Mas a mim só me acode o provérbio
“Depois de cavalo morto cevada ao rabo”. Mas devo
estar enganada. O texto do historiador Bruno Cardoso Reis reconta os feitos e dá esperança, complementando assim
a breve e sibilina alusão de Salles
da Fonseca a ouvidos moucos, provavelmente por impotência…
Entretanto as gentes vão fugindo e sofrendo, no atropelo e no abandono…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 21.04.21
Lembrei-me hoje de que, se a CPLP padece de
alguma incapacidade de entendimento que a inibe de agir nos casos que exigem
prontidão, por exemplo em Cabo Delgado, então que promova a uniformização da
língua gestual portuguesa nos países da sua pertença já que a surdez parece ser
a sua especialidade perante as candências.
Tags: avulsos
COMENTÁRIOS:
Francisco G. de Amorim 21.04.2021: Tristeza. E em Cabo Delgado continua tudo na mesma,
segundo notícias que tive de ontem de alguém do governo de Moçambique
Henrique
Salles da Fonseca 21.04.2021 : Acho óptima a ideia, tanto mais que, dessa
forma, resulta dispensável a tal escrita que nos querem impor e até, talvez, se
esqueçam dos “altos estudos” a que tiveram que se “sujeitar” para a elaboração
de tão confeccionado e profundo desacordo! Jorge Nogueira Vaz
II - A luta continua do Afeganistão a
Cabo Delgado /premium
Era
desejável que o governo de Moçambique, com o envolvimento de líderes locais e a
ajuda de parceiros internacionais, apresentasse um ambicioso plano para o
desenvolvimento do Norte de Moçambique.
BRUNO CARDOSO REIS Historiador
e especialista em segurança internacional
OBSERVADOR, 22 abr
2021
Desde
1945 que mais de 80% dos conflitos violentos foram de tipo irregular, ou seja,
guerras de guerrilha, campanhas terroristas. Foram os conflitos irregulares, como as guerras de
guerrilha dos EUA no Vietname ou da União Soviética no Afeganistão, que muito
condicionaram a evolução desta disputa global entre soviéticos e
norte-americanos. Agora, em 2021, estamos de volta ao Afeganistão, mas
com protagonistas diferentes. Em
1989, uma União Soviética fatalmente enfraquecida retirou, ao fim de 10 anos da
guerra contra a guerrilha afegã, tendo sofrido mais de 10 mil mortos entre os
seus militares e provocado mais de meio milhão de mortos civis. Já os
norte-americanos resistiram mais tempo, 20 anos, a guerra mais longa da sua
história, tendo sofrido 2200 mortos em combate. Foram acompanhados pelos países
aliados da NATO, que sofreram mais de mil mortos, entre os quais dois soldados
portugueses. As vítimas civis estão estimadas em mais de 30 mil. Joe Biden, que
sempre se opôs a esta presença, decidiu agora tentar virar a página e retirar
todas as tropas do Afeganistão. No norte de Moçambique, em Cabo
Delgado, é com um conflito deste tipo e com o seu custo trágico com que nos
deparamos. Qual o significado de tudo isto? Faz sentido sair do Afeganistão e
esperar ganhar em Cabo Delgado?
Cabo Delgado, tão longe e tão perto
O
que se pode fazer para lidar com os ataques da guerrilha fundamentalista em
Cabo Delgado? Pela minha
parte sublinharia, para começar, que não há, infelizmente, respostas fáceis a
esta questão, mas nem por isso irei fugir à pergunta. Convém começar pela geopolítica. Cabo Delgado é muito longe da capital moçambicana,
Maputo, uns dois mil quilómetros e na fronteira com a Tanzânia, e também na
fronteira do Islão em África. Esta sempre foi, desde o período colonial uma
região periférica, cujos habitantes se queixam de ser marginalizados. Não por
acaso, este também foi um dos principais teatros da guerrilha pela
independência de Moçambique, de 1964 em diante. Cabo Delgado está,
evidentemente, ainda mais longe de Portugal. Na
verdade, a capital afegã, Cabul
está mais próximo de Lisboa (a 6500 km) do que esta região do Norte moçambicano
(a uns 7500 km). No entanto, a geografia que interessa na política
internacional, não é apenas a geografia física medida em quilómetros em linha
reta, é também a geografia humana feita de ligações pessoais passadas e
presentes. Isso explica que a violência do conflito armado numa distante
província do norte de Moçambique, e o drama humano das centenas de milhares de
refugiados, importe muito a muitos portugueses. E não apenas àqueles que
vivem nesta região de África, ou nela trabalham ou investem. Parece
evidente que para a opinião pública portuguesa faz mais sentido um envolvimento
português em Moçambique do que no Afeganistão. Mas para fazer o quê?
O que se passa em Cabo Delgado?
