Mas às vezes os espaços alargam, para o jardim, para o
quintal… Pelo menos dantes era assim, ao que se dizia, na questão dos amores,
pelo menos:
Falei contigo
da janela p’r’ó postigo
Falei com ela do postigo p’r’á janela
Mentira que não é assim
Foi da janela para o jardim
Mentira que não é tal
Foi da janela para o quintal
O PR dá o exemplo, mas há-de retomar os espaços de menos contenção, não tarda, que todos gostamos de o ver de peito descoberto, a mergulhar nas ondas atlânticas… Quanto ao PM, esse não se exibe assim, as praias dele são outras, e ele sabe como se precaver contra as mezinhas que impõe. Aos outros.
Portugal
ao postigo /premium
O gesto presidencial de promulgar os
apoios sociais também começou num postigo onde o PR se metera a sós com as suas
cogitações. Mas mal de lá saiu, todos os alertas vermelhos se acenderam.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 01 abr
2021
1Os
portugueses são extraordinários: eis Portugal “ao postigo” como se
sempre se tivesse vivido assim e comercializado assim. O postigo nasceu, ocupou e venceu. Ganhou omnipresença: da desarmante naturalidade com
que António Costa se lhe refere como a uma salvífica bóia de salvação (e é), à
vitalidade com que o mais humilde vendedor anuncia atacadores ou frutos secos
por detrás de um mal amanhado tampo de mesa aberto para a rua…. Como se desde o berço ao túmulo sempre
tivéssemos dependido deste artefacto agora poderosamente renascido das cinzas
de uma semântica em desuso. Sem que – ainda mais extraordinário – a
ninguém atrapalhe esta novíssima forma de transacção, a verdade é que, para o
bem e para o mal, sempre a necessidade nos espevitou o engenho. Como agora:
avenidas e ruas declinam em vários formas e feitios este feliz came back cuja
utilidade foi nacionalmente abraçada e posta a render com arte e manha. Há
meses – lembram-se? – eram só os restaurantes. Hoje vejo homens “ao postigo” a
abrir meias como baralhos de cartas, mulheres a ensaiar roupa na rua (eu
também), num carrossel onde se somam vendas ao postigos de sapatos, bebidas,
drogaria, lingerie, roupa de casa, molduras, candeeiros, bolos enfeitados,
amêndoas de açúcar, ovos de Páscoa. E tutti quanti, viva a resiliência
“criativa” (há mais acção “criativa” para além de Marcelo)
Ou
seja, viva o desenrasca onde somos imbatíveis. Se derem a um
português – electricista, carpinteiro, advogado, manipulador da vidraça,
arquitecto, cenógrafo –, um determinado prazo para entregar uma obra, ele não o
cumprirá. Os genes nunca lho permitiriam. Para desenrascar uma coisa num prazo absolutamente
impossível, ou improvisar em horas uma alternativa, já se sabe que se poderá
contar – e brilhantemente – com isso. Hélas, o brilho do desenrasca e o dom do
improviso, chocam de frente com a responsabilidade e o compromisso. São
um faz de conta, como o queijo tipo serra, uma aproximação, como o postigo
“tipo” comércio.
2- A
direcção do PS não recorreu ao postigo, instruiu a bancada, “Moedas ao
Parlamento.” A intimação esconde mal o susto: estava
tudo a correr tão bem com Medina… Lisboa era deles, que chatice isto agora, era
preciso começar a tratar já do assunto. Chamavam-se os da troika. Com bondade
dir-se-á que foi um despropósito (justamente, a que propósito eram chamados
agora para responder perante aquele especifico tema?); com lucidez afirmar-se-á
que o gesto é feio, pouco sério, revela o pior do combate político. Além de que
o rabo do gato está mal escondido, vê-se à vista desarmada o embaraço irritado
que a escolha de Carlos Moedas
para candidato à Câmara da capital suscitou aos donos disto tudo. Vai ser
aliás muito interessante de observar daqui até Outubro a que instrumentos e
argumentos irá recorrer a esquerda. Quais deles colocará dentro do seu postigo
para o ir abrindo à medida que a campanha pise o chão de Lisboa. Se forem todos
iguais a esta reveladora convocatória parlamentar dos deputados socialistas,
não é só o rabo do gato que se vê bem demais. É o gato todo.
3- O
Presidente da República é que, dentro ou fora de um postigo, dará sempre que
falar. Há políticos assim. Sucede que desta
vez há boas razões para falatório e perplexo. O surpreendentíssimo gesto
presidencial de promulgar os apoios sociais, começou num postigo onde o Chefe
de Estado também se metera a sós com as suas cogitações e só depois, em jogada
de alto risco e incerto desfecho, chegou ao país.
