Mais um texto – este de Maria João Avillez, com o seu humor
e sabedoria habituais – sobre o caso do nosso actual clamor justiceiro. Só me
lembrei do Júlio Dinis, como
comentário de apoio. É de um texto retirado de “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, sobre o fabrico do pão caseiro, como
aquele a que eu também assisti na minha infância. Ana do Vedor, mãe do Clemente, falava com
Maurício com a
costumada energia e interrompeu o seu diálogo para ela própria rematar o
trabalho que as moças ajudantes desenvolviam morosamente:
«”Ó
raparigas, então esse pão ainda não está amassado?” E não lhe sofrendo a impaciência de ânimo e inacção,
aproximou-se da masseira, e afastando as moças que lhe cederam o lugar com
deferência, remexeu, com o vigor dos seus desenvolvidos músculos, a massa que, sob
tal motor, cedo adquiriu a consistência precisa. Depois amontoou-a alisou-a,
traçou-lhe em cima com a mão uma cruz e murmurou: “ S. Vicente te acrescente S.
Mamede te levede”. Cobriu-a com a
baeta, e depois acrescentou, voltando-se para a sua gente: - “Ora aí o têm;
agora olhem-me por esse forno, que são horas”.»
Assim amassamos nós a nossa justiça. Com
o vigor da Ana Védor. E com S. Vicente a acrescentar e S. Mamede a levedar. Até
ao pão seguinte, ou seja o caso, o forno sempre bem aquecido…
Os convictos e os inconsoláveis /premium
O caso divide o país
transversalmente. É errado radiografá-lo à esquerda ou à direita. Não é todos
os dias que se atira um processo ao chão com “deficiências” tão estrondosas.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR, 14 abr 2021
1Tantos
equívocos, quantos enredos. Desgraçadamente, o Portugal da opinião publicada
(o outro não sei e tenho pena de não saber) lembra um gigantesco
Benfica-Sporting. De um lado, os inconsoláveis “acusadores” de Sócrates,
que queriam mais sangue, do outro, os tão convictos defensores das decisões de
Ivo Rosa, reduzindo, assim, com a leveza de uma valsa bem dançada, a questão do
terrível estado da Justiça portuguesa a um combate quase escabroso. Como foi
possível que o pilar essencial do Estado de Direito se tenha despenhado deste
modo pelas suas próprias escadas abaixo, mesmo sendo certo que já as tinha
começado a descer há muito?
Se há questão, por natureza, acima de
qualquer outra, é a Justiça; se há gente que nos exigiria respeito automático,
são os seus oficiantes; se há símbolo que por si só nos deveria transmitir
confiança, são aquelas duas balanças. Deixou de acontecer uma coisa, e outra, e
outra. Pobres de nós.
2Em vez de Justiça confiante e
confiável há um terreno pulverizado.
Não é, porém, de hoje, o daninho adubo nem de agora as piores suspeitas. O que é
de hoje é a gelada constatação, a olho nu e ouvido agudo, do mal a larvar
assim: impune, corroendo a Justiça e corrompendo o seu próprio tecido onde
esgrimem sem piedade nem responsabilidade os seus diversos protagonistas. Do mal, sim. Para muitos, talvez quase todos, o
mal seria Sócrates ele próprio, mas não é nele em quem penso neste momento.
(José Sócrates apenas deu azo e razão aos que há muito o acham um produto de
uma mente desconjuntada e doentia e que melhor prova disso, que o
alucinante show que ele produziu, realizou e interpretou à saída da
sessão instrutória?)
Não, o que me interpela, aflige e envergonha é o factor Justiça: o seu estado de saúde, a noção quase
física, concreta, real, da indiferença que provoca a sua doença, a paulatina
eternização de um malsão estado de coisas.
3Só há dois
juízes, dois (quem não sabe, que pasme!), de instrução criminal… E se não desse vontade de chorar a assombrosa
normalidade com que o próprio universo judicial convive com tão modesto número
de juízes disponíveis para tão pesada função, daria uma hilariante vontade de
rir. Os dois chamam-se Carlos Alexandre e Ivo Rosa e, azar nosso e actividade a deles, odeiam-se
entre si, “desconfiam-se” e torpedeiam-se.
