E aqui estamos nós, receosos de mais conflito
com os avassaladores do mundo. Oremus.
Entre ameaças e demonstrações de força,
Putin sobe o tom e testa limites do Ocidente /premium
Putin procura clareza nas relações com os EUA e está a
testar a reacção do Ocidente, com quem quer falar numa posição de força. É o
momento de maior tensão desde a anexação da Crimeia em 2014.
PEDRO BASTOS REIS:
Texto
OBSERVADOR, 21 abr
2021
Estávamos
em Fevereiro e o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, aterrava em Moscovo para exigir a libertação de Alexei
Navalny, o principal opositor de Vladimir
Putin. Numa conferência de imprensa, ao lado
do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Borrell começou por criticar a forma como o Kremlin lida
com os direitos humanos e acabou em silêncio enquanto Serguei Lavrov disparava em todas as direcções, acusando a União
Europeia de ser mentirosa e de ter duplicidade de critérios. Uma visita
diplomática que foi apelidada de desastrosa e humilhante.
Pouco
mais de um mês depois, numa entrevista à ABC News, Joe Biden acusava Vladimir Putin de ser
um assassino e prometia que a Rússia iria pagar pela
interferências nas presidenciais de novembro do ano anterior. O Presidente
russo respondeu desejando “boa saúde” ao seu homólogo norte-americano.
Estes
dois episódios são apontados como dois momentos decisivos numa escalada
de tensão que veio
aprofundar a crise diplomática entre Moscovo e o Ocidente, que, de acordo com
os analistas, atingiu o nível de maior tensão desde a anexação da
Crimeia. Movimentações militares na fronteira com a Ucrânia,
degradação do estado de saúde de Alexei Navalny na prisão, expulsão de diplomatas de lado a lado
e imposição de duras sanções são acontecimentos que parecem
retirados dos tempos da Guerra Fria, quando o mundo vivia sobre a ameaça
constante de uma guerra de grandes dimensões entre Moscovo e Washington.
Ao longo dos anos, Putin foi
habituando o mundo a uma postura agressiva, repetindo frequentemente que o
Ocidente quer destruir a Rússia. Contudo, as movimentações das últimas semanas,
mesmo para os padrões habituais do Presidente russo, apontam para uma escalada
que remonta a 2014, quando Moscovo anexou a Crimeia, o que tem levantando
questões quanto aos seus reais objectivos e até onde está realmente disposto a
ir com as ameaças.
Quem
esperava clarificação, ou um grande anúncio, no discurso
anual à nação feito por Vladimir Putin esta quarta-feira, terá
ficado algo desapontado. O Presidente russo, que centrou grande parte do
discurso na pandemia de Covid-19, não deu pistas quanto ao que pretende fazer
em relação à Ucrânia, não fez qualquer referência a Navalny e repetiu ameaças
ao Ocidente, garantindo, no entanto, que a Rússia “não pretende queimar
pontes” e que está comprometida com a paz.
“Existe uma
demonstração de força em ambos os lados, mas tanto a Rússia como a Ucrânia não
estão realmente interessadas num grande conflito e num confronto directo”.
Contudo,
Putin avisou que não vai
permitir que sejam ultrapassadas “linhas vermelhas” e prometeu uma
resposta “assimétrica, rápida e dura“ em caso de provocações. “Aqueles que organizarem quais provocações que
ameacem os nossos interesses de segurança essenciais, irão arrepender-se
como há muito tempo não acontece “, ameaçou Putin, que acusou ainda o
Ocidente de planear o assassínio do Presidente da Bielorrússia, Alexander
Lukashenko, e de desestabilizar a Ucrânia.
Alta tensão no leste da Ucrânia
Tendo
em conta que este tipo de palavras duras em relação ao Ocidente tem sido
recorrente ao longo dos anos, é difícil antecipar os passos seguintes.
Certo é que a tensão tem vindo a agudizar-se e tem epicentro no leste da Ucrânia, onde há
várias semanas estão destacadas centenas de milhares de tropas russas — a União Europeia fala em mais de 150 mil soldados.
