terça-feira, 27 de abril de 2021

Mais lenha


Ao que parece, para nos queimarmos. Um excelente texto de Helena Matos, que mereceu mais de 250 comentários, alguns de reflexões curiosas, e outros o habitual grotesco das suas pretensas ideologias de conveniência. Um mundo a desfazer-se cada vez mais, minado pelos manipuladores do poder, que vão alimentando as idiotias públicas, até ver…

 

Dos cravos à ciclovia /premium

Os cravos já foram. A luta de classes também. A ciclovia lisboeta é o símbolo dos novos tempos: não é usada; dificulta a vida a todos e é imposta por pessoas a quem pagamos carro de serviço.

HELENA MATOS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 25 abr 2021

Quantos ciclistas utilizam as ciclovias, em Lisboa? Não estou a referir-me aos fins-de-semana ou aos feriados. Estou a pensar no dia-a-dia. Sim, quantas pessoas vão de bicicleta para o trabalho? Ou fazer compras ao supermercado? Ou ver o pai que está doente?

Lisboa está atravancada por pilaretes que delimitam umas faixas esverdeadas onde, de segunda a sexta, passam algumas pessoas nas suas caminhadas, os distribuidores de take away e de-quando-em -quando um ciclista. Não só porque os ciclistas são poucos mas também porque a maior parte deles se obstina em pedalar nos passeios e no alcatrão. Nas ciclovias é que não.

As ciclovias em Lisboa são  o sinal exterior do poder de uma casta que vive numa bolha,

Uma bolha onde se fala muito de clima mas se faz de conta que em Lisboa os verões não são arrasadores (as alterações climáticas não são para aqui chamadas!): quantos de nós aguentamos pedalar sob a inclemência das temperaturas que se fazem sentir entre Junho e Setembro, na capital?

Uma bolha exclusiva a gente que diz adorar a natureza e depois subestima a topografia da cidade com colinas e mais colinas. Gente que acha que não tem de prestar contas pela forma como gasta o dinheiro público, criando umas estruturas, as ciclovias, que não correspondem a uma necessidade mas sim a um capricho seu. Gente que não considera ser seu dever resolver os problemas reais, como são a falta de parques de estacionamento ou a fraca qualidade dos transportes públicos.

O inquérito que a EMEL leva a cabo junto dos “Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros” para apurar o que lhes desagrada no uso da bicicleta em Lisboa é bem sintomático deste estado de autoritarismo de capricho: porque não interroga a EMEL os “Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros” sobre o que os leva a andar ou não andar de comboio suburbano? Se têm ou não receio de sair na estação da Amadora à noite? Ou sobre os tempos de espera pelos autocarros?

Nada disso interessa à casta. Eles acham que os outros devem andar de bicicleta e como tal esventram a cidade para desenhar nela as ciclovias. Obviamente, elas, as autoridades, continuam a usar automóveis mas, tal como acontece com o confinamento, as autoridades afirmam-se enquanto autoridades  não pelo acerto do que fazem mas sim pelas excepções que se concedem a si mesmas. Ter poder é cada vez mais em Portugal sinónimo de viver num regime de excepções dos regulamentos e normas que se impõem aos outros.

A construção das ciclovias gera neste momento situações grotescas na avenida Almirante Reis, na avenida Lusíada ou junto ao IPO. Neste último caso, entre espaço para táxis e para as bicicletas imaginárias, aos residentes da zona resta-lhes estacionar os seus carros nas varandas das suas casas. Sim, apesar da propaganda, as pessoas continuam a ter automóveis. Porque na vida real das pessoas reais, aquelas que têm de trabalhar, que têm filhos, netos ou pais a cargo, essas pessoas que carregam sacos e saquinhos, que vão a dois ou três sítios antes de chegar a casa, para elas andar de bicicleta não é a primeira opção. E, sublinho, não têm de se sentir culpadas por isso.

Em 2021, os cravos já foram. A luta de classes também. Agora a casta aposta no emergentismo  (somos convocados a salvar o planeta mas não conseguimos tratar dos problemas  do nosso país) nas “identidades”  (a mesma UE que patrocina o inquérito da EMEL dirigido aos Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros falhou com estrondo a aquisição de vacinas para os seus cidadãos) e na propaganda de um sucesso que  cada vez mais tem dificuldade em iludir o sabor a falhanço. A ciclovia lisboeta é um dos símbolos dos novos tempos:  imposta por pessoas a quem pagamos motorista e carro de serviço. não serve a quase ninguém e dificulta a vida a todos.