Depois, há uma lendária, embora, infelizmente, também carnivoramente
real guerra civil entre o Ministério Público e Ivo Rosa e vice-versa. Guerra dura, crua e antiga. Não se consideram nas
respectivas funções, descrêem nos respectivos métodos de trabalho, o desprezo e
a acidez escorrem das páginas e dos écrans onde escrevem. Depois
ainda, muitos dos advogados que costumam defender os ricos e poderosos, ou só
uns, ou só outros, militam também – e audivelmente – contra o
Ministério Público, a quem todos os dias acusam de tudo, das deficientes
instruções que fazem os seus procuradores às fugas de informação, passando
pelos supostos favores que fazem aos seus eleitos na media.
Mas
– dizem alguns desses causídicos – “preferem” ter pela frente Ivo
Rosa, que consideram mais “urbano” e frequentando meios “sofisticados”, em
detrimento de Alexandre, um “rústico das Beiras”, a quem, por isso, olham com
mal disfarçado fastio.
E last
but not least, há, como uma sombra negra, a terrível e temível burocracia,
pairando inamovível sobre o céu deste infeliz terceiro poder. Tentacular
monstro que se amplia na razão inversa da celeridade exigida ao normal
funcionamento das coisas.
Se
acham que exagero ao considerar isto – como considero – um universo explosivo,
talvez concordem que ele é, pelo menos, pouco recomendável. Deixa-nos inquietos
e descrentes. E com medo, claro: e se fosse connosco? (Mas foi connosco:
José Sócrates geriu o país onde nasci, levando-o directo ao abismo; Ricardo
Salgado fez sumir as legítimas “reservas financeiras” de milhares de
portugueses, cuidadosamente postas de lado para “um dia que”… um
dia que fosse preciso acudir a alguém, assegurar uma velhice digna, cuidar de
uma doença, dar uma casa a um filho, albergar uns pais idosos. Cada um desses
Portugueses que confiaram, já se arrependeu, estou certa, de ter
confiado e… pode dizer-se pior? Não pode.)
4Ainda
só vimos o primeiro acto desta novela, já requentada antes de tempo por ter passado
tempo demais. E apesar de haver matérias já a andar – não se
sabe é se a passo, se a galope -, a caminho de um julgamento, a
segunda parte é mais incerta. E o desfecho também, apesar das certezas já
entretanto disparadas por ambos os lados da guerra em curso. Mas
não sabendo o fim, sabemos o essencial: está em falta na Justiça um bem de
primeiríssima necessidade chamado confiança. Ser
confiável seria, aliás, o único adjectivo permitido à Justiça, o único,
justamente, que ela se deveria exigir a si mesma. Cega, surda e muda.
Tudo o que não é. (Ainda há
meses, a própria titular da pasta da Justiça não hesitou em fazer de conta
que o resultado de um concurso para um cargo europeu não tinha sido ganho por
quem foi, mas por quem ela queria que tivesse sido. E conseguiu: o falso
vencedor lá abalou para Bruxelas, com o resultado que se sabe: a pública
humilhação da real vencedora, face a uma plateia de Portugueses estupefactos.
Justiça?)
Por
isso falei de “mal” para além de José Sócrates e dos outros. O mal é,
evidentemente, indesligável dos seus actores, mas dada a incredibilidade que
rói o mundo judicial, consegue estar para além deles. O caso deixa mossa,
dividiu o país e dividiu-o transversalmente. Não é todos os dias que um
processo é atirado ao chão com “deficiências” tão estrondosas. Engana-se, por
isso, quem olhar para o caso arrumando-o na gaveta da direita ou na prateleira
da esquerda. Sim, vai deixar mossa e marca, terá consequências. O país a braços
com a sua penúria, uma pandemia com vacinação, digamos, intermitente, uma
classe política em acelerado downgrading e uma classe económica
pobreta (e nem sequer alegreta…) dispensava bem um extra deste calibre.
5António
Costa nem fez bem, nem fez mal, fez igual. Já tínhamos visto, a receita é única
desde o início: é como se não fosse nada com ele nem com o PS, nem
sequer com um parente afastado da família socialista. Como se não conhecessem
Sócrates e, ainda menos, como se nunca tivessem com ele partilhado o poder, as
ambições, as escolhas, as decisões.