Não
me irei alargar a este respeito. Não faltam boas análises de bons conhecedores de
Moçambique, como
o Fernando Jorge Cardoso, e
excelentes e corajosas reportagens no terreno do nosso Pedro Castro, ou
da Cândida Pinto e
respectivas equipas. Mas
sinteticamente podemos dizer que a situação de insegurança no extremo
norte de Moçambique, nesta região de fronteira com a Tanzânia, tem-se vindo a
agravar desde 2017, apesar de, até recentemente, o governo moçambicano tender a desvalorizar o problema. A situação tem, infelizmente, muitas semelhanças
com o que se tem estado a passar na região do Sahel. Ou seja, a
explosão de uma insurreição armada que procura legitimar-se através duma versão
extremista do Islão. Aproveitando as oportunidades oferecidas por uma região
fronteiriça muito vasta, pobre, e historicamente marginalizada, onde o Estado
está pouco presente. Apostando em redes criminosas ligadas a tráficos
transnacionais e em jovens educados nas versões mais intolerantes do Islão
graças ao financiamento de países do Golfo, bem como na pobreza e no rapto para
recrutar “soldados rasos”. As
estimativas, neste momento, são já de alguns milhares de mortos e de muitas
centenas de milhares de refugiados. A guerrilha foi-se tornando cada vez mais agressiva, com estes
grupos armados a atacarem povoações importantes. O recente ataque a Palma permitiu-lhes
alcançar um importante objectivo estratégico: parar o maior investimento
externo em Moçambique e em toda a África, que poderá chegar aos 30 mil milhões
de euros, para exploração do gás natural no Mar de Moçambique.
Ser ou não ser Daesh
Estes grupos fundamentalistas
violentos, activos no Norte de Moçambique, reclamam uma filiação com o Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico. O que alimenta alguma confusão que importa
esclarecer. É verdade que não há indicação de que o núcleo duro do Daesh
controle operacionalmente este grupo armado moçambicano. O dado
fundamental, porém, é que esta filiação corresponde a objectivos importantes
para os dois lados. A estes grupos armados activos no norte de Moçambique dá legitimidade, visibilidade e o acesso a
uma rede de apoio globais. Ao núcleo
central do Daesh, ela permite fazer
prova de vida e mostrar que continua a ser uma ameaça real e relevante, capaz
de mobilizar apoios distantes, mesmo depois de perder o controlo de vastos
territórios no Iraque e na Síria.
Sobretudo,
esta filiação também nos diz muito sobre o que podemos esperar deste
grupo armado em Cabo Delgado. Desde logo, uma violência extrema
contra as populações locais, de acordo com uma visão fanática e extremista do
Islão que é rejeitada pela maioria dos muçulmanos africanos, educados na fé
tradicional de confrarias sufis, mais sincrética e tolerante. Depois, a
violência extrema contra alvos europeus onde quer que os possam atingir e sem
qualquer distinção.
Em
Cabo Delgado vive-se, portanto, uma insurreição
armada, um conflito irregular que o governo moçambicano e as suas forças
armadas têm grande dificuldade em reconhecer em toda a sua gravidade e em
enfrentar com eficácia. Nisso,
diga-se, Moçambique é um caso perfeitamente típico. É sempre muito
embaraçoso para qualquer governo reconhecer que enfrenta um levantamento
armado. É sempre muito difícil a qualquer força militar convencional adaptar-se
rápida e facilmente a um conflito não-convencional, com exigências muito
diferentes. Este é, porém, o primeiro passo, difícil mas
indispensável, para uma solução – reconhecer o tipo de conflito que se está a
enfrentar e perceber o inimigo que se enfrenta.
O que fazer? Combater melhor, reconstruir melhor
Há dois aspectos que são
indispensáveis para derrotar uma insurreição armada: por um lado, uma resposta militar adaptada a um
conflito irregular, por outro, convencer
a população local de que o grande obstáculo ao desenvolvimento da sua região
são os guerrilheiros.
Para derrotar estes grupos é preciso
isolá-los de apoios exteriores, mas também de quaisquer apoios ou cumplicidades
internas. É, portanto, vital, que as forças militares tenham sempre presente
que o apoio da população civil é mais importante neste tipo de conflito do que
o controlo do território. Um combate eficaz à guerrilha exige uma reposta holística
e integrada: libertar
um território de insurgentes, para depois melhor o controlar, reconstruir e
reintegrar as populações no Estado nacional.
Era, por isso, muito desejável que o governo de Moçambique, com o
envolvimento de líderes locais e com a ajuda de parceiros internacionais,
apresentasse um ambicioso Plano Estratégico para o desenvolvimento do Norte de
Moçambique que mostrasse que, pelo menos parte dos proventos da exploração do
gás natural ficarão nesta região, sob a forma de postos de saúde e hospitais,
de estradas, de abastecimento de água, de escolas, de programas de apoio às
empresas locais. Seria fundamental ter um Comando Conjunto militar, mas também
político e económico para a região.
Desse
ponto de vista, o envolvimento de actores externos, como a
União Europeia, com grande experiência na ajuda ao desenvolvimento,
poderá ser útil para dar credibilidade a uma iniciativa deste tipo, garantindo
mais transparência e escrutínio, permitindo o seu financiamento numa fase
inicial, até os proventos da exploração de gás começarem efectivamente a
surgir.