PS. Chamava-se Stephanie. Tinha 49 anos. Acabava de chegar ao seu local de trabalho: o comissariado de polícia de Rambouillet, uma localidade a 60 quilómetros de Paris. Um homem empunhando uma faca e gritando “Allah Akbar” dirige-se para Stephanie. Faz-lhe dois golpes no pescoço. Ela cai. Morre pouco depois. Aconteceu esta sexta-feira. A partir daí cumpriu-se o guião para este tipo de ataques: o ministro francês do Interior, Gèrald Darmanin, declarou a sua solidariedade às forças policiais que diz defenderem os valores republicanos. Na véspera do atentado que vitimou Stephanie, o mesmo ministro declarara a sua solidariedade republicana para com os bombeiros atacados em Lille quando combatiam as chamas que consumiam uma creche. Anoitecia quando o incêndio deflagrou numa creche localizada num bairro popular daquela cidade francesa. Várias corporações dirigiram-se para o local. Aí chegados os bombeiros foram atacados. A creche ficou parcialmente destruída. O fogo era de origem criminosa.

Note-se que não há semana em que o ministro do Interior francês não se declare consternado e não expresse a sua solidariedade perante as vítimas de agressões, atentados e violências de toda a ordem. Quando há vítimas mortais Macron visita a família dos falecidos. Como é da praxe em França as cerimónias fúnebres decorrem com solenidade e frases barrocas.

Mas voltemos ao guião que invariavelmente acompanha estes casos: rapidamente surgiu a explicação da “perturbação mental”. Não há atentado levado a cabo pelos fundamentalistas islâmicos na Europa em que não apareça a tese da perturbação mental. O rumo da psiquiatria na Europa é de facto um mistério: para se desculparem os terroristas lança-se sobre os doentes mentais um estigma de violência.

Por fim, temos o silêncio e a menorização por parte do mundo das notícias e dos activismos. Ou mais rigorosamente por parte das redacções guionadas pelos activismos.

Onde estão as feministas? E os activistas das causas acontecidas e por acontecer? O assunto não lhes interessa.

Fora de França, a morte de Stephanie, 49 anos, mãe de dois filhos, passou quase incógnita. Já ninguém se diz Stephanie. Há seis meses quando o professor Samuel Paty foi degolado a escassos quilómetros do comissariado onde Stephanie foi assassinada, ainda houve alguma comoção. Depois fez-se por esquecer e quando em Janeiro deste ano, um outro professor veio denunciar o clima de medo  e auto-censura imposto pelos fundamentalistas  naquela zona foi tratado como lunático. Agora foi degolada Stephanie. Mas vamos fazer de conta que não aconteceu nada.

Começámos por ter medo do outro. Agora temos medo da nossa própria sombra.

 

COMENTÁRIOS:

