quarta-feira, 7 de abril de 2021

Tristezas não pagam dívidas


Já o dizia António Gedeão:

Eles não sabem, nem sonham
Que o sonho comanda a vida
E que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança.

Mas referia-se a mundos passados, poderosos, dos outros, com o nosso contributo também, é certo, na caravela a rimar com canela, mas tudo se foi na canção monocórdica de António Freire, a terminar em lá lá lá rá … ao nosso jeito.             

O melhor mesmo era deitar mãos às obras…

 

EDITORIAL

Troika: isto é só um intervalo

Portugal continua a apresentar debilidades estruturais que o deixam à mercê da irracionalidade dos mercados ou de uma mudança de política monetária.

DAVID PONTES

PÚBLICO, 6 de Abril de 2021

Foi há dez anos, “o dia mais longo e difícil” de Teixeira dos Santos, o ministro das Finanças na altura. Pela noite, o primeiro-ministro José Sócrates, à frente de um executivo de gestão, anuncia: “O Governo decidiu hoje mesmo dirigir à Comissão Europeia um pedido de assistência financeira.” Estava aberta a era da troika, que, para além da Comissão, integrava o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE).

Foi há dez anos que Portugal sucumbiu à pressão dos mercados e teve de pedir ajuda externa quando os juros da dívida a curto prazo atingiam os 6% e havia dificuldade em encontrar financiadores. Seguiu-se um período em que a palavra dominante foi a austeridade, num conjunto de medidas que procurou diminuir a despesa do Estado e reduzir a dívida pública, que, em 2011, tinha um rácio de 100% do PIB.

Dez anos depois, a dívida é de mais de 130% do PIB, mas o actual ministro das Finanças, João Leão, conseguiu pagar, em Janeiro, pela primeira vez na história, um juro negativo numa colocação de dívida a dez anos. O país mudou? Certamente. A receita da troika foi dura, levou a muitos cortes e sacrifícios, alguns dos quais ainda vigoram, apesar da fase de “reversões” que se seguiu com a “geringonça”. Mas Portugal continua a ser hoje um dos países com a dívida mais elevada do mundo.

Mudou muito mais o mundo, nomeadamente a atitude das autoridades europeias, especialmente do BCE, que tem hoje uma política de juros a zero e de compra de dívida, que dificilmente permitirá que volte a acontecer uma crise como a de 2011. A pandemia veio ainda carregar mais nas mudanças ao fazer com que a União suspendesse as regras orçamentais e, pela primeira vez, emitisse dívida conjunta. Investimento público a qualquer custo parece mesmo ser o mantra actual, vindo até de protagonistas como o FMI, que no passado defenderam praticamente o oposto.

É óbvio que a conjuntura hoje é muito diferente, mas também é claro que as graves limitações da resposta à crise anterior também produziram ensinamentos que permitiram uma resposta diferente. Quer isto dizer que estamos hoje completamente livres de uma crise semelhante à de 2011? O melhor é não confiar. Portugal continua a apresentar debilidades estruturais que o deixam à mercê da irracionalidade dos mercados ou de uma mudança de política monetária.

O mais correcto é encarar a pandemia como um intervalo nas políticas de rigor orçamental, mesmo sem vontade nenhuma de regressar aos ditames da troika. É preciso, sem esquecer as lições do passado, “reconstruir, virando para o futuro a economia e a sociedade portuguesa”, como pede o Presidente da República. E há tanto por fazer.