Ainda
não há mortos nem feridos, apenas muitos alertas vermelhos. Todos acesos,
claro. Julgo impossível haver dúvidas de que era isso que o Presidente queria.
4- Quem
não precisou de postigo algum foi a polícia. Tinha a rua, queria-a só para si:
“pode explicar qual a razão da sua presença na via pública?”, perguntou-me
um garboso jovem fardado. Era meia dia e vinte de um sábado, estranhei tanto
zelo. Deviam ser “ordens superiores” que aquela brigada no alto do Parque
Eduardo VII ia executando numa modorra ensolarada. Mas disparatada até mais
não. Confunde esta insistente ausência de critério das “autoridades”: ideias
mal pensadas, instruções mal distribuídas, custos, perdas de tempo, prioridades
erradas, trabalhos inúteis. É como com a campanha de vacinação que já teve
distintas prioridades, diversas listas de escolhidos, numerosas alterações,
trocas, e até sms para portugueses já mortos. Das duas, uma: ou pretendem de
facto e até ao fim dos tempos prender-nos em casa onde já estamos,
capturando-nos gestos e vontades, ou então por favor, senão for pedir de mais, organizem-se.
5- A
semana maior da liturgia – Semana entre todas Santa – é grande demais para
caber num postigo mas cabe em qualquer coração. Nos corações de tantos de nós,
aflitos, magoados, enlutados pela tormenta e porém esperançosos, na sede do
absoluto e no vibrante recomeço que a Páscoa é. Uma “passagem” que se inicia
hoje, quinta-feira, celebrando a instituição da Eucaristia e irá caminhando
silenciosamente por entre o sofrimento e o luto, até ao Domingo da
Ressurreição.
Também
foi assim há dois mil anos. E cá estamos.
PANDEMIA SAÚDE PRESIDENTE DA
REPÚBLICA POLÍTICA PÁSCOA SOCIEDADE
COMENTÁRIOS
Alberico Lopes: É
realmente um prazer ler os artigos da Maria João! Que jornalista de eleição!
Boa Páscoa, distinta Senhora! advoga
diabo: MJA que conhece Marcelo, sabe que o PR
não lançou este desafio a Costa inocentemente, desmascara-o as dicas anti
constitucionais vindas de um constitucionalista convicto. Não querendo perder a
oportunidade, quiçá única, de "matar dois coelhos de uma cajadada",
ajudar a Direita e defender(?) o povo, ele aí está tal como se previa. Cabe
agora ao 1º ministro cumprir o papel que o PR desempenhou brilhantemente até
aqui, e esperar pelo veredicto do eleitorado. Manuel Magalhães: De postigo em postigo a nossa economia vai decrescendo
na mesma medida, o “postigo” é a exacta imagem de uma governação desastrosa e
decadente... Boa Páscoa!!! FME:
Uns ao postigo para pagar, outros ao
postigo para receber! Este
texto nada tem de frívolo. Marcelo saiu do guião e Costa não perdoou, é
disso que se fala. Ao promulgar
algo que sabia inconstitucional , Marcelo mostrou preocupação e
interesse, misturado com um toque de populismo. Costa não perdeu a
oportunidade de ganhar o ponto, sem custos adicionais. Teria que
pagar, mas deixava a nota de irresponsabilidade para o Presidente.
Temos aqui um bom par de candidatos a
Maquiavel do ano ....... Manuel Ferreira21 > Carlos Quartel: Dada
a iliteracia, obrigado pela oportunidade da explicação. josé maria: As tias de Cascais gostam mais de discutir as formas do
que as substâncias. Entende-se, tomam o chá das cinco em chávenas de porcelana
e não necessitam de apoios sociais.
Gil Lourenço > josé maria: Querias
ser um tio de Cascais, tipo esquerda caviar? Contenta-te com pasta de sardinha. Joaquim Zacarias > josé maria: A
inveja pode matar. José
Luis Salema > josé maria: Nasceste
bimbo, bimbo serás toda a vida. Azar.
Excelente artigo e muito bem escolhido
título. Boa Páscoa! bento guerra: Marcelo, da janela, passou ao postigo, mas o negócio é
do Costa. Episódios FME:
Muita bem! Nuno Fonseca: Esta senhora está a gozar com quem trabalha "ao
postigo" . Tanta arrogância, tanta falta de empatia com quem está a fazer
pela vida... Triste crónica de uma pessoa instalada na vida Otavio Luso > Nuno Fonseