terça-feira, 20 de abril de 2021

Não são escombros


É mais do mesmo, cada vez mais aprimorado. Quanto ao facto de ninguém se levantar quando entra o juiz - (segundo um comentário depreciativo) - acontece também nas escolas, quando entra o professor - é a balda democrática, assim que gostamos, e cada vez mais amaremos. Realmente, a indignação tão feroz de AB, julgo que sincera e como sempre em estilo aristocrático, é extemporânea, como se não soubéssemos já todos há muito… Mas outros mais se indignam ou indignaram, tal como andamos sempre às aranhas, enredados nas nossas teias… Temos que nos culpar e desculpar uns aos outros destes nossos maquiavelismos.

 

OPINIÃO: Escombros

Nunca imaginei que fosse possível assistir, em directo, ao quase suicídio de uma instituição. O que se passou nesta última semana andou muito perto disso.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 17 de Abril de 2021

Este não é tempo de heróis. É obra de vilões.

Foi uma sequência meticulosamente encenada. Coreografada ao mais ínfimo pormenor. A pandemia e a distância social imprimiam drama ao espectáculo. A timidez calculada do protagonista trouxe a personagem à beira da inocência. Vultos de togas negras davam o tom da morbidez necessária a uma espécie de Juízo Final. As máscaras disfarçavam os embuçados que pareciam membros de um coro clássico. No fim desta estranha liturgia, sobraram os escombros. De que não nos livraremos antes de muitos anos.

Que pensar daquela encenação inédita? Como se explica que o longo solilóquio tivesse deixado o país suspenso? Será possível que um monocórdico despacho instrutório tenha provocado uma crise no país, na sociedade e no sistema democrático? É possível, sim, porque aconteceu. E foi possível porque se tratou de uma das mais sérias crises da nossa vida colectiva desde 1975.

Nunca imaginei que fosse possível assistir, em directo, ao quase suicídio de uma instituição. O que se passou nesta última semana andou muito perto disso, de um gesto sacrificial ou de uma descida aos infernos. A Justiça portuguesa nunca conseguirá, antes de muitos anos, recuperar uma parcela do prestígio perdido, que já era pouco, mas parecia recuperar gradualmente. Este espectáculo indecoroso foi na verdade o último acto de um folhetim.

Não há memória, em Portugal ou na Europa, de uma cena deste género. É difícil imaginar o que pensam os procuradores, os magistrados, os juízes, os oficiais de justiça, os conselheiros e os desembargadores… Todos foram afectados por estes episódios. De muitos se esperava uma reacção. Até agora, tem sido diminuta.

A confiança no Ministério Público e na Procuradoria-Geral da República, assim como no Tribunal de Instrução, está hoje evidentemente no mais baixo de sempre. Desprestígio contagiante: outras instituições judiciárias, incluindo tribunais de primeira instância, Relações e Supremos, sem esquecer os Conselhos Superiores, o Ministério da Justiça, o Tribunal Constitucional … Ninguém escapa, podem crer!

Não é raro que haja instituições em guerra. Ou grupos em choque, dentro das mesmas instituições. Com certeza que há opiniões diferentes entre magistrados e entre instituições. Mas na Justiça não deve haver controvérsia e rivalidade. A actividade judiciária não é a actividade parlamentar. O confronto adversário entre deputados e a controvérsia partidária não são aqui a regra. Nem sequer deveriam ter significado. O que se está a passar é isso mesmo: a transformação da actividade judiciária num confronto de que os cidadãos só têm a sofrer… É natural que haja diferenças entre magistrados, mas não é natural que sejam os cidadãos a pagar. Nem que a Justiça passe a reger-se pelas normas da actividade parlamentar. A justiça partidária é tão má quanto a justiça popular, a justiça da rua e a justiça do Governo.

Nunca, como hoje, a desconfiança na justiça foi tão grande e tão pública. Toda a gente ficou com a certeza da fragilidade da acusação, de um relativo intento persecutório da instrução e da relativa incompetência do inquérito. Ficou nítido o desequilibrado, moroso e mal fundamentado processo do Ministério Público. Toda a gente ficou com enorme desconfiança do enviesamento do despacho instrutório, cujas debilidades e incongruências estão pelo menos ao mesmo nível que as do Ministério Público. É aterradora a hipótese, até agora não convincentemente desmentida, de manipulação dos sorteios de juízes, pelos vistos com tradição na Relação de Lisboa. Ficou-se mais uma vez com uma péssima impressão da justiça exibicionista e do despotismo de função. Seria bom que todos saibam: Rosário Teixeira, Carlos Alexandre e Ivo Rosa não ficam na fotografia melhor do que José Sócrates, Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva e outros suspeitos.

Chocante, no caso presente, é o silêncio dos responsáveis, dos dirigentes políticos, dos protagonistas judiciais e de todos quanto desempenham funções de direcção, de orientação ou de associação. O silêncio do Governo é o mais confrangedor. Nem sequer consegue exteriorizar uma preocupação, muito menos uma intenção. Não se aceita o silêncio do Governo. Nem o dos socialistas, motivado pelo incómodo cúmplice de quem se envolveu nestes negócios e nestes processos. Os socialistas sabem que é muito fácil ser incluído nas culpas e na desconfiança. Eles sabem que é muito difícil afirmar que não estavam lá e que nada sabiam. Sócrates não estava sozinho. Nunca esteve.

Nestas questões de crises e de reformas políticas e institucionais, uma questão essencial é a da sua responsabilidade principal. Quem pode orientar, dirigir e cuidar de tais reformas? Que partido, que instituição, que poderes ou que grupos sociais podem definir objectivos e estratégias e são capazes de executar tais reformas? Em poucas palavras, quem lidera e quem é responsável?

O cepticismo, no caso da justiça, vê-se confirmado todos os dias. Discute-se, há anos, há décadas, a crise e a reforma da justiça. Os resultados têm sido magros, muito magros. Agora, estamos à beira de apenas ficar com escombros. E infelizmente não se vislumbra quem possa assegurar a liderança das reformas necessárias. Em todo este episódio, o silêncio tem sido medonho. Do Presidente da República, do Governo, do primeiro-ministro, dos ministros, dos deputados, do Parlamento, dos partidos políticos, dos conselhos superiores das magistraturas, dos supremos tribunais, das associações profissionais e da academia

Curioso é que os argumentos dos responsáveis pelo silêncio são o da não-interferência nas questões da justiça e o da separação de poderes. Conhecem-se as expressões mais frequentes. “Não se deve interferir na justiça.” “A justiça deve seguir o seu curso.” “A justiça tem as suas regras que a população não percebe bem.” “Os políticos não se devem meter com a justiça.” “À política o que é da política, à justiça o que é da justiça.” É o que se diz. É o que fica bem dizer. É aquilo com que muitos se defendem. Mas é errado! É o argumento que utilizam os covardes. A justiça é o que há de mais importante. Como alguém disse, a minha liberdade depende da urna de voto e do tribunal. Sobre a justiça, todos devemos falar e pensar. Em casos concretos e em casos gerais. Se a política não se ocupa disto, ocupa-se de quê? Não há nada mais importante.

Sociólogo

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JUSTIÇA  OPINIÃO  OPERAÇÃO MARQUÊS  JOSÉ SÓCRATES  IVO ROSA  MINISTÉRIO PÚBLICO  TRIBUNAIS

COMENTÁRIOS:

