sexta-feira, 2 de abril de 2021

É à nossa medida


Mas às vezes os espaços alargam, para o jardim, para o quintal… Pelo menos dantes era assim, ao que se dizia, na questão dos amores, pelo menos:

Falei contigo da janela p’r’ó postigo
Falei com ela do postigo p’r’á janela
Mentira que não é assim
Foi da janela para o jardim
Mentira que não é tal
Foi da janela para o quintal

O PR dá o exemplo, mas há-de retomar os espaços de menos contenção, não tarda, que todos gostamos de o ver de peito descoberto, a mergulhar nas ondas atlânticasQuanto ao PM, esse não se exibe assim, as praias dele são outras, e ele sabe como se precaver contra as mezinhas que impõe. Aos outros.

 Portugal ao postigo /premium

O gesto presidencial de promulgar os apoios sociais também começou num postigo onde o PR se metera a sós com as suas cogitações. Mas mal de lá saiu, todos os alertas vermelhos se acenderam.

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 01 abr 2021

1Os portugueses são extraordinários: eis Portugal “ao postigo” como se sempre se tivesse vivido assim e comercializado assim. O postigo nasceu, ocupou e venceu. Ganhou omnipresença: da desarmante naturalidade com que António Costa se lhe refere como a uma salvífica bóia de salvação (e é), à vitalidade com que o mais humilde vendedor anuncia atacadores ou frutos secos por detrás de um mal amanhado tampo de mesa aberto para a rua…. Como se desde o berço ao túmulo sempre tivéssemos dependido deste artefacto agora poderosamente renascido das cinzas de uma semântica em desuso. Sem que – ainda mais extraordinário – a ninguém atrapalhe esta novíssima forma de transacção, a verdade é que, para o bem e para o mal, sempre a necessidade nos espevitou o engenho. Como agora: avenidas e ruas declinam em vários formas e feitios este feliz came back cuja utilidade foi nacionalmente abraçada e posta a render com arte e manha. Há meses – lembram-se? – eram só os restaurantes. Hoje vejo homens “ao postigo” a abrir meias como baralhos de cartas, mulheres a ensaiar roupa na rua (eu também), num carrossel onde se somam vendas ao postigos de sapatos, bebidas, drogaria, lingerie, roupa de casa, molduras, candeeiros, bolos enfeitados, amêndoas de açúcar, ovos de Páscoa. E tutti quanti, viva a resiliência “criativa” (há mais acção “criativa” para além de Marcelo)

Ou seja, viva o desenrasca onde somos imbatíveis. Se derem a um português – electricista, carpinteiro, advogado, manipulador da vidraça, arquitecto, cenógrafo –, um determinado prazo para entregar uma obra, ele não o cumprirá. Os genes nunca lho permitiriam. Para desenrascar uma coisa num prazo absolutamente impossível, ou improvisar em horas uma alternativa, já se sabe que se poderá contar – e brilhantemente – com isso. Hélas, o brilho do desenrasca e o dom do improviso, chocam de frente com a responsabilidade e o compromisso. São um faz de conta, como o queijo tipo serra, uma aproximação, como o postigo “tipo” comércio.

2- A direcção do PS não recorreu ao postigo, instruiu a bancada, “Moedas ao Parlamento.” A intimação esconde mal o susto: estava tudo a correr tão bem com Medina… Lisboa era deles, que chatice isto agora, era preciso começar a tratar já do assunto. Chamavam-se os da troika. Com bondade dir-se-á que foi um despropósito (justamente, a que propósito eram chamados agora para responder perante aquele especifico tema?); com lucidez afirmar-se-á que o gesto é feio, pouco sério, revela o pior do combate político. Além de que o rabo do gato está mal escondido, vê-se à vista desarmada o embaraço irritado que a escolha de Carlos Moedas para candidato à Câmara da capital suscitou aos donos disto tudo. Vai ser aliás muito interessante de observar daqui até Outubro a que instrumentos e argumentos irá recorrer a esquerda. Quais deles colocará dentro do seu postigo para o ir abrindo à medida que a campanha pise o chão de Lisboa. Se forem todos iguais a esta reveladora convocatória parlamentar dos deputados socialistas, não é só o rabo do gato que se vê bem demais. É o gato todo.

3- O Presidente da República é que, dentro ou fora de um postigo, dará sempre que falar. Há políticos assim. Sucede que desta vez há boas razões para falatório e perplexo. O surpreendentíssimo gesto presidencial de promulgar os apoios sociais, começou num postigo onde o Chefe de Estado também se metera a sós com as suas cogitações e só depois, em jogada de alto risco e incerto desfecho, chegou ao país.

