Não é que nos traga qualquer alívio
imediato, os nossos “buracos negros” habituais, de vidas efémeras com destinos
finais fatais sendo suficientes para nos fazer reflectir no “para além” da
nossa existência de muitos prós e muitos contras, os seus “buracos” mais ou
menos destapáveis, salvo o desconhecido do fim, que nos infunde terror
antecipado. Mas amamos a nossa Terra, e os seus companheiros
de route solar, cujos nomes cedo aprendemos
na escola, com carinho, e causava-nos terror pensar na finitude disto tudo que
nos cerca, e que, embora seja mínimo num universo infinito e tão desconhecido, possa
não existir mais, um dia, postado, é certo, esse dia, também num infinito
espácio-temporal inimaginável. Mas o tal “Baltasar
Sete-Sóis” provou por cálculos de três cientistas, que não haverá tal
buraco para o nosso Sol e acompanhantes, que ele ilumina, e ficamos-lhe
reconhecidos, embora na incerteza de que “Sete-Sóis” permaneça certo nos
cálculos, pelos tempos fora, dada a finitude de tantos dogmas, mesmo
científicos… Para já, gostámos de ler as explicações optimistas dos cientistas,
segundo a interpretação de Teresa
Firmino, e ficar gratos a Quem deu ao nosso Sol um tamanho menor, que não nos arrastará talvez
para o escuro do buraco, embora essa teoria da estrela a tornar-se em anã-branca
não seja menos aterradora. Vamos aguardar.
Pode estar descansado: não vamos ser devorados por um
buraco negro
Três cientistas do Instituto Superior
Técnico de Lisboa quiseram ver se todos os astros acabam um dia em buracos
negros, objectos tão densos e maciços que atraem tudo o que está à volta. Para
tal, fizeram cálculos num supercomputador chamado Baltasar Sete-Sóis, onde
a ciência também se encontrou com a literatura.
PÚBLICO, 12 de Fevereiro de 2014
A pergunta de partida era: poderiam estrelas como o Sol, planetas
como a Terra ou até astros mais pequenos como asteróides transformar-se em
buracos negros, estivéssemos nós dispostos a esperar muito pacientemente
milhões e milhões de anos até surgir essa evolução? A
resposta é que o nosso Sol e a nossa Terra não se irão transformar nesses
monstros supermaciços que sugam tudo o que está em redor – conclui agora uma
equipa do Centro Multidisciplinar de Astrofísica (Centra) do Instituto Superior
Técnico de Lisboa, depois de uma série de cálculos complexos no supercomputador Baltasar Sete-Sóis, nome inspirado em Baltasar Mateus, o Sete-Sóis,
personagem de José Saramago em Memorial do Convento.
À
primeira vista, a interrogação que serviu de base ao trabalho até pode parecer
desconcertante, no sentido em que a opinião unânime da
comunidade científica já era a de que apenas as estrelas muito maciças – com
pelo menos três vezes a massa do nosso Sol
– se transformariam em buracos negros no final da sua vida. Assim sendo, só estas estrelas poderiam originar
astros muito densos, com uma força gravítica tremenda que não deixaria escapar
a matéria nem a luz, uma vez lá caídas.
Quando tivessem consumido todo o combustível
em reacções de fusão nuclear dos seus átomos, o que até aí sustinha estas
estrelas gigantes, a gravidade exercida pela matéria acabaria por vencer outras
forças de resistência e elas contrair-se-iam. Ou seja,
a matéria colapsaria sobre si própria e estas estrelas tornar-se-iam
extremamente compactas. Como a
observação directa destes astros é impossível
– são como um buraco negro no espaço
–, a sua existência tem sido detectada através dos efeitos que causam na sua
vizinhança, como devoradores de matéria e energia que são.
“Ao
fim de 50 anos de estudos, acreditávamos que a Terra, o Sol e outros astros não
colapsam porque existe uma pressão à superfície e dentro dos próprios astros,
que é responsável pelo facto de não nos enfiarmos pelo planeta adentro”, explica ao PÚBLICO Vítor Cardoso,
astrofísico do Centra. “No Sol, essa pressão surge maioritariamente da radiação
que é gerada pela fusão nuclear que ocorre lá dentro. Mas quando uma
estrela muito maior do que o Sol queimava todo combustível, acreditávamos que
não ia aguentar o próprio peso e caía sobre si própria. Pensávamos que a
única maneira de formar um buraco negro seria ter muita matéria e deixá-la cair
sobre si mesma”,
acrescenta o investigador português.