Eng. Jorge Simões  INFLUENTE: Excelente texto. Perante o fracasso do Sistema da Justiça, fica justificada e deve até ser exercida a condenação pública, mesmo com o normal risco do erro. Alguma penalização devem ter os corruptos por mais leis que façam para os proteger e facilitar a prescrição.       graça dias  EXPERIENTE: Não poderei deixar de alegar de tudo o que li ao longo da semana sobre o tema aqui em foco, este artigo de AB é o mais eloquente e brilhante de todos. Uma manifestação do bom jornalismo em toda a sua plenitude (muito apreciei o título).          Paco Silva  EXPERIENTE: Todos os serviços públicos são maus, porque foram pensados e organizados por gente pouco competente, arrogante e burocrática. Temos uma justiça medieval e uma Constituição desactualizada e nunca se consegue alterar nada de relevante. Necessitamos uma intervenção europeia na justiça, tão mal isto está e tão incapazes são os nossos políticos e o sistema de justiça. Liberal  INICIANTE: A instituição em causa já se suicidou há muito.          Pedro de Souza  EXPERIENTE: Não me lembro ninguém a pedir uma reforma de Justiça quando na Boa Hora reinava o Juiz Caldeira. Mas vamos dormir que já é tarde.           zepzulo.1052356 INICIANTE: Este sr transpira ódio por todos os poros       ana cristina  MODERADOR: Confundir ódio e crítica, pelos vistos, está na moda entre o adeptos do silêncio. graça dias EXPERIENTE: @zepzulo...-Um leitor que usa "rótulos" desta natureza, lamento, mas só poderei acrescentar que tem o nível de "chinelo".       viana EXPERIENTE: "Em todo este episódio, o silêncio tem sido medonho. Do Presidente da República, do Governo, do primeiro-ministro, dos ministros, dos deputados, do Parlamento, dos partidos políticos, dos conselhos superiores das magistraturas, dos supremos tribunais, das associações profissionais e da academia" Mentiroso. Sabe que mente. Não tem vergonha? Como é que se sente sabendo que a sua desonestidade intelectual é transparente? Está nu. Sabe muito bem que há partidos políticos como BE e PCP que há muitos anos que têm propostas de criminalização do enriquecimento ilícito. Chumbadas pelos partidos, PS e PSD, que defende e nos quais vota, e sempre votou. Propostas da Associação de Juízes. De associações que lutam pela transparência. Mentiroso. Que pretende com a sua mentira? Acicatar os cães danados?...  viana  EXPERIENTE: Ainda hesitei em comentar. Quem é este senhor que andou pelos corredores do Poder durante décadas e só fez asneira, que ainda hoje pagamos? Que nada disse até "ser reformado", e por isso agora afastado do Poder acha que está tudo mal e pior. Não tem a mínima ideia do que as pessoas pensam. Crise no sistema democrático? Já está a salivar? "uma das mais sérias crises da nossa vida colectiva desde 1975"?!... A sério? Indecorosos são artigos como este. Medíocres na incapacidade de argumentar e pensar. "Não há memória, em Portugal ou na Europa, de uma cena deste género." Já agora, no Mundo, Universo! Ridículo. "Ninguém escapa, podem crer!" Principalmente comentadores que não têm uma única ideia, nem sequer tentam tal a incapacidade que reconhecem a si próprios.          Mario Coimbra  INFLUENTE: Tanto fel Viana. Era melhor ter comentado.          Mario Rodrigues.210405  EXPERIENTE: Tudo isto são os frutos da acção da "Organização PS", que aprisionou o partido PS e o país...          Fowler Fowler  EXPERIENTE: Ena pá, que grande dramalhão que para aqui vai. A Justiça não fez o que V.Exa e os seus apaniguados pretendiam? E o governo e o PR não interferiram no processo em curso? Ah, isto não se faz ao sr. Barreto! Estará ele a pensar que vive na Rússia de Putin? Tudo isto é teatro para o Tribunal da R.L. ver. Este e outros inquisidores com bom nome na praça, durantes anos fizeram juízos e moveram um processo contra Sócrates, acusando-o de todos os males do país, bem como à sua família política, esperando dos tribunais apenas a homologação sumária do processo e a aplicação e execução de penas pesadas. Mas, acontece que há gente séria e independente nos tribunais que não se deixa impressionar pela dimensão dos processos nem pela suposta estatura social e moral dos seus dinamizadores.          