Houve
o que houve, mas não houve mea culpa, uma comunicação ao país, um pedido
de desculpa, um sinal de arrependimento, surpresa, espanto, aflição. Nem um
som, em tantos anos.
Outra vergonha.
6A
Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, que compreende “alguma
perplexidade e o desconforto” face a tudo isto, considera que pode ser este “o
momento para reflectir e aprofundar certas temas que estão em cima da mesa”. Daqui
e com todo o respeito, pergunto à Sra. Procuradora: pode mesmo? JUSTIÇA OPERAÇÃO
MARQUÊS JOSÉ
SÓCRATES POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
António Sennfelt: Todo o nosso aparelho de "Justiça", desde o TC até ao seu mais
modesto serventuário - sem esquecer, é claro, os nossos senhores deputados e o
seu diligente afã em não aprovar legislação criminalizando o enriquecimento
ilícito - precisa de uma grande e urgente barrela! Manuel
Magalhães: Pois Maria João, é exactamente
isso, o principal mal são as nossas leis (vide nosso parlamento) feitas
propositadamente para que haja sempre uma escapatória para quem possa pagar a
bons advogados, não quero com isso ilibar o tal Sócrates mas penso que ele ou é
apenas um demente mental que não tem a noção do que diz e do que faz, ou um
simples burlão sem qualquer vergonha e que não olha a meios para atingir os
seus fins ou até ambas as coisas, o problema para todos nós é ele ter sido
primeiro ministro e de quem o pôs lá que também demonstra uma incrível
irresponsabilidade... advoga diabo: Alguém tem que contar a MJA que
actualmente o mundo é um imenso Porto/Benfica, permita-se-me alargar a clubite
para além de Cascais e arredores...Salva-se da mesquinhez da análise a
constatação incontornável, apesar de repetido ad nauseam, que o povo não está
esmagadoramente convencido da culpa de Sócrates. Maria Clotilde >
Osório advoga diabo: Desengane-se. O povo que eu conheço, mesmo os adeptos
do FCP como eu, não metem as mãos no fogo nem pelo Pinto de Sousa nem pelo
Pinto da Costa. Até o Fernando Madureira sabe que não há fumo sem fogo. FME >
advoga diabo: E por falar em Porto/Benfica, já há pouca gente que
não vê um penalti na transacção de fotocópias. Até o Medina, e quando se fala
no Medina, podemos ver a sombra de Costa por trás, chegou à conclusão que a
rasteira de Sócrates é um penalti flagrante! Agora, haverá sempre aqueles
que vendo, não querem ver! Maria Clotilde
Osório: "Ainda a procissão vai no
adro" e: 1 - ficamos a saber dum acórdão do TC de Jan/2019 que
estabelece que o prazo de 5 anos (estabelecido na lei pelos deputados, suponho)
para prescrição de um crime de corrupção começa a contar a partir da data em
que é combinado entre as partes (ver artigo de João Miguel Tavares). 2 - ficamos a saber que, como dizia o
"saudoso" Almeida Santos a propósito do caso FP 25/A, não vale a pena
amnistiar ninguém porque as próprias leis feitas na AR para o nosso sistema
judicial acabarão por se encarregar disso 3 - ficamos a saber que quem, no exercício de um cargo
público, mercadejar, não comete fraude fiscal ao não declarar esse rendimento
ao fisco. E eu que achava que devia passar factura e pagar IVA de todo o
dinheiro que recebo por serviços prestados! Vou deixar de o fazer e, se for
apanhada, invoco a decisão instrutória do juiz Ivo. Se isto é a procissão no adro, imagino o que
vai ser quando chegar a meio do caminho. Quanto a este e outros senhores,
eleitos pela 4a vez, só me ocorre o dito: À primeira cai quem quer, à segunda
quem quer cai, à terceira só quem é burro
FME: Em todos os serviços do mundo existem divergências entre colaboradores
(trabalhadores). Nas redacções dos jornais certamente que existem divergências
viscerais. Na redacção do Expresso, o articulista Henrique Raposo não deve ser
companheiro de café do Daniel Oliveira. A Mariana Mortágua e André Ventura
terem um filho seria como ver a famosa vaca de António Costa a voar. Mas até
dentro da mesma casa, não imagino um convívio de cervejolas e tremoços entre Marcelo e
Passos, ou entre Costa e o ministro da TAP. Na
