quarta-feira, 21 de abril de 2021

As prescrições impedem as proscrições


E ainda bem que assim é, na nossa esfera de pacatez...

OPINIÃO

O juiz, a deputada, o advogado, o professor e o filho dele

Deixem-me esclarecer que não é a reputação das pessoas que está em causa, mas esta bambochata de ligações familiares, financeiras ou políticas. Somos um país dominado por uma elite minúscula que vive em circuito fechado, pejada de conflitos de interesses.

JOÃO MIGUEL TAVARES

PÚBLICO, 20 de Abril de 2021

A história do acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional, de que falei aqui na semana passada e que Ivo Rosa utilizou para mandar abaixo toda a Operação Marquês  (com o argumento de que o prazo de prescrição para os crimes de corrupção activa começou a contar em 2006, e portanto tudo estava prescrito), ficou ainda mais interessante com as informações reveladas pelo programa da RTP Sexta às 9.

Em primeiro lugar, ficámos a conhecer o nome do advogado que interpôs o recurso junto do Tribunal Constitucional (TC) a que Ivo Rosa se agarrou com grande entusiasmo. Chama-se Rui Patrício, e é um ás na sua profissão. Em 21 de Março de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça tinha condenado um cliente seu a cinco anos e sete meses de prisão pela prática de nove crimes de corrupção activa e dois crimes de peculato (trata-se de um caso de processos de falência que não envolve figuras públicas). Em meados de 2018, o advogado recorreu ao TC, argumentando que os crimes de corrupção estavam prescritos.

Graças a Deus, a justiça nem sempre é lenta, e o TC deu-lhe razão a 6 de Fevereiro de 2019. Numa jogada de mestre, Rui Patrício ganhou em vários tabuleiros: inocentou directamente o cliente das falências com aquele acórdão, e inocentou mais três clientes por tabela. Como? Simples: Rui Patrício é também advogado de Helder Bataglia, de Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e de Rui Horta e Costa (ex-administrador do empreendimento de Vale do Lobo), todos eles não pronunciados por decisão de Ivo Rosa com base no acórdão 90/2019, que lhe caiu no colo a meio da instrução da Operação Marquês.

Mas há mais. Graças ao Sexta às 9, ficámos também a saber por que razão Manuel da Costa Andrade, então presidente do Tribunal Constitucional (abandonou este ano o cargo), não participou (e bem) na decisão da 1.ª secção do TC. Costa Andrade estava impedido de o fazer, porque em Novembro de 2015 (quando ainda não estava no TC) assinou um parecer encomendado por Rui Patrício, no qual defende a tese da prescrição dos crimes de corrupção a partir do momento da promessa, invocando para isso o respeito pelo princípio da legalidade, argumento central utilizado pelo juiz relator Claudio Monteiro no acórdão 90/2019.

Esse parecer, curiosamente, não foi assinado só por Costa Andrade. Foi assinado também pela professora Cláudia Cruz Santos, actual deputada do PS, e não por acaso citada pelo próprio juiz Claudio Monteiro, ex-deputado do PS, no acórdão 90/2019. Como se as coincidências não bastassem, ainda há mais uma: Manuel da Costa Andrade, ex-deputado do PSD, é pai de João Costa Andrade, advogado de José Paulo Pinto de Sousa, o fidelíssimo primo de José Sócrates, que também escapou à pronúncia.

Há quem afirme que o mero elencar destes factos é uma forma ínvia de pôr em causa a reputação de pessoas respeitáveis, sobre as quais não recai suspeita alguma. Deixem-me esclarecer que não é a reputação das pessoas que está em causa, mas esta bambochata de ligações familiares, financeiras ou políticas. Somos um país dominado por uma elite minúscula que vive em circuito fechado, pejada de conflitos de interesses, porque o advogado já encomendou pareceres ao juiz, o filho seguiu as pisadas do pai, a professora está no Parlamento a sonhar com o TC (com uma perninha no futebol) e o político, o banqueiro ou o grande empresário que de repente é apanhado sabe muito bem a que portas ir bater para se safar. Isto é o sistema. Não foi criado por Sócrates. E continuará muito para além dele.

Jornalista

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POLÍTICA  OPINIÃO  OPERAÇÃO MARQUÊS  JUSTIÇA  JOSÉ SÓCRATES  CORRUPÇÃO  IVO ROSA

COMENTÁRIOS:

