segunda-feira, 5 de abril de 2021

Apoios sociais


E porque não? E assim o tempo vai passando, até ver. O que é importante é que os supermercados continuem abarrotados, onde não faltam as frutas importadas e demais produtos da nossa sofreguidão. A “drôle de guerre” é lá com eles.

OPINIÃO: A democracia a funcionar

Se lei dos apoios sociais passar e for considerada constitucional, nunca mais a demagogia conhecerá um freio.

ANTÓNIO BARRETO        PÚBLICO, 3 de Abril de 2021

Acabou a paz. Mas não começou a guerra. Ressalvem-se as comparações, mas houve em tempos uma situação tão estranha que ficou para a história com designação apropriada: a “drôle de guerre” ou a “phoney war”. Depois de a Alemanha ter invadido a Polónia e de a Grã-Bretanha e a França terem declarado guerra aos alemães, viveu-se um período estranho, durante uns meses, em que as potências estavam em guerra, mas nada acontecia. Esse período, entre Setembro de 1939 e Maio de 1940, ficou famoso na história e ganhou aquele epíteto. Terminou, como era de esperar, em desastre.

Entre nós, salvaguardadas as proporções, entre instituições soberanas, entrámos em período já sem paz, mas ainda sem guerra. Apesar de os partidos e o Presidente terem deliberadamente posto em causa os equilíbrios existentes, ainda há maneira de coexistir sem dramas excessivos. Mas podemos ter a certeza de que a paz acabou. Os órgãos de soberania estão em guerra, mas nada acontece por enquanto. O Presidente cessou funções de “seguro de vida”. E a previsível inconstitucionalidade da lei que promulgou nada vai facilitar. O entendimento tácito e parcial existente entre o Governo e o PSD dissolveu-se de uma vez para sempre. A solução de colaboração forçada, com tropelias, entre o governo e as esquerdas parece também chegada ao fim. Todos sabem que as próximas eleições, apesar de autárquicas, vão ditar os prazos de vida dos partidos. Ninguém quer ser apanhado em colaboração benevolente com o governo, situação desconfortável em período pré-eleitoral.

Todos sentiram que uma posição desprendida de interesses menores poderia ser prejudicial. São os males e as incertezas dos governos minoritários. Dos governos à bolina. E dos governos à deriva. Mas também são os males do semipresidencialismo. Os políticos fazem cada vez menos o que devem fazer e cada vez mais o que julgam necessário para não perder a face, ganhar uma vantagem, incomodar o adversário e enfraquecer o concorrente.

Esperava-se mais e melhor dos partidos e dos nossos representantes, em tão dramático período. Não se pretendia, com certeza, a unanimidade de políticas, nem a abdicação de pensamentos próprios. Mas esperava-se um sentido elevado das conveniências. Forçar leis no Parlamento faz sentido. Violar a Constituição e promulgar leis inconstitucionais não faz sentido.

FOTO: Governo e Presidente colidiram nas leis dos apoios sociais LUSA/MÁRIO CRUZ

Entre nós, entre instituições soberanas, entrámos em período já sem paz, mas ainda sem guerra. Veremos o que se segue. Mas o clima está criado

Muitos dizem “é a democracia a funcionar”! Certo. O que não quer dizer que seja absolutamente um bem. A democracia a funcionar também pode dar para o torto. Muitas crises começam assim. Vivemos tempos absolutamente difíceis, cada dia traz mais uma complicação, seja sanitária ou financeira, económica ou política. Está criada uma situação de contradição, de afastamento e de desconforto, em todo o caso como tal percebida e sentida, o que faz com que vivamos momento difícil e crítico. Ora, esperava-se que a cooperação fosse mais intensa e mais resistente. Não é. Continua a ser a democracia a funcionar, mas a situação é má.

Deliberadamente, o Parlamento aprovou lei que contraria o governo, que colide com o orçamento e que viola a regra constitucional. O governo justamente reage. O Presidente da República, inesperadamente, promulga, apesar de, para atenuar as eventuais consequências, argumentar com especulação jurídica pouco rigorosa. O governo adequadamente recorre para o Tribunal Constitucional. Veremos o que se segue. Mas o clima está criado.

Da parte das esquerdas, foi o habitual. “Vá-se buscar o dinheiro onde ele está”, o método e a maneira não interessam. Há sempre dinheiro para as boas causas sociais, para o que se vai à dívida, maneira de imprimir moeda. Para as esquerdas, é à bruta ou à força, com ou sem Constituição, o que interessa é a causa social. Da parte do PSD, foi inesperado este exercício de pura demagogia vindo de um partido mais habituado a respeitar as formas. É estranho e inquietante que uma grande parte da esquerda e da direita parlamentar se tenha unido, à volta de um método demagógico e de um propósito claramente inconstitucional, para pôr em causa e incomodar o governo.

Se o Tribunal Constitucional aceitar a lei dos apoios sociais, estará a legitimar a incerteza do direito, a avalizar o governo de assembleia e a legitimar a demagogia.

