sócrates. É grave a pronúncia por crimes de branqueamento de
capitais. É grave o reconhecimento judicial de comportamentos corruptos. É
grave a reacção histriónica e desligada da realidade que multiplica
nos media.
NÃO Partido
Socialista. Já todos os
partidos reagiram à pronúncia de um ex-primeiro-ministro por graves crimes
financeiros. Só o PS mantém o silêncio, sem um lamento, uma desculpa, uma
condenação, uma proposta ou iniciativa.
Eurodeputado (PSD)
TÓPICOS
OPINIÃO OPERAÇÃO MARQUÊS JOSÉ SÓCRATES IVO ROSA JUSTIÇA CORRUPÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO
COMENTÁRIOS:
Pedro Moreira INICIANTE: Dr. Paulo Rangel, Como jurista
de reconhecido mérito, saberá perfeitamente que as inconstitucionalidades
elencadas no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 179/2012, têm toda a razão
de ser. Porque se hoje em dia, o MP não se esforça muito para elaborar acusações,
porque sabe que beneficiará do manto protector do JIC e do JJ, a partir do
momento em que não teria sequer de provar a sua acusação, então aí sim, seria o
fim do Estado de Direito tal como o conhecemos. Quando diz que "Há decerto
questões de constitucionalidade a resolver", parece que estamos a falar de
pormenores. Não estamos. Sobretudo quando falamos de Direito Penal.
Luis EXPERIENTE: A tendência para partidarizar
este assunto é inevitável, visível aqui, com cada um de nós a puxar mais à
direita ou mais à esquerda, mas uma crítica que se pode apontar ao
artigo, é a ausência de mea culpa às responsabilidades do PSD na impunidade do
enriquecimento ilícito, no clientelismo politico e na corrupção do Estado. A
questão é muito mais ampla e grave do que a Operação Marquês e José Sócrates. É
todo o arco do poder, o cerne do regime democrático da III República, que está
em causa, e que se vê perante uma conjuntura que envolve um populismo
aparentemente anti-sistémico, mas na verdade sedento de poder e de nomeações. A
bem da democracia, o arco do poder devia reformar a justiça, mesmo se para tal
fosse preciso rever a Constituição. Vão-se alguns tachos, mas fica-se com a
cozinha José Luís Sousa EXPERIENTE: Para bem de todos era bom que
levassem isto a sério. Não irá acontecer. Iremos parar às meias medidas numa
manta de retalhos de forma inglês ver. Não se pode tirar o pão a tanta gente.
Ganharão os venturas, que nada irão mudar. Há mais de 200 anos um inglês que
residiu nos Açores descrevia a justiça portuguesa como bizantina, cheia de boas
leis, mal aplicadas de uma morosidade que só Matusalém compreenderia, com
juízes e funcionários, de uma corrupção lendária na Europa da altura. Estamos a
falar do verdadeiro antigo regime. Entretanto tivemos a queda de Napoleão em
1815 a revolução liberal 1820 a guerra civil 1834 a República em 1911 o Estado
Novo em 1927, Abril em 1974 e a entrada na CEE em 1986 com outros momentos pelo
meio. Bem, o que é que mudou? Macuti EXPERIENTE: Muito bem! Parabéns. Mario Coimbra INFLUENTE: Excelente Luis EXPERIENTE: A criminalização do
enriquecimento ilícito é fundamental para combater a corrupção em Portugal. É
um passo sine qua non. Mas porque será que o Palácio Ratton trava sempre as
iniciativas legislativas nesse sentido? E partilho a perplexidade sobre o
curioso silêncio do PS. Que dizer sobre um ex-primeiro ministro socialista,
pronunciado por branqueamento e de mercadejar o cargo, que ao mesmo tempo ataca
a actual liderança socialista de António Costa? Devem estar a aparecer fissuras
lá no Rato. miguelc EXPERIENTE: a morosidade da justiça e a questão
do enriquecimento ilícito são responsabilidade sua e dos seus! Paulo Valente EXPERIENTE: Ainda não percebi porquê tanto
cuidado em chamar aquilo que é pelos respectivos nomes: este julgamento foi uma
farsa e não passou duma encenação do regime com o objectivo de não tramar
Sócrates para esta não tramar o resto da maralha. Foi apenas mais uma manobra
de diversão e mais um jogo para manter mais alguns amigos a trabalhar connosco
a pagar. Incrível que haja quem não acredite que o homem pousou na lua mas
acredita que Sócrates vai ser condenado. Uma anedota!
Nenhum comentário:
Postar um comentário