DemocrataXXI  EXPERIENTE: Não há, como não concordar a 100% .           Cesar Neves  INICIANTE: Esta personagem está á rasca. Sabe o que lhe vai cair em cima da cabeça, quando a justiça internacional lhe cair em cima, por ser um dos colaborantes da violação dos direitos de cidadania de Sócrates. Assim agarra-se a tudo e mais alguma coisa, mesmo que o tudo e o alguma coisa seja nada. Pretende ele desacreditar Ivo Rosa, atirando para cima de mesa, um desconchavo da justiça que aparentemente é desfavorável ao juiz. Só que esquece um pormenor: é que se a justiça desconchavou no caso que refere; com maioria de razão desconchavou com Sócrates. Quem desconchava um caso, desconchava muitos. Ou seja: é ele que dá força á hipótese do desconchavo da justiça sobre Sócrates. Da próxima vez, entorte mais a língua quando puxar pela cabeça, para ver se consegue arranjar argumentos de jeito.           Luis  EXPERIENTE: Excelente artigo que ajuda a entrever algumas formas e práticas ocultas no nevoeiro. Tantos nomes importantes, tanta elite, onde só parece faltar o de Carlos da Maia. Mas talvez todos eles se juntem para mandar fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas. Luis  EXPERIENTE: Porque será que em Portugal o elevador social está tantas vezes avariado? "Não temos culpa, é falta de manutenção, as peças têm de vir do estrangeiro, demoram muito."; dizem os senhorios que vivem numa lindíssima vivenda em condomínio fechado, mas pertinho, mesmo ao lado.        Adv  EXPERIENTE: Já todos sabemos há muito tempo que m Portugal existe um "bloco central dos interesses". E quem não sabe, abra os olhos para a realidade.       A2 EXPERIENTE: Tantos Costas, tantos Silvas, tantos Sousas! Então e Tavares?! São todos primos!        DNG.  MODERADOR: O MP não tinha obrigação de conhecer esse acórdão? "Há quem afirme que o mero elencar destes factos é uma forma ínvia de pôr em causa a reputação de pessoas respeitáveis, sobre as quais não recai suspeita alguma" O autor.  JAMartins  INICIANTE: Diz bem. Elencar de factos. Qualquer pessoa minimamente inteligente olha para factos e tira conclusões. O que distingue uma pessoa respeitável de um vigarista são as conclusões que cada um tira sobre os mesmos factos.          jcandido  INICIANTE: Clarividente e eloquente. Nunca tinha pensado nesse esquema tão intrincado e rebuscado. Parabéns por nos explicar todos estes meandros tenebrosos.         Fowler Fowler EXPERIENTE: A pulhice deste jornal contra Sócrates, assim como a utilização da Operação Marquês pela Direita contra o PS, parece não conhecer limites.          JAMartins  INICIANTE: cronologia: 21/11/ 2014 - Sócrates é detido à chegada a Lisboa. 26/11/2014 - Mário Soares visitou Sócrates. 27/11/2014 - O advogado Proença de Carvalho, num comentário à TSF, ataca os pressupostos invocados pelo Tribunal Central de Instrução Criminal para fixar a medida de coacção máxima para José Sócrates. 2/12/2014 - Almeida Santos visita Sócrates. 23/12/2014- Ferro Rodrigues visita Sócrates na prisão. 31/12/ 2014 - António Costa visita Sócrates na prisão. 16/03/2015 - Supremo Tribunal recusou saída de Sócrates. ---- Viram que por aqui, não dava. Havia que contornar... 28/03/2015- Começam manifestações de apoio a Sócrates e é até criado um hino. Novembro de 2015 – Costa Andrade assina um parecer, encomendado por Rui Patrício, defendendo a prescrição dos crimes de corrupção a par.         Mario Coimbra  INFLUENTE: Que vocabulário mais vulgar Fowler. Francamente. O PS pôs-se a jeito. Mas existem casos no PSD. Não fique tão triste. Na caderneta dos cromos o PS tem o cromo de Sócrates que vale muito mas o PSD tem Isaltino e muitos outros por aí fora. Mesquita em Braga também é vosso e tal.        DavidGomes  INICIANTE: Querem corromper alguém de forma legal? Então façam assim: Combinam com alguém que exerça um cargo com poder o pagamento de 5 milhões a troco de um determinado favor, o pagamento será efectuado um mês após a prescrição do crime de corrupção. O pagamento não precisa de ser em notas, pode ser por transferência bancária, visto que já não podem ser condenados por corrupção. Convém fazer um contrato escrito para que não existam dúvidas sobre a data do acordo, e como é dinheiro recebido de forma ilícita não paga impostos, é dinheiro limpinho.        Jorge Sm  MODERADOR: Santa ignorância...         DavidGomes  INICIANTE: Nada impede a corrupção da forma que sugeri. Ignorante é quem não percebe isso.         Francis  EXPERIENTE: Elementar. É a única conclusão que se pode tirar do tal acórdão. A chatice são os impostos a serem cobrados pelo fisco. Mas, como dizia uma jurista no programa sexta às 9, isto não é matéria para o tribunal Constitucional mas sim para os tribunais comuns, o que coloca ainda mais suspeitas na intenção do tal acórdão ...          