Francisco Albino: Obrigado pelo seu texto, Helena.          Joel Paula: Normalmente adoro esta cronista mas neste caso estou completamente em desacordo. Antes da pandemia, todos os dias fiz o percurso de bicicleta entre o Marquês de Pombal e entrecampos de bicicleta. E o mesmo no regresso. Excepto nos dias em que chovia. Tinha uma assinatura  da Gira, as bicicletas de Lisboa, que são eléctricas. A quantidade de pessoas que usam as ciclovias é tal que muitas vezes havia engarrafamentos e filas na ciclovia. A escriba fala do que não sabe. Se não usa e não quer usar não tem problema. Só não faça dos outros os maus e os parvos.              Liberales Semper Erexitque > Joel Paula: As excepções confirmam a regra. E, se o preço do metropolitano fosse acessível como antigamente era, nem essa excepção possivelmente existiria. Além disso, se vocês pagassem mesmo as "giras" em vez se ser eu e os outros munícipes a pagá-las à força, a coisa mudaria logo de aspecto.          Joel Paula > Liberales Semper Erexitque: As ciclovias entre o Marquês e o campo Grande estão sempre com movimento. Principalmente às horas de ponta. Não é uma excepção - é a regra. Não tem nada que ver com o preço do Metro. É uma questão de escolha.           Sergio Coelho: Excepcional. Cá o burgo mesquinho, pobretanas e mal frequentado continua alegremente a definhar e a tornar-se no "melhor dos melhores" das caudas da Europa e OCDE. Haja futeboladas em todas as tvs, em horário nobre, e jornalecos para entreter os inaptos que elegem nódoas inaptas. Este sitio muito mal frequentado MERECE-SE.        Tiago Maymone: Apoiada de fio a pavio! João Porrete: Sobre os "problemas mentais" que assolam a comunidade islamita francesa, só tenho a dizer que à luz da mentalidade urbana contemporânea fazer o que quer que seja por causa de um ditame divino é de facto uma loucura. Mas não é; é e será a condição humana obedecer a Deus. Por isso é tão importante escolhermos um Deus clemente e compassivo cujo Filho se irmanou no sofrimento com homens e mulheres de todos os tempos. Esse não nos manda matar para conquistar; manda-nos oferecer a face aos que nos agridem; manda-nos anunciar esta boa nova; e proíbe-nos de atirar a primeira pedra a menos que sejamos puros, coisa que no íntimo todos sabemos não ser.              Liberales Semper Erexitque > João Porrete: Jesus é profeta do Islão. Suponho é que o João Porrete não saiba o que é o Islão, e o reduza à sua caricatura, o fundamentalista. Frederico Nunes Nunes > Liberales Semper Erexitque: Segundo o Islão, Moisés, David, Jesus etc etc eram todos islamitas (só que não sabiam). Ainda segundo o Islão, a Segunda Vinda servirá apenas o propósito de "meter ordem na casa" e oficializar de uma vez por todas que toda a gente foi, é e será islamita (até à noite dos tempos)... A chamada presunção e água benta...         João Porrete: É a mania de acharem que sabem o que é melhor para os outros. Mencionam umas coisas vagas nas campanhas eleitorais e depois ocupam 25% das vias públicas com ciclovias para 1% dos que se deslocam para o trabalho.         joão Teixeira: Casta que vive numa bolha. In a nutshel          Alguidar de Henares: Brilhante como sempre mas perante um povo adormecido e apático que se deixou totalmente subjugar por uma bando de políticos corruptos dúvido que o texto tenha algum efeito.          Frederico Nunes Nunes: Há alguns anos os ciclistas foram brindados com algumas leis específicas, que lhes outorgaram um capital de importância para que não estavam preparados, e embandeiraram em arco. Subitamente descobriram que eram gente e que leis eram feitas a pensar neles... É óbvio que uma juventude que já percebeu que jamais atingirá o nível de conforto e estabilidade dos seus pais, que por mais que trabalhe nunca passará da cepa torta na escala social, essa juventude agarrou-se com unhas e dentes à hipótese ciclística quase como única forma de expressão de que dispõe, utilizando-a para exercer o direito de vingança sobre os mais velhos, que culpam pela sua falta de horizontes.               Liberales Semper Erexitque > Frederico Nunes Nunes: Passa por aí, sim. O tolo há anos julgava-se o maior ao volante do carrito, agora julga-se o maior sentado no selim. Continua, no entanto, sendo apenas o tolo. A lei? Não é para ele, ora essa! Adriano Marques > Frederico Nunes Nunes: O seu post é muito pertinente. Permita-me apenas acrescentar uma nova dimensão. Estas ciclovias não caíram do céu. São o resultado de acordos internacionais nos quais o mundo ocidental se compromete a reduzir as suas emissões poluentes. O problema é que não existe da parte dos países em vias de desenvolvimento e da China qualquer interesse em cumprir. As consequências serão catastróficas uma vez que as nossas indústrias serão deslocalizadas, o desemprego aumentará, o custo de vida tornar-se-á cada vez mais elevado por efeito dos custo energéticos associados a energias renováveis significativamente mais caras e menos eficientes. Ou seja as novas gerações não vão ser apenas mais pobres que os pais, vão ser também mais pobres que um chinês ou indianos de classe média.         Frederico Nunes Nunes > Adriano Marques: Salvar-se-há a qualidade de vida, ao menos?... Viver numa metrópole chinesa sob uma redoma de fumo espesso não será muito bom negócio, em troca de experimentar alguma riqueza. Liberales Semper Erexitque  > Frederico Nunes Nunes: Não se baralhe, os chinocas queimam carvão à Pai Adão, enquanto fazem propaganda "verde" e facturam, claro, equipamentos para energias "verdes". Duarte Lisboa: Mais que ciclovias, o que é preciso é que as bicicletas não sejam roubadas. Mesmo com bons cadeados são roubadas das garagens, interiores de prédios, pátios, ruas, etc. a qualquer hora do dia ou da noite. Há marcação cerrada aonde elas estão, ou às voltas que as pessoas dão e são roubadas com todo à vontade, serrando cadeados com rebarbadoras a bateria. Só por isto, as ciclovias não têm futuro. Não há orçamento familiar que aguente tanta compra de bicicletas.        Liberales Semper Erexitque > Duarte Lisboa: Alá é grande! E eu até dou um prémio ao ladrão que a roube quando abusivamente parada num passeio, dificultando a passagem dos peões. Idem para qualquer outro veículo. Ana Rebelo > Duarte Lisboa: Estou consigo, também já fui roubada. O problema é que uma bicicleta eléctrica é cara. E se não for eléctrica não se sobe a av Infante Santo. Medina quis fazer disto Amsterdão, Copenhaga ou qualquer coisa parecida,  mas isso não se faz por decreto!  Essas cidades cresceram e desenvolveram-se na cultura da bicicleta. E são planas.       Ricardo Ferreira: É uma pena que jornais que pretendem ser de referência continuem a dar voz ao preconceito e à ignorância. A autora fala do número de utilizadores das ciclovias, sem conhecer esse número e, mais importante, o crescimento exponencial do mesmo que tem acompanhado as melhorias na infraestrutura. Fala das colinas de Lisboa e ignora que cerca de 70% das ruas da cidade têm declives suaves, inferiores a 5%. E fala do calor numa cidade onde as temperaturas raramente vão acima dos 35º, e quase sempre varrida por uma agradável brisa. Nunca ouvi falar de alguém morrer de calor por andar de bicicleta, mas no mundo inteiro morrem crianças e animais dentro de carros... Este tipo de “opinião” não é só lamentável, é nojenta!

Luís Marques > Ricardo Ferreira: Nojenta será a sua mente.

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