Mario Coimbra  INFLUENTE: E tem alguma dúvida que Sócrates arruinou o país?? Que memória é que tem, selectiva??          Cesar Neves INICIANTE: Concordo em tudo consigo, com excepção da inclusão de Sócrates e Ivo Rosa na corja dos malandrins. Sócrates é a vítima; e Ivo Rosa, um juiz de coragem que denunciou a badalhocada disto tudo. Bem haja.    Blackdeluxe  INICIANTE: Espero que lhe estejam a pagar bem.        GMA  EXPERIENTE: Mas não é o que fazem, falar da justiça? Porque sabem de leis? Não; pela mesma razão por todos falam de virologia, de saúde,... E quando todos falam, já se sabe o que acontece: é a algazarra, a gritaria! É essa a justiça do Dr. Barreto; a urna, essa continua aberta para uma cada vez maior minoria. A maioria, todos, não só fala de justiça como julga e condena.        Dra Rosa Correia  INICIANTE: De acordo!         Mario Coimbra  INFLUENTE: Mas desde quando temas políticos e sociais têm que ser tratados com paninhos quentes. Sócrates e as acusações de que é alvo não são só tema judicial. Isso é a sua condenação ou não. Agora isto é político e social. E todos podem e devem falar disto. Mais: Sócrates está a ser acusado de.branqueamento de.capitais. Não quer falar disto???         ana cristina  MODERADOR: completamente de acordo. artigo certeiro.          Jose  MODERADOR: E apesar de tudo os portugueses confiam na justiça. AB confia na justiça! As cadeias estão sobrelotadas, com detidos julgados, com sentenças transitados em julgado. Esses são os portugueses comuns, como eu. Há más condições e pessoal a menos nas cadeias cheias. Este mundo real não enfeita crónicas de jornais ou peças de TV'S nem enche de espasmos as redes. O mundo real é um aborrecimento! E não há outro que não seja fantasia.         Issequerabom  INICIANTE: Excelente! "Sócrates não estava sozinho. Nunca esteve" e, acrescento, ainda não está! O sistema de 1976 está podre e não é reformável por dentro!        Jose  MODERADOR: Caro Issequerabom "O sistema de 1976" é a democracia pluralista, liberal, burguesa, capitalista. Já foi revista 7 vezes e voltará a ser revista sempre que 2/3 dos deputados quiserem.   Issequerabom  INICIANTE: Não duvido: "Há que mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma!"          Jose  MODERADOR: Caro Issequerabom Não há momento em que não ocorram profundas transformações no mundo e obviamente em Portugal. É essencial manter na mesma a liberdade e a democracia pluralista, o Estado Social, e de Direito. Há um colossal consenso por essas conquistas recentíssimas em Portugal. O que faz muita falta é a intensificação da luta de classes pela cada vez mais equitativa distribuição da riqueza. Caminhar para a igualdade material, mãe de todas as desigualdades sociais.         1Antonio P. Godinho  INICIANTE: Apenas um "detalhe", acho: - quando o juiz entra na sala, ninguém se levanta, ninguém manda a assistência colocar-se de pé. Nem ele fica á espera que se levantem para prosseguir. É este o respeito actual do estado da justiça: não se respeitam nem se fazem respeitar...      wjsimoes  INICIANTE: Olho para este governo e para quem nele tinha posições de relevo na altura, (ou não?) e não entendo como é que tanta gente nunca se apercebeu de nada. Acho que esse é um dos principais problemas. Ou estavam muito bem e convinha-lhes que fosse assim ou são de uma incompetência e falta de visão que não se pode entender a quem nos governa ou eram simplesmente uns "sim senhor". São sempre os mesmos e, seja qual for a razão, nenhuma delas é admissível. Precisamos de uma explicação de quem esteve ao lado de Sócrates. Não podem fugir a isso. Têm de nos dizer o porquê de não terem percebido, caso contrário, ficará sempre a dúvida do porquê de tanta incompetência, falta de visão, análise e escrutínio. Será que não têm nenhuma consideração por quem governam? Será só vergonha?

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