Ainda não há mortos nem feridos, apenas muitos alertas vermelhos. Todos acesos, claro. Julgo impossível haver dúvidas de que era isso que o Presidente queria.

4- Quem não precisou de postigo algum foi a polícia. Tinha a rua, queria-a só para si: “pode explicar qual a razão da sua presença na via pública?”, perguntou-me um garboso jovem fardado. Era meia dia e vinte de um sábado, estranhei tanto zelo. Deviam ser “ordens superiores” que aquela brigada no alto do Parque Eduardo VII ia executando numa modorra ensolarada. Mas disparatada até mais não. Confunde esta insistente ausência de critério das “autoridades”: ideias mal pensadas, instruções mal distribuídas, custos, perdas de tempo, prioridades erradas, trabalhos inúteis. É como com a campanha de vacinação que já teve distintas prioridades, diversas listas de escolhidos, numerosas alterações, trocas, e até sms para portugueses já mortos. Das duas, uma: ou pretendem de facto e até ao fim dos tempos prender-nos em casa onde já estamos, capturando-nos gestos e vontades, ou então por favor, senão for pedir de mais, organizem-se.

5- A semana maior da liturgia – Semana entre todas Santa – é grande demais para caber num postigo mas cabe em qualquer coração. Nos corações de tantos de nós, aflitos, magoados, enlutados pela tormenta e porém esperançosos, na sede do absoluto e no vibrante recomeço que a Páscoa é. Uma “passagem” que se inicia hoje, quinta-feira, celebrando a instituição da Eucaristia e irá caminhando silenciosamente por entre o sofrimento e o luto, até ao Domingo da Ressurreição.

Também foi assim há dois mil anos. E cá estamos.

PANDEMIA   SAÚDE   PRESIDENTE DA REPÚBLICA   POLÍTICA   PÁSCOA   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS

Alberico Lopes:  É realmente um prazer ler os artigos da Maria João! Que jornalista de eleição! Boa Páscoa, distinta Senhora!        advoga diabo: MJA que conhece Marcelo, sabe que o PR não lançou este desafio a Costa inocentemente, desmascara-o as dicas anti constitucionais vindas de um constitucionalista convicto. Não querendo perder a oportunidade, quiçá única, de "matar dois coelhos de uma cajadada", ajudar a Direita e defender(?) o povo, ele aí está tal como se previa. Cabe agora ao 1º ministro cumprir o papel que o PR desempenhou brilhantemente até aqui, e esperar pelo veredicto do eleitorado.            Manuel Magalhães: De postigo em postigo a nossa economia vai decrescendo na mesma medida, o “postigo” é a exacta imagem de uma governação desastrosa e decadente... Boa Páscoa!!!       FME: Uns ao postigo para pagar, outros ao postigo para receber! Este texto nada tem de frívolo. Marcelo saiu do guião e Costa não perdoou, é  disso que se fala. Ao promulgar algo que sabia inconstitucional , Marcelo mostrou  preocupação e interesse, misturado  com um toque de populismo. Costa não perdeu a oportunidade de  ganhar o ponto, sem custos adicionais. Teria que pagar, mas deixava a nota de irresponsabilidade para o Presidente. Temos aqui um bom par de candidatos a Maquiavel do ano .......          Manuel Ferreira21 > Carlos Quartel: Dada  a iliteracia, obrigado pela oportunidade da explicação.          josé maria: As tias de Cascais gostam mais de discutir as formas do que as substâncias. Entende-se, tomam o chá das cinco em chávenas de porcelana e não necessitam de apoios sociais.          Gil Lourenço > josé maria: Querias ser um tio de Cascais, tipo esquerda caviar? Contenta-te com pasta de sardinha.     Joaquim Zacarias > josé maria: A inveja pode matar.                 José Luis Salema > josé maria: Nasceste bimbo, bimbo serás toda a vida. Azar.  Excelente artigo e muito bem escolhido título. Boa Páscoa!        bento guerra: Marcelo, da janela, passou ao postigo, mas o negócio é do Costa. Episódios      FME: Muita bem!         Nuno Fonseca: Esta senhora está a gozar com quem trabalha "ao postigo" . Tanta arrogância, tanta falta de empatia com quem está a fazer pela vida... Triste crónica de uma pessoa instalada na vida          Otavio Luso > Nuno Fonseca: Faça um esforço e volte a ler e se continuar sem compreender, peça a alguém que lhe explique.         Maria Nunes: Magnífica crónica, MJA. Obrigada.             Lápis Afiado: Muito bem observado.

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