E sem respeito algum por ninguém, e, pelo contrário, o desejo de ferir os sentimentos e mesmo as pessoas que a educação tornou mais ponderadas. Inutilmente. Porque o que conta são as novas propostas - de imitação, é certo, das modas estrangeiras – como será o caso das siglas englobantes dos vários espécimes sociais, que a nova assunção de direitos fez provocantemente reduzir a conjuntos de iniciais maiúsculas como essa do LGBT que vai em crescendo, como puzzle de peças de encaixe, estupidamente e atrevidamente desumanizador, afinal. E humilhante, para quem seja mais discreto. Ou mais altivo. Uma revolução linguística com efeitos sobre a própria gramática cada vez mais pedante e rebuscada, que, afinal, redunda em zero, na aquisição e compreensão pelas coitadas das crianças. Mas são, sobretudo, as novas ideologias que impõem tais mudanças, como bichas de rabiar em “perpétuo movimento” - não para criar ciência ou arte, mas sobretudo para abraçar sentimentos de uma solidariedade sociopolítica, puramente unilateral, de fabricação oportunista. Um excelente texto de MANUEL VILLAVERDE CABRAL, que mereceu apoio geral, mas que as circunstâncias políticas, sanitárias – e sobretudo estruturais, pela idiossincrasia de comodismo que nos distingue – tornam inútil.
As palavras e as coisas /premium
Esta descarada campanha do PS, que
tanto agrada ao BE, favorece deliberadamente uma «novilíngua» sem controlo nem
respeito pelo conjunto de uma sociedade antiga e complexa como a nossa.
MANUEL VILLAVERDE
CABRAL OBSERVADOR, 30 mar
2021
Os
leitores perdoarão este uso algo forçado da relação entre «as palavras e as
coisas», acerca da qual Michel
Foucault, o
filósofo entretanto esquecido, escreveu um livro muito na moda há mais de 50
anos no qual explicava as relações menos óbvias entre «as palavras e as
coisas», que efectivamente o positivismo anglo-americano interpretava como tal
coisa, tal palavra e vice-versa… Foucault mostrou, contudo,
que tal relação era bem mais complexa do que parecia: as palavras fixavam as
coisas mas, ao mesmo tempo, o seu significado evoluía em função do próprio
evoluir das palavras perante os sentidos que as pessoas iam, entretanto,
atribuindo a coisas cada vez mais diferentes…
Desde então, o mundo deu as voltas
que se sabe. Contudo, no último quinquénio, a complexidade da relação entre as
palavras e as coisas, bem como a mútua interacção entre umas e outras, voltaram
ao de cima, mercê da crescente e
pantanosa obscuridade do mundo das ideologias que hoje prevalecem sob formas
tanto mais primitivas, quanto as culturas periféricas menos entendem os
conteúdos e mutações da relação palavra-coisa-palavra-coisa nos centros
internacionais da especulação ideológica!
O resultado dessas desequilibradas interacções entre o centro e a
periferia mundiais foi desencadear um ruído ensurdecedor em torno do binómio,
em breve promovido a trinómio, entre sexo,
raça e poder… Tudo
palavras cujo significado muda de dia para dia ao mesmo tempo que as coisas às
quais as ditas palavras se presume corresponderem…
É, pois, altura de recuperar o sentido do ditado português, segundo o qual, «palavras
leva-as o vento»… Esperar-se-ia
que assim fosse, mas não é… Pertencendo este regime de trocas permanentes às
pessoas mais habilitadas para lidar com a complexa e ambígua relação entre
palavras e coisas, a maioria das pessoas atrasa-se na permanente troca entre
umas e outras: ora presumem a primazia da
primeira sobre a segunda, ora descobrem o contrário!
A mim parece-me óbvio, que,
tendo as coisas um peso difícil de mudar do pé para a mão, é menos realista mas
mais tentador e fácil para os decisores de serviço agirem sobre as palavras –
mais maleáveis e sedutoras ao ouvido do que coisas baças –, de forma a mudar os
seus anteriores significados e/ou a sua aplicação a coisas diferentes, muitas
delas em permanente mutação relativamente aos seus significados anteriores. No limite, trata-se de começar por
mudar as palavras a fim de mudar as coisas no sentido desejado pelos donos
ocasionais do poder. Em suma, mudar o vocabulário, a fim de quem detém
provisoriamente o poder eleitoral mudar as coisas… de forma a esta última
mudança assegurar, porventura, a manutenção dos manipuladores do vocabulário no
poder!