Há problemas com a acção do governo relativamente à pandemia e aos seus efeitos? Há. Enormes. Com hesitações, guinadas de orientação, má adequação de métodos e serviços, falta de clareza na informação, insuficiência de meios e compreensão medíocres das consequências nas escolas e nos hospitais, pelo menos. Para todos estes problemas há críticas e alternativas, práticas, políticas ou jurídicas. Tudo, menos violar a Constituição.

Logo saberemos o que vai dizer o Tribunal Constitucional. Mas é pouco provável que decida pela constitucionalidade da coisa. Se o fizer, mesmo invocando “estado de necessidade” ou “imprevisibilidade das despesas futuras”, prestará um mau serviço. E então é que não se poderá dizer que é “a democracia a funcionar”. Não. Nessa altura, será a demagogia e a incerteza errática da decisão política contra a certeza do direito.

Se o Tribunal Constitucional aceitar a lei dos apoios sociais, estará a legitimar a incerteza do direito, a avalizar o governo de assembleia e a legitimar a demagogia. Não haveria, depois disso, qualquer razão para impedir que o Parlamento alterasse à vontade os orçamentos, decidisse gastar o que lhe apetece, fizesse demagogia eleitoral e se entregasse voluptuosamente à irresponsabilidade. A tradição de seriedade e de responsabilidade, para já não dizer de rigor, permite pensar que o Tribunal não cairá nesta armadilha.

Houve dirigentes partidários que disseram simplesmente que era necessário porque havia “gente a viver com dificuldades”! Como se a constitucionalidade fosse uma questão de pobreza ou de riqueza. Uma líder partidária garantiu que era constitucional “porque há dinheiro!”. Ficámos a saber que, para esse partido, a constitucionalidade é uma questão de contabilidade. Vários dirigentes, à esquerda e à direita, disseram sem gaguejar que “já antes se tinha feito algo parecido”. Houve quem garantisse que era perfeitamente igual a um orçamento suplementar ou rectificativo. E outros dizerem que a Constituição não quer dizer bem “as despesas”, como diz, mas antes “a despesa” total. O facto de se pretender, agora, gastar primeiro, para depois legalizar, por vida de leis retroactivas, não comoveu os que tentaram fazer o teste ácido. Se esta lei passar e for considerada constitucional, nunca mais a demagogia conhecerá um freio.

Sociólogo

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COMENTÁRIOS

Jose MODERADOR: O que há aqui de vulgar, até ordinário, é os partidos que abominam subsídios, abominam Estado, abominam solidariedade social, têm com senha "Privado! Privado! Privado! Esses partidos e o Sr. Presidente da República deviam apelar ao amor cristão, à virtude da caridadezinha dos ricos que fossilizam ricos façam o que fizerem. Não impõem ao Estado que distribua subsídios com e sem critério. Essa contradição política não tem forma institucional que a salve. A borrada do PR é o esforço criativo do católico cínico que nunca devia ser Presidente da República laica. É para mal da República e dos portugueses. PSD e seus satélites mostraram não ter respeito por si próprios, pelo seu discurso e retórica. Estão de cabeça perdida.          Mario Coimbra INFLUENTE: Pronto, lá está o José a exagerar. O PR aprovou uma lei que mesmo que iria voltar ao Parlamento e ser aprovada outra vez e outra vez. E depois tinha que promulgar. E depois?? Iria para o TC. Assim já lá está. E se calhar a medida é justa mesmo que inconstitucional. PC também tinha muitas medidas boas e justas que foram chumbadas         Mario Coimbra  INFLUENTE: Tem razão. MRS não devia ter aprovado a lei. Mas na verdade está a reduzir o tempo de espera. A lei iria ser votada novamente e novamente até ter que ser aprovada. E depois ia para o TC. Assim vai já e fiquemos a aguardar. O que eu não percebo é o porquê disto. Não podem ser 40 milhões a fazer isto. Tem que haver algo por detrás que com sinceridade me escapa.          Mário Guimarães  EXPERIENTE: Não entendo, então as leis não são para servir o País e as pessoas? Pode ser uma medida necessária, útil, em situação extrema mas se a Constituição não deixa não se faz apesar de a maioria dos representantes do povo aprovar, o Presidente aprovar, o TC aprovar mas uns intelectuais não. Entende-se? Bruno Sommer Ferreira  INICIANTE:  Entende-se... Há regras e modos de as cumprir. Como por exemplo um Governo eleito propor um orçamento rectificativo a ser votado na AR. Ou os partidos da oposição pressionarem o Governo eleito apresentando medidas realizáveis e racionais tornando insuportável ao Governo eleito ignorá-las. Mas isso obrigaria a ter uma classe política de maior elevação e um eleitorado mais exigente. ramalheira63  INICIANTE: Há uma coisa que lhe escapou. Várias propostas de lei já foram apresentadas ao Parlamento e rejeitado o seu debate por serem anticonstitucionais. Por que razão esta proposta de lei não foi rejeitada?          VitorCouto  INICIANTE: Boa questão!          cidadania 123  EXPERIENTE: Aqueles que louvavam as decisões do TC quando servia de contrapoder às decisões do governo e AR, têm agora medo do que diz o TC? A constituição já não serve? O cinismo dos "partidos da constituição " não me surpreende, mas é triste que o povo não acorde, mesmo quando é claramente enganado pelos partidos e deputados

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