Jorge Sm  MODERADOR: Mais uma crónica deplorável, a juntar à anterior sobre o assunto, quanto à qual JMT ainda não teve a decência de pedir desculpa, por os seus leitores terem sido enganados. Os juízes têm o dever de recusar a aplicação de normas inconstitucionais, haja ou não acórdãos do TC. O juiz não precisava do acórdão do TC (que nem era vinculativo para outros processos). Melhor demonstração não há: no caso Isaltino (e noutros), a decisão foi exactamente no mesmo sentido e ainda não havia acórdãos do TC… O problema é que JMT andou anos a elogiar o MP no caso Sócrates e ainda não foi capaz de dar o braço a torcer: o MP foi imprevidente, pois devia ter contado com esta forma de contar o prazo de prescrição, que não era novidade para ninguém. Tinha até sido defendida…pelo próprio MP, no caso Isaltino… jcandido  INICIANTE: Uí, Sentiu-se tocado?            SC RIBEIRO EXPERIENTE: JMT é perito em dizer algo e logo de seguida o seu contrário. Defende pseudo interesses da populaça ou plebe, ou fica entusiasmado a pensar que defende. Manter estes "pensadores" na frente opinativa é grave...na subtileza e no verbo que usa.    AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade           INICIANTE: Um país de trafulhice encoberto por um manto de cumplicidades que legalizaram o que era ilegal. E isto, com a passividade de todos aqueles que deveriam defender o sistema e a ética do mesmo. Quem puder que emigre. Estamos sem remédio.          JPR_Kapa  INFLUENTE: Esta linha de argumentação de JMT, ele próprio um membro de uma facção da elite que se digladia pelo poder, presta um mau serviço à pedagogia e convivência democrática e é uma viciação em cinismo (não põe em causa a reputação, mas logo a seguir está a denegri-la, apelando a sentimentos primários). Nesta lógica maquiavélica, ninguém, mesmo independente e com participação cívica, está imune à acusação de qq coisa, só porque o faz; se colabora com um partido o anátema é maior (ser independente, só qd JMT acha!). Esta é uma perseguição aos partidos, em democracia, típica de populistas. Além do mais o tema que usa para mais esta vendetta, é matéria que há muito não é consensual no mundo do direito, com boas justificações em ambos os lados. Um processo de intenções que torna rasca qq discussão.       Manuel Pessoa  EXPERIENTE: Então se JMT não põe em causa a reputação das pessoas envolvidas, porque é que as associa a uma elite minúscula que vive em circuito fechado, pejada de conflitos de interesses - uma bambochata de ligações familiares, financeiras ou politicas. Para mim, uma de duas: ou são pessoas sérias e idóneas cujos pareceres, decisões ou julgamentos são produzidos sem atender aos laços que porventura tenham; ou são pessoas volúveis (não sérias) que emitem pareceres ou proferem decisões tendo subjacente interesses pessoais. No 1º caso - gente séria - respeita-se (mesmo discordando) o que produziram. Só no 2º caso (gente não confiável) é que é legítimo levantar suspeitas, sugerir desconfiança sobre posições que assumam, pareceres que emitam. Tem de escolher, JMT.          henrique Mota EXPERIENTE: 2015: Manuel da Costa Andrade, (quando ainda não estava no TC) assinou um parecer./ Março de 2018: O STJ condenou alguém pela prática de nove crimes de corrupção activa e dois crimes de peculato./ 2019: O acórdão n.º 90/2019 do TC teve em conta o parecer e considerou o crime prescrito/ 2021: Ivo Rosa decidiu com base no acórdão 90/2019./ De Fev de 2019 até agora ninguém contestou o parecer?       JAMartins  INICIANTE: Para enquadrar a sua cronologia: 21 de Novembro de 2014 - José Sócrates é detido à chegada a Lisboa. 26 de Novembro de 2014 - Mário Soares visitou José Sócrates. 27 de Novembro de 2014 - O advogado Proença de Carvalho, num comentário à TSF, ataca os pressupostos invocados pelo Tribunal Central de Instrução Criminal para fixar a medida de coacção máxima para José Sócrates. 2 de Dezembro de 2014 - Almeida Santos visita Sócrates. 23 de Dezembro de 2014 - Ferro Rodrigues visita Sócrates na prisão. 31 de Dezembro de 2014 - António Costa visita Sócrates na prisão. 16 de Março - Supremo Tribunal recusou saída de Sócrates. ---- Viram que por aqui, não dava. Havia que contornar... 28 de Março de 2015 - Começam manifestações de apoio a Sócrates e é até criado um hino. ... deboraricardo.954845  INICIANTE: É realmente triste e revoltante... A pergunta que se impõe é "Então e o que podemos nós fazer?"         Mário Guimarães  EXPERIENTE: Assustador para qq pessoa. Ainda bem que há jornalismo de investigação que destapa isto. Parabéns.           AM.242743  INFLUENTE: Agora temos um JMT jornalista de investigação... será que o próprio sabe disso? Makidada  EXPERIENTE: Jornalismo de investigação??? Esta é mesmo genial!

 

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