tp.ocilbup@setnop.divad

TÓPICOS

OPINIÃO  EDITORIAL  CONJUNTURA  DÍVIDA PÚBLICA  FINANÇAS PÚBLICAS  COMISSÃO EUROPEIA  FMI

Carvalho Carvalho.881625  INICIANTE: A questão é "Portugal sucumbiu à pressão dos mercados", como escreve no editorial ou será que Portugal sucumbiu com a rejeição do PEC na AR? Provavelmente já não se lembram do chumbo do PEC quando foi este que criou as condições para a entrada da Troika           Rita Cunha Neves  INICIANTE: Para alguns o euro é um dogma: não se discute; é quase como uma criação divina. Mas para muitos é um pesadelo: países mais pobres, Estados mais endividados. Há um elefante no meio da sala, quem não quer ver?     Jonas Almeida INICIANTE: subscrevo, Rita, é a realidade de uma religião cega.             MODERADOR: Bem pelo contrário. O elegante é discutido todos os dias. Mas em vez de se matar o elefante, cuida-se dele, entende?           Samuel Silva  INICIANTE: Irracionalidade dos mercados? Não se viraram para a Alemanha, talvez haja mais racionalidade do que se apregoa.       Jonas Almeida  INICIANTE: Os números dizem que Portugal está economicamente estagnado e com um contrato social em desagregação desde a não referendada entrada para o euro. Vamos na 2a crise desastrosamente gerida (excepto para os amigos) por um centralismo neocolonial. Dizer que "é a realidade que se engana" como ironizava Bertholt Brecht resolverá tantos problemas hoje como resolveu no tempo em que ele escreveu essas palavras.          Roberto34  MODERADOR: Quais números? Desde 2015 que a economia Portuguesa passou a convergir com o resto da Europa e não estava estagnada. Obviamente que ninguém previu a crise pandémica. A segunda crise não está a ser gerida por nenhum centralismo neoliberal, nem sei onde foi buscar tal coisa. Aliás bem pelo contrário. A UE tomou passos bem diferentes daqueles tomados em 2009, uma crise provocada pelo país onde vive. Os problemas estruturais de problema não são causados pelo Euro, quando muito o Euro apenas os expõe. Já não há o escudo nem a sua desvalorização para os mascarar.           Mario Coimbra  INFLUENTE: O que nos deve preocupar é a racionalidade dos mercados e não o contrário. O BCE por causa do Euro está a segurar-nos. Mas o quanto isto irá durar não é certo. E mais grave o país na verdade mudou pouco e com a pandemia estamos a regredir e a puxar dívida para os nossos filhos e netos. A nossa geração falhou ou está a falhar às futuras gerações. É uma pena e devíamos todos envergonhar-nos.          AM.242743 INFLUENTE: Se bem entendi, com a pandemia estamos a regredir, ao contrário dos outros países europeus que estão a progredir e a abater as suas dívidas para não as deixar para os filhos e netos? O Mário vive numa realidade paralela? É que na realidade em que vivo, todos os países europeus aumentaram brutalmente o seu endividamento e tiveram quedas brutais no PIB por causa da pandemia... e, seguramente, vão deixá-la (à dívida) em herança aos seus filhos e netos, como acontece com todos os países "normais". Claro que o Mário terá as suas razões para se sentir envergonhado, e tem todo o direito a confessá-lo.              Roberto34 MODERADOR: O AM tem razão. A emissão e consequente aumento de dívida é transversal na Europa e na maior parte do resto dos países do mundo. Os dados sobre isso são públicos. A forma de combater as consequências económicas foi através da emissão de dívida. Agora a questão é como iremos pagar e tornar essa dívida sustentável no futuro. Por enquanto parece que os erros cometidos em 2011 não serão cometidos. Usar a austeridade para abater a dívida não iria resolver os problemas, é preciso apostar no crescimento económico para tornar a dívida mais sustentável e aumentar ou ser criativo nos impostos como na área ambiental, empresas tecnológicas ou maiores riquezas.        Jonas Almeida  INICIANTE: Concordo Mário, é uma inapelável vergonha como a nossa geração desprezou a liberdade e democracia que os nossos pais conquistaram. Em temas suprapartidários como a transferência de soberania (Maastricht não foi referendado), e nos avisos de uma mão cheia de nobeis da economia que estávamos a entregar o tecido político à ruína do extremismo neoliberal em fim de época (o euro). Um arranjo neocolonial intra-europeu com raízes históricas óbvias ("Globalists: The End of Empire and the Birth of Neoliberalism" por Quinn Slobodian) é de facto, e simplesmente, o desleixo e desprezo pelo futuro dos nossos filhos. Mas agora, Mário, que o BCE e a sua alma de directores gerais da Goldman (Mario Draghi) e presidentes do FMI (Christine Lagarde) seja a tábua de salvação, não bate certo. Roberto34  MODERADOR: O Euro não é nenhum arranjo neocolonial Jonas. Não bate certo porquê? Porque não está de acordo com a sua agenda anti Euro é isso? O mundo, felizmente não é como o Jonas o pinta. Pensava que já tinha percebido isso.           tecosta  EXPERIENTE: O que não aprendemos como País é que me preocupa. Continuamos sem uma ideia de País. Apostar no turismo não é sustentável e não contribui nem para a coesão social nem territorial. O que me sossega é o Excelentíssimo Presidente da República Dr. Marcelo Rebelo de Sousa e a notícia de ontem - reunir diversas entidades e pessoas para estudar, reflectir e acompanhar o PRR. Os políticos deste País, na sua maioria, não estão à altura dos desafios, não têm visão estratégica a médio e longo prazo, nem estão preocupados com o legado geracional ao contrário do Exmo. Presidente. A ele bem-haja. bentoguerra69.1045698 INICIANTE: Sim, o PS é o mesmo, ou pior. Agora faz negócios de ocasião e colocou a sua tropa nos lugares importantes do Estado e do sistema. Venham os "troikiteiros"!      jomar  INICIANTE: bom texto.

 

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