Para nos definir as inépcias, com duques
do Terceiro à fartazana, cá por casa …
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 25.04.21
O
plebeu era veterinário mas só exercia em causa própria, herdado rico, solteiro
e com alguns que se diziam filhos na mira das patacas. Mas não entra nesta
história a não ser como amigo dos outros, o Duque e o Marquês.
O
Duque, casado e medianamente remediado, vivia no terceiro andar de um prédio
que herdara na praça com o nome de um seu famoso avoengo, também ele Duque. Só
que o Duque do terceiro achava que um Duque se pode perfeitamente «et à
l’ aise» empoleirar numa peanha mas nunca viver num terceiro andar. Já
lhe bastava a concorrência do da Terceira. Por isso se intitulava Marquês
– que também o era – do mesmo patrónimo. Do fausto antigo, guardava o título,
algum património que preservava quase religiosamente e um empregado doméstico
que também herdara que conduzia a Duquesa nas suas digressões por aqui e por
ali, servia à mesa e engraxava os sapatos de suas Excelências. A «esposa» era a
porteira do prédio e viviam na cave com quintal nas traseiras. Tinham um filho
que já era engenheiro e constava que republicano.
O outro
nobre desta história tinha sido filho e irmão de Duques e agora era tio de
Duque. Jurista, dizia a todo o som que nunca exercera e que, quando tinha
sido estagiário no escritório de um Advogado ali à Boa Hora, fugia do
escritório mal o patrono se ausentava com medo de que aparecesse algum cliente.
Admitido à Ordem (ainda não havia nada destes exames de admissão que há hoje),
dizia que tinha pago um ano de quotas e que mandara tudo às urtigas. Mas era o Senhor
Dom… (nome a calar), dedicava-se a viver dos rendimentos e a praticar a
arte campera da sua paixão. Culto e poliglota, enchia qualquer salão
desta cidade capital ou de qualquer outra. Ria-se discretamente quando o
«mordomo» do Duque do terceiro o anunciava pomposamente como «o Senhor Dom
Doutor…» e não como manda a semântica «o Senhor Doutor Dom…».
Certa
vez, o sobrinho Duque fez-se convidado para almoçar com o tio no restaurante
que este habitualmente frequentava ali à Calçada do Marquês de Abrantes e
pediu-lhe que aceitasse passar a usar o título de Marquês de (…) que também
pertencia à Casa Ducal. Por sua morte, o título regressaria à origem até porque
do tio nada constava quanto a descendência biológica quer legal quer
legalizada. Nada como com o amigo veterinário a quem «saltam» filhos a cada
esquina.
E
se, até ali, o «Dom Doutor» e o Duque do terceiro se tratavam por «Parentes», a
partir dali, ambos Marqueses, ironizavam tratando-se por «Colegas».
Chegada
a entrega do Império à União Soviética, o Marquês Dom Doutor levou um grande
chimbalau com as ocupações da Reforma Agrária e o Duque do terceiro
perguntou-lhe como é que ele, entretanto, se governava. – Tudo bem,
Colega, Nós, afinal, éramos muito mais ricos do que nos lembrávamos. E o Duque
do terceiro soltou uma gargalhada de alegria espontânea como há muito o
protocolo não ouvia.
–
Oh Colega! E o nosso amigo veterinário?, pergunta o Duque do terceiro.
-
Oh Colega! Esse é muito mais rico do que nós somados e é isso que dana os
vinticinquistas.
E,
já que neste dia assim «a modos que» tão especial, estamos numa de heráldica,
como dizia D. João II, «Honny soit qui mal y pense» que o sapateiro remendão do
meu avô traduzia por «Quem é que Vomecê julga que eu sou?», ou seja, qualquer
coincidência é pura semelhança.
- Não,
disse o Duque do terceiro, qualquer semelhança é pura coincidência.
-
Oh Colega! Já estou confuso, disse o Marquês, deve ser deste seu “Cote du
Rohne” travestido de “Costa do Castelo”. Como diz o meu maioral das vacas,
«desculpem qualquer coisinha».
-
Pois eu acho que de nada temos que pedir desculpa e até um dia
destes vamos começar a discutir as «reaganomicas» à europeia que é como quem
diz a moralidade e a racionalidade dos impostos directos. E então, sim, vamos
ver os vinticinquistas a esmorecer a canção que já não fará qualquer sentido.
-
AHAH!, riu o Marquês.
CAI
O PANO DE CENA
Lisboa,
25 de Abril de 2021
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Anónimo 25.04.2021 :
como dizia D. João II, «Honny soit qui
mal y pense», citação aparentemente incorrecta
NA: Henrique Salles da Fonseca 25.04.2021 : A
citação correcta teria sido «Talent de bien faire» mas, com ela, desaparecia
parte do «non sense» que quis dar ao texto. Mas agradeço muito a chamada de
atenção.
Henrique Salles da
Fonseca 25.04.2021: Caríssimo Amigo, Rico texto, como
todos com que nos delicia neste seu, impagável, A BEM DA NAÇÃO, a que os
"corifeus" nem avaliam o alcance! Grande abraço, António
Alves Caetano
Henrique Salles da
Fonseca 25.04.2021 :
As nossas
forças armadas/
Lutaram com heroísmo/
No binticinco dabril/
Darrotarum o facismo! Elias Quadros
Anónimo 25.04.2021 Fantástico, como sempre. Um grande abraço.
Anónimo 25.04.2021 :
Obrigado
por ter levantado um pouco mais o pano de um palco onde haverá muito a
descobrir. Haja luz!
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