Foi isto que denunciei na semana passada, a respeito de
uma tentativa estatal de manipular a linguagem administrativa no sentido
ideológico desejado pelo actual governo, em suma, um passo na direcção
daquilo que Orwell (1948) designou
outrora como a «novilíngua»
soviética, homóloga
à linguagem nazi! À nossa pequena escala, trata-se de uma tentativa do Conselho de Concertação Social para
camuflar as diferenças objectivas entre sexos, que continuam a prevalecer do
ponto de vista laboral, atrás da «novilíngua» que tem vindo a impor-se nos
meios de comunicação social.
Quem duvide deste processo de pretensa
des-sexualização linguística, cuja
velocidade se junta à da despenalização da eutanásia mediante uma votação
restrita no Parlamento mas que seria derrotada em referendo, basta que se dê ao
trabalho de ler o brado entusiástico de
uma conhecida deputada do PS acerca da mudança linguística em curso, bem
como a violência ideológica com que a mudança está a ser promovida com a bênção
do PS e consócios!
Além de uma permanente
violência simbólica, sempre inquietante, por parte das «palavras» sobre as «coisas»
e destas sobre aquelas, esta descarada campanha do PS, que tanto agrada ao BE, favorece
deliberadamente uma «novilíngua» sem controlo nem respeito pelo conjunto de uma
sociedade antiga e complexa como a nossa. Conduzida no segredo dos gabinetes e
no palco de exibição parlamentar, tal campanha não deixará de ferir os
sentimentos, como se dizia antigamente, de uma parte muito substancial do
eleitorado.
Lamentavelmente, o brutal processo de submissão da população – primeiro com o isco de empregos e ordenados
de baixo custo, como no turismo, depois com o terror da pandemia e das perdas
de toda a natureza que esta acarreta – desmantelou qualquer oposição eficaz.
Com efeito, à parte os «micropartidos» surgidos nas últimas eleições, a velha oposição conservadora perdeu não só
cadeiras no Parlamento como deixou de apresentar a expectável face de uma
oposição compacta e determinada quanto a objectivos que essa oposição
efectivamente já não tem ou já não é capaz de defender… Sem verdadeiro
governo nem começo de oposição, resta o poder pelo poder e um inquietante palavreado
ideológico no lugar das coisas concretas!
IGUALDADE SOCIEDADE RACISMO DISCRIMINAÇÃO IGUALDADE DE
GÉNERO POLÍTICA
COMENTÁRIOS
Luisa CS: Excelente artigo! pode
continuar exemplificando... Carminda Damiao: Obrigada por este excelente
artigo. Gil
Lourenço: Que artigo
excelente! Fernando
Fernandes: Como nada é
imutável, há que identificar os novos traidores que subscrevem a novilingua
para que oportunamente justiça possa ser feita. Nunca Orwell esteve tão actual.
Não esquecer igualmente que o acordo ortográfico é parte desta novilingua. Anarquista Coroado: Fez bem em lembrar Foucault: um
dos principais gurus da mistura ideológica que se chama de Teoria Crítica. Anarquista
Coroado > Anarquista Coroado: Rigorosamente falando, este novo movimento
contestatário é um eclectismo de Teoria Crítica pós-marxista e de
Desconstrucionismo Pós-Moderno, sobretudo de Foucauld e Derrida, exportados
para os EUA e misturados com a atitude Calvinista. josé maria: O BE, com a posição, de
charneira, assumida nos caso dos apoios sociais, marcou pontos. O PS cometeu um
dos seus maiores erros políticos. O resto são as habituais minudências da
espuma dos dias, que servem ao escriba para algo nos dizer. João Alves > josé maria: Ainda esperei que aproveitasse este artigo sobre
linguagem para esclarecer a diferença entre denotação e conotação. Gil Lourenço > João Alves: Muito bom! Esse zé maria é mesmo fanático esquerdista. Manuel Magalhães: Objectivos da perniciosa
esquerda, descaracterização da portugalidade e degenerescência dos costumes com
o fim de desorientarem a população e assim melhor imporem os seus dictats! Não
serve para nada mas serve para eles (esquerda)... Jal
Morgado: Perfeitamente de acordo com Manuel Villaverde Cabral: «Esta descarada
campanha do PS, que tanto agrada ao BE, favorece deliberadamente uma «novilíngua»
sem controlo nem respeito pelo conjunto de uma sociedade antiga e complexa como
a nossa». Os marxistas não olham a meios para atingir os seus fins... João Alves > Jal Morgado: A manipulação da linguagem é uma das componentes da
estratégia hegemónica dos neo-marxistas populistas de inspiração gramsciana. bento guerra: A "deslíngua"só
aparece porque jornalistas e locutores a promovem. Há uma cobardia cultural, de
quem vendeu a alma e a ética Adelino
Lopes: Como
concordo. A “novilíngua” (e os censores que para ela trabalham) é do mais
repugnante que a democracia e a liberdade conhecem. Maria Nunes: Excelente e oportuno
artigo.
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