construção civil, o meu meio, muitas vezes destas divergências acabam à
“castanhada”, mas curiosamente, nunca, mas nunca assisti a um colaborador
boicotar o trabalho do outro por divergências pessoais. Nunca vi um canalizador
rebentar às escondidas com os cabos do electricista, ou o pedreiro tamponar os
tubos do canalizador com cimento. Há situações de trabalhadores que não se
falam há anos e que colaboram os dois a montar um andaime, por exemplo. Portanto, na minha opinião, a divergência
entre Ivo Rosa (IR) e Carlos Alexandre (CA) pode ser aceitável, natural e até
saudável, o que não pode acontecer, e não é tolerável, é um boicotar o trabalho
do outro por questões de ego ou pessoais. Ivo Rosa boicotou com o despacho o
trabalho do MP, é um facto. Possivelmente já houve um passado recente em
que o MP ou CA também boicotaram o trabalho de Ivo Rosa. O trabalho não pode servir como campo de batalha, e alguém, acima destes
jogos de egos tem de saber colocar os pontos nos iis, meter os dois na rua, se
for o caso. O exemplo do andaime que dei é verdadeiro. Os dois trabalhadores que não se
falavam eram irmãos que se zangaram por causa de, imagine-se, partilhas. Se a
razão da zanga recaísse sobre a montagem do andaime, os que depois iriam
trabalhar nele é que sofreriam as consequências. Mas a plebe das obras, que não
faz parte de nenhum grupo prioritário para a vacinação, funciona com códigos de
honra, que nunca permitiria que se boicotasse um trabalho por divergências
pessoais. Uma das razões, é porque o trabalho é o seu ganha-pão, e no dia em
que o trabalho for o campo de batalha, eles sabem, que o pão começa a faltar na
mesa! Mas para além disso, nunca iriam permitir que os outros é que pagassem
por causa da divergência deles. josé
maria: Ainda a procissão vai no adro e
as aves agourentas já fazem sentenças definitivas sobre um processo que ainda
acabou de sair da fase instrutória... Já
tem no nome José e Maria... Só lhe falta Jesus,
para o idílio crédulo com a
justiça nacional ser completo... Se há algo
em Portugal que raras vezes foi omissa ou negligente por acidente ou por acaso,
foi a justiça... É vício com capa de virtude vai para
séculos... António Lamas: Pois é MJA, mas o mal começa no
parlamento onde são aprovadas leis propositadamente complexas e dúbias, a maior
parte produzidas nos grandes escritórios dos advogados do regime, e sempre a
favor dos seus ricos clientes (sempre os mesmos). Lembram-se
da história da vírgula? rita Taveira: A todos os comentários que aqui
se fazem aos artigos publicados, deviam os seus autores, a exemplo do que fazem
os articulistas, ser identificados pelo seu nome verdadeiro. É uma questão de
justiça. Vamos chamar os bois pelos nomes. Madalena
Magalhães Colaço: Diz a Maria João que há uma classe política em acelerado downgrading, não,
há muito que já não existe uma classe política mas sim uns administrativos que
tomaram conta do poder e que agora auto alimentam-se bloqueando tudo para de lá
não saírem. Aos políticos exige-se que tomem decisões e riscos. Hoje em
Portugal ninguém corre riscos, nem os políticos nem os erradamente chamados
capitalistas. Há sim uma política de conivência em que o estado apoia com
garantias os erradamente chamados privados. Estes não arriscam o seu capital,
antes tem garantia do estado que se o negócio correr mal o estado apoia,
veja-se o que se passa com os negócios das energias renováveis em que os
privados não correm riscos, e claro que Sócrates lá estava. Esta conivência
entre estado e falsos capitalistas levou a que fossemos obrigados a injectar na
CGD 5 mil milhões e no BES ainda mais onde pelo meio uma PT ficou em
estilhaços, e nós portugueses a pagar esses desmandos, mas Ivo Rosa não
consegue ver nada, nem na CGD nem na PT nem em lado nenhum, mas nós estamos
aqui a pagar através de impostos elevadíssimos.
O MP, usando e abusando da tradicional credulidade do portugueses,
tentou normalizar e introduzir um unicórnio na
realidade nacional... Correu mal...
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