Mas
em 2011, instalou-se a dúvida sobre esta unanimidade: os investigadores polacos
Piotr Bizon e Andrzej
Rostworowski, da Universidade Jaguelónica, em Cracóvia, pegaram nas equações de Einstein na sua teoria da
relatividade geral (de 1915) e procuraram resolvê-las, para encontrar soluções
que descrevessem matematicamente os buracos negros, o que
exigiu o recurso a um supercomputador.
“As equações da relatividade são tremendamente complicadas de
resolver e têm muitas soluções – tal como a ‘fórmula’ da biologia dá origem a
muitos seres vivos diferentes”, explica Vítor Cardoso. “Só muito recentemente,
a começar em 2005 ou 2006, é que conseguimos perceber como conseguir pôr os
computadores a resolver as equações, em situações muito complexas.”
O
artigo que os dois investigadores polacos publicaram, na revista Physical
Review Letters, concluía que mesmo uma pequena quantidade de matéria
acabaria transformada em buraco negro, se estivesse confinada num espaço. Por
exemplo, se estivesse literalmente circunscrita numa caixa hermética.
“Mostraram
que se conseguíssemos manter a matéria fechada numa caixa, de onde não pudesse
sair, se esperássemos e olhássemos lá para dentro, iríamos ver um buraco negro.
O tempo que teríamos de esperar dependeria da quantidade de matéria que se
pusesse lá no início”, esclarece
Vítor Cardoso. “Isso pode não parecer muito surpreendente, mas seria uma
mudança completa de paradigma: não pensávamos que bastaria ter uma
pequena quantidade de matéria para dar um buraco negro, desde que conseguisse
estar fechada num certo sítio.”
A
confirmar-se, esta mudança de paradigma levantaria novos problemas teóricos: “Seria de
esperar que começassem a formar-se buracos negros em muitas circunstâncias”, refere o investigador.
Antes
de mais, teriam logo surgido muitos buracos negros no início do Universo,
nascido há 13.800 milhões
de anos no Big Bang: “Havia
muita matéria concentrada num sítio fechado, e pequeno naquela altura, que era
o próprio Universo. Se a formação de buracos negros aconteceu
no início do Universo, eles teriam sobrevivido e deveríamos ver esses buracos
negros primordiais. Mas não os vemos.”
Suceder-se-iam
outros problemas teóricos, mesmo na realidade com que contactamos todos os
dias. Um exemplo: “Num planeta como a Terra, o mar mantém-se à superfície e
não pode sair daí. Mas, nos resultados dos polacos, se estivéssemos dispostos a
esperar muito tempo, mais cedo ou mais tarde veríamos a formação de um buraco
negro: o mar daria, dentro dele, origem a um buraco negro. É um resultado estranho.”
A
estranheza continuaria. Qualquer coisa de onde a matéria não pudesse sair
acabaria por formar um buraco negro, como a crosta da Terra.
Ao longo dos 13.800 milhões de anos
de evolução do Universo, a realidade já se encarregou de mostrar que estes
casos drásticos de formação de buracos negros não devem acontecer. “Mas, infelizmente, não temos acesso
ao início do Universo. A experiência do dia-a-dia é valiosa, mas tem limites.
Se confiarmos muito nela, o Universo sempre foi como é agora. Não o veríamos a
evoluir. O Sol esteve sempre ali, a Lua esteve sempre ali.”
uDois
meses de cálculos
Por
isso, Vítor Cardoso, juntamente
com o japonês Hirotada Okawa e
o italiano Paolo Pani, todos do
Centra, foram verificar até que ponto os buracos negros podem ser comuns. Fizeram-no
através de simulações numéricas que encontrassem soluções para as complexas
equações de Einstein, utilizando o supercomputador do grupo de
investigação coordenado por Vítor Cardoso, o Baltasar Sete-Sóis.
“Repetimos
os cálculos dos polacos para ver se o cenário tão drástico deles era generalizado”,
explica o investigador. “Será que se forma sempre um buraco negro ou também
pode formar-se uma estrela estável que não vai dar um buraco negro?”