Evidentemente, as empresas envolvidas nestes muito lucrativos investimentos
deveriam também ser responsabilizadas no sentido de mostrarem que levam a sério
a sua responsabilidade social ao nível local e nacional em Moçambique e não
apenas a protecção das suas instalações e pessoal.
Militarização: uma falsa questão
Creio que é claro que não vejo uma
solução puramente militar para este problema. Porém, debater se se deve ou não
“militarizar” o conflito é, infelizmente, uma discussão que não faz sentido. O
inimigo tem um voto fundamental na matéria. E não vejo quaisquer sinais de que
estes grupos extremistas vão abdicar do recurso à violência, voluntariamente ou
por via negocial. Quando
é que o Daesh, com o qual
se identificam publicamente, o fez? No máximo, poderá ser possível criar um
programa, com incentivos legais e financeiros, que encoraje alguns dos seus
recrutas, muitas vezes forçados, a desertarem voluntariamente. Mas uma acção militar eficaz é indispensável até para criar condições para isso. Sobretudo, é indispensável
para garantir a segurança mínima indispensável para uma ajuda humanitária efectiva
e para criar condições para projectos de desenvolvimento ou de investimento.
Fundamental
para essa resposta mais eficaz será desenvolver forças especiais altamente
móveis, de preferência aerotransportadas, muito robustas que possam rapidamente
reagir quando se verificam ataques ou quando são detectados insurgentes.
Mas não menos indispensável é uma boa informação que permita identificar,
localizar e antecipar ataques destes grupos. Só assim se poderá, tanto quanto
possível, procurar minimizar os mortos civis nestes confrontos. É também
desejável ter outro tipo de forças, mais numerosas, que tenham alguma capacidade
defensiva face a estes grupos armados e estejam mais próximas das populações
locais, com o cuidado de não criar milícias étnicas.
Limites e possibilidade da ajuda
militar externa
Parece-me
evidente que Moçambique está a precisar de algum tipo de ajuda militar
externa para lidar melhor com vários destes aspectos da luta contra esta
insurreição armada. O desejável, para acomodar as reservas
compreensíveis do governo moçambicano em salvaguardar a sua soberania e também
para contrariar o discurso deste tipo de grupos, que gostam de apresentar-se
como combatendo “cruzados ocidentais”, será um contributo militar limitado e
orientado para algumas tarefas fundamentais. Mais, importante
que esta seja uma ajuda também africana e não apenas ocidental. Afinal esta é uma ameaça regional, como temos
visto, estes grupos tendem a ser muito fluidos e perigosamente contagiosos,
nunca respeitando fronteiras nacionais.
Um
primeiro contributo positivo, relativamente ao qual já estão a ser dados passos
concretos é ao nível da capacitação. É o caso, nomeadamente de
Portugal, por via da sua cooperação bilateral. O enfoque nas forças
especiais moçambicanas poderá permitir reforçar a sua capacidade de reacção
rápida. Temo, no entanto, que isso não seja suficiente. E que seja
necessário um contributo mais operacional, bem como ao nível das informações e
do apoio aéreo. A União Europeia
não tem tradição neste tipo de missões, e sim em missões de treino e
capacitação, que é o que está em cima da mesa neste momento. Portugal pode
continuar a desempenhar um papel útil a este respeito. Mas estando ciente das
limitações do que pode fazer por si, ou até do grau possível e desejável de
envolvimento europeu.
Em conclusão, o exemplo do
Afeganistão, como também de outras intervenções externas, nomeadamente em
África, por exemplo na República Democrática do Congo, mostra que há limites
para o que uma grande força militar estrangeira pode alcançar neste tipo de
campanhas. No caso do Afeganistão um problema fundamental foi o facto de os talibãs
contarem com forte apoio, santuários seguros, do outro lado da vasta fronteira
com o Paquistão. A questão da fronteira com a Tanzânia será também neste caso fundamental e
pode até ser objecto de algum esforço internacional concertado. No caso do Congo, um problema fundamental foi o facto de os
contingentes das forças de paz da ONU serem muitas vezes extremamente
numerosos, mas mal equipados, com limitada capacidade operacional, com mandatos
pouco claros e pouco robustos. Em suma, mais ajuda
internacional – militar e a outros níveis, nomeadamente de um plano de
desenvolvimento para a região – parece-nos indispensável, mas deve ser bem
calibrada.
Terminamos
com duas certezas: Nada poderá substituir o papel dos moçambicanos
neste conflito. E mesmo
que tudo comece agora a correr melhor, dificilmente haverá uma vitória fácil e
rápida desta insurreição armada. Este é um tipo de conflito que assenta na erosão. Eles
são, por isso e por regra, muito prolongados. Receio
que estaremos ainda a falar do conflito de Cabo Delgado durante anos e não
meses. Espero, em todo o caso que, em breve, comecem a surgir mais boas
notícias.
CAFÉ EUROPA UNIÃO
EUROPEIA EUROPA MUNDO
MOÇAMBIQUE ÁFRICA
Bruno Cardoso Reis (no twitter: @bcreis37), historiador, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e João Diogo Barbosa. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.
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