Os
analistas têm-se dividido sobre as intenções de Putin e até que
ponto pode ou não estar iminente uma intervenção militar, que tanto pode ter como objectivo anexar as
repúblicas separatistas de Donetsk e de Lugansk, onde combatem
separatistas pró-Rússia, como uma intervenção de maior dimensão no
território ucraniano.
“Existe
uma demonstração de força em ambos os lados, mas tanto a Rússia como a Ucrânia
não estão realmente interessadas num grande conflito e num confronto directo”,
afirma ao Observador o analista Andrey Kortunov, que, no entanto, não exclui a
possibilidade de “uma escalada inadvertida causada por um erro de
cálculo ou um erro técnico, ou outro incidente que possa levar gradualmente
para um grande conflito”.
O
diretor-geral do think tank Russian International Affairs Council
(RIAC), com sede em Moscovo, nota ainda que é “muito difícil, senão mesmo
impossível” que Vladmir Putin consiga mobilizar o povo russo em torno de uma
“agenda patriótica” que justificasse uma ofensiva semelhante à de 2014, na
Crimeia, uma vez que a grande preocupação dos russos neste momento é
a pandemia de Covid-19 e a recuperação
económica.
Contudo,
Kortunov alerta que há muitos cidadãos com passaporte russo no Donbass, o
que poderá ser usado pelo Kremlin como justificação para agir em defesa das
“repúblicas” de Donetsk e de Lugansk e dos cidadãos que lá vivem.
“A mensagem que [Putin] quer enviar é
que as questões internas da Rússia apenas dizem respeito à Rússia, e que nem a
União Europeia nem os Estados Unidos têm o direito de as comentar
ou influenciar”
“Estas pessoas com cidadania russa esperam
algum tipo de protecção e penso que será difícil ignorá-las. Putin poderá
ter de fazer alguma coisa para demonstrar que consegue proteger os cidadãos
russos, mesmo os que vivem num país estrangeiro”, sublinha Kortunov, considerando que a Ucrânia tem
exacerbado a tensão naquela região.
Nos
últimos meses, de facto, o Presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, assumiu uma postura de maior confronto com a
Rússia e encerrou vários canais de televisão pró-russos na Ucrânia, impôs
sanções a aliados próximos de Putin e tem declarado abertamente, pressionando
até o Ocidente, para que Kiev entre para a NATO o mais rapidamente
possível, uma possibilidade que é percepcionada em Moscovo como uma
ameaça à sua segurança.
No
entanto, de acordo com o Ocidente, o contingente militar russo na
fronteira com a Ucrânia é o maior desde a anexação da Crimeia. Nesse sentido, a analista Katharine
Quinn-Judge sublinha que a
movimentação de tropas russas “é anormal”, mas não crê que o Kremlin esteja a
ponderar uma ofensiva de grande escala, pelo menos no curto prazo.
“Não
acho que uma intervenção militar seja provável no futuro — isto é, nas próximas
semanas —, mas não a podemos descartar nos próximos meses. Quando as tensões são elevadas, as provocações podem
vir de ambos os lados”, afirma ao Observador a analista do International Crisis
Group, uma organização independente que
trabalha na prevenção de conflitos internacionais.
Na
terça-feira, na véspera de Putin fazer o seu discurso à nação, o Presidente
ucraniano convidou o seu homólogo russo para um encontro no
Donbass, para discutir a paz na região, um convite que ainda não teve resposta.
Zelensky acrescentou ainda que a Ucrânia “não quer a guerra, mas está
pronta para a guerra”.
Navalny,
uma figura “desconfortável” para o Kremlin
Enquanto
nas últimas semanas a tensão subia no leste da Ucrânia, Alexei
Navalny iniciava, no final de Março, uma greve de fome em
protesto contra a sua detenção. Desde então, o estado
de saúde do principal opositor político de Putin tem vindo a agravar-se e
alguns médicos têm alertado que Navalny, desde segunda-feira a ser acompanhado
num hospital-prisão, pode morrer a
qualquer momento.
O
caso tem sido uma das maiores dores de cabeça para o Kremlin e um dos
principais focos de tensão com o Ocidente, numa troca de acusações que se
arrasta desde agosto do ano passado, quando o opositor
russo foi envenenado, tendo sobrevivido após receber tratamento num
hospital alemão.
“Putin quer chamar a atenção de Biden e
negociar a partir de uma posição de força. Biden chamou-lhe assassino, por
isso, agora, Putin está a dizer ‘sim, e os assassinos passam à ação, portanto
terão de lidar comigo'"
Katharine
Quinn-Judge, analista do International Crisis Group
Ao
regressar à Rússia, no início deste ano, ciente de que seria detido, Navalny
desafiou directamente Putin e acabou por ser condenado a dois anos e meio de prisão, o
que intensificou ainda mais as críticas vindas do Ocidente e aumentou a
contestação interna, com manifestações pró-Navalny, como as desta quarta-feira, com milhares de pessoas nas ruas, a
serem violentamente reprimidas.
“Navalny é uma figura muito desconfortável para o Kremlin,
que, na minha visão pessoal, não sabe como lidar com ele”, afirma Andrey
Kortunov. O analista acrescenta, porém, que Navalny
“não constitui uma ameaça imediata para Putin”, uma vez que a sua popularidade
é muito inferior à do Presidente russo, contudo, o opositor russo é o “crítico
mais radical do Kremlin” — o que “pode explicar, mas não justificar, a
abordagem” de Putin.
Depois de prender Navalny, as
autoridades russas parecem querer ir mais longe e, segundo o The Guardian, é
expectável que a Fundação Anti-Corrupção da qual o opositor russo faz parte
seja classificada como organização extremista, um rótulo que no passado foi
aplicado à Al-Qaeda ou às testemunhas de Jeová. A confirmar-se, os seus membros
estarão ainda mais expostos às autoridades e podem enfrentar duras penas de
prisão.
A
perseguição a opositores políticos parece estar relacionada com um receio no
Kremlin de que os aliados de Navalny conseguiam ter um bom resultado nas
eleições para o parlamento russso (Duma),
marcadas para setembro. Esse é,
aliás, apontado como um dos motivos para a intransigência de Moscovo ceder às
pressões do Ocidente em relação a Navalny, apesar de os Estados Unidos terem
alertado que “haverá consequências” caso
o opositor russo morra na prisão.
“A
mensagem que [Putin] quer enviar é que as questões internas da Rússia apenas
dizem respeito à Rússia, e que nem a União Europeia nem os Estados Unidos têm o
direito de as comentar ou influenciar”,
diz ao Observador Gustav
Gressel, analista do European Council on Foreign Relations.
Putin “não se importa” com a UE e quer
“clareza” na relação com EUA
No
que diz respeito ao caso Navalny, ao longo dos últimos meses, a União
Europeia tem feito uma série de declarações a condenar a forma como o opositor
russo está a ser tratado pelas autoridades russas. Bruxelas tem repetido
os apelos sobre defesa dos direitos humanos na Rússia, mas as suas palavras têm
sido recebidas com desdém em Moscovo.
“A
Rússia não se importa muito com o que a União Europeia pensa, porque não a vê
como um actor relevante”, aponta
Gustav Gressel, defendendo
que Bruxelas deve “ganhar força e coragem”, reforçando as suas capacidade de
defesa, de forma a ser levada a sério por Moscovo. “A lição
a retirar de 2014 [anexação da Crimeia] é que a Rússia, independentemente das
suas desculpas formais, vai tão longe quanto lhe permitam”, acrescenta o
analista.
"Putin gosta de clareza nas
relações, gosta de saber o com o que seus parceiros estão comprometidos (...)
acho que vamos ver mais contactos entre a Rússia e o Ocidente nos
próximos meses” Andrey Kortunov, analista
No
que diz respeito aos Estados
Unidos, no
entanto, os analistas concordam que a abordagem de Putin é diferente e a chegada de Joe Biden à Casa
Branca representa uma mudança nas relações entre Washington e Moscovo, com o
Presidente norte-americano a deixar bem claro que pretende uma abordagem mais dura.
Depois de ter chamado assassino a Putin,
acusando o Presidente russo de interferir nas presidenciais norte-americanas e
de ser responsável por ataques informáticos aos EUA, Biden impôs sanções a figuras próximas do
Chefe de Estado russo e seguiu-se a diplomatas de parte a parte, com os
embaixadores chamados às respetivas capitais. As movimentações recentes por
parte de Putin podem, por isso, ser vistas como uma demonstração de força
perante Biden.
“Putin quer chamar a atenção de
Biden e negociar a partir de uma posição de força. Biden chamou-lhe
assassino, por isso, agora, Putin está a dizer ‘sim, e os assassinos passam à acção,
portanto terão de lidar comigo’”, afirma Katharine
Quinn-Judge, do International Crisis Group.
Por
outro lado, pouco depois de tomar posse, Joe Biden prolongou o tratado de limitação de armas nucleares
New START com a Rússia, e apesar das duras críticas e ameaças
ao Kremlin, o Presidente norte-americano convidou o seu homólogo russo para uma
cimeira, num local neutro, que poderia ser um passo importante para a melhoria
das relações ente Washington e Moscovo.
“Putin
gosta de clareza nas relações, gosta de saber com o que é que os seus parceiros
estão comprometidos. É por isso que ele respeita [o Presidente turco,
Recep Tayyip] Erdogan,
apesar de a Turquia e a Rússia terem muitos conflitos de interesses”, afirma Andrey Kortunov, para justificar porque é
que o Presidente russo estará disposto a reunir-se com Biden.
“A porta do diálogo continua
aberta e acho que vamos ver mais contactos entre a Rússia e o Ocidente nos
próximos meses”, antevê o
director-geral do RIAC, um think tank que é conhecido por ser levado
em conta pelo Kremlin. “Não quero soar demasiado optimista,
porque acho que há grandes desentendimentos em relação a questões essenciais,
mas isso não significa que nada possa ser feito”, concluiu o analista
VLADIMIR
PUTIN RÚSSIA
MUNDO OCIDENTE ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA UCRÂNIA
EUROPA
COMENTÁRIOS:
PortugueseMan: ...Estávamos em
fevereiro e o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, aterrava em Moscovo
para exigir a libertação de Alexei Navalny, o principal opositor de Vladimir
Putin... Borrell vai a
Moscovo para exigir a libertação de Navalny...? É para isso que
ele vai a Moscovo? O homem realmente deu-se a muito trabalho. Mas gosta. Borrel tem uma lista infindável
de viagens a países com presos políticos. Vai lá, exige e dá nas orelhas dos
tipos. Será que não foi lá por mais razão nenhuma...? não aproveitou a
viagenzinha para mais nada...? Quanto à
questão ucraniana, uma vez mais um artigo que foca apenas as deslocações de forças
russas e refere-o mais do que uma vez. Não há uma única referência quanto às
deslocações ucranianas com armamento pesado, para a linha de contacto, e que
está proibido pelo tratado de Minsk. Curiosamente, este tratado também não é
referido uma única vez. Só se dá relevância à deslocação das forças russas. O
aviso é claro. Se a Ucrânia romper com o tratado de Minsk e tentar resolver
pela força a questão dos territórios rebeldes, desta vez haverá uma resposta ao
estilo do que aconteceu quando a Geórgia atacou. Mas bem mais grave. Embora
o artigo não foque, considero que toda esta situação está a
ser causada por estarmos à beira de ver o segundo pipeline para a Alemanha
(Nord Stream 2) nos momentos finais. Após isso, a Ucrânia de nada vale. Para
ninguém. Esta é das últimas oportunidades para tentar parar a
construção. Sobre este assunto da Ucrânia, o artigo, deveria ter menos
referência a "especialistas" e "Think tanks" e ir buscar
a informação à fonte. O autor deveria ir ler os relatórios da OSCE,
sobre as movimentações e ataques diários que estão a ocorrer na Ucrânia e o que
o tratado de Minsk, estipula. Mas parece que não é do interesse do autor, nem
do Observador, falar sobre certos pontos de vista, pois estraga a narrativa que
se quer passar.
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