Só que os três investigadores
introduziram algum realismo nas suas simulações. Para tal, consideraram que a
matéria nunca está perfeitamente fechada numa caixa: numa estrela como o nosso
Sol, por exemplo, a matéria vai-se sempre libertando sob a forma de energia, o
que poderia ser suficiente para impedir o nascimento de um buraco negro.
O
que demonstraram, num artigo científico que será publicado na revista Physical
Review D, é que um
buraco negro apenas se forma em circunstâncias especiais. “Parece trivial, mas não é. O nosso trabalho veio
demonstrar que, realmente, a teoria concorda com as observações. Isto
explica a maior parte das coisas que vemos [no Universo]”, diz Vítor
Cardoso.
Que circunstâncias especiais são então essas? “Em princípio, um buraco negro forma-se quando uma
quantidade suficiente de massa está confinada numa zona suficientemente pequena”,
explica outro dos autores do trabalho, Hirotada Okawa, num comunicado do Centra.
Nem
sempre as condições especiais para esse confinamento estão assim reunidas. Por
um lado, os astros com até três vezes a massa do Sol vão dissipando
a sua energia, escapando ao destino de buracos negros. Por outro lado – e embora a matéria atraia
matéria, através da força de gravidade –, também há
outras forças que contrariam a gravidade, como a pressão exercida à superfície
da Terra e que não nos deixa afundar chão adentro. Ou a pressão exercida em astros já maiores do que
a Terra, como o Sol, sustido neste caso enquanto consome o seu combustível
em reacções de fusão nuclear. Já agora,
diga-se que quando o Sol ficar sem combustível e começar a morrer,
daqui a uns 5000 milhões de anos, irá transformar-se numa anã-branca. Expelirá as camadas exteriores, restando um núcleo
comprimido de pequenas dimensões e grande densidade, que ainda assim não
será um buraco negro.
“Como
existem forças repulsivas que
actuam de forma a contrariar a
força gravítica, este confinamento não acontece normalmente e não
estamos rodeados de buracos negros formados a partir de sóis ou de planetas”, conclui Hirotada Okawa. “Descobrimos que, em casos
realistas, pode ocorrer o colapso da matéria, mas não é assim tão fácil”, sublinha também Paolo
Pani, no comunicado.
Portanto, aqui na Terra e nas proximidades não há o perigo de sermos
engolidos por um buraco negro e o que se pensava sobre a sua formação de
mantém-se, segundo os resultados da equipa em Portugal. “O nosso artigo
demonstra que podemos estar descansados. A
gravidade nem sempre ganha”, resume Vítor Cardoso.
Falta
agora pôr debaixo dos holofotes o Baltasar
Sete-Sóis – o supercomputador que passou cerca de dois meses a
resolver as equações de Einstein, para que a equipa pudesse chegar a estas
conclusões. Tornou-se
uma realidade quando, em 2010, Vítor
Cardoso ganhou um milhão de euros do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na
sigla em inglês). “[O dinheiro] era para estudar os segredos das equações
de Einstein, incluindo os segredos sobre os buracos negros”, conta o
investigador, que com cerca de 100
mil euros comprou o supercomputador.
Havia
depois que lhe dar um nome. Como Vítor Cardoso e a sua mulher, designer,
gostam dos livros de José Saramago, foram falar com Pilar del Río, que viveu
com o escritor. O cientista e a designer disseram-lhe que tinham
encontrado inspiração em Baltasar, o Sete-Sóis, personagem de Memorial do
Convento que, ao perder a mão esquerda na guerra, foi mandado embora do
exército. Encontrou trabalho no estaleiro do convento de Mafra, onde conhecerá
Blimunda, e ajudará o padre Bartolomeu Lourenço a construir a passarola.
“É
Baltasar Sete-Sóis que ajuda o padre Bartolomeu a construir o sonho: uma
máquina voadora. Ele é que dá o trabalho para se construir essa máquina, apesar
de ser outra pessoa que ia voar nela”, nota Vítor Cardoso. “No nosso caso, a
máquina é que nos ajuda a resolver as equações, a máquina é uma amiga.”
TÓPICOS
CIÊNCIA UNIVERSO ESPAÇO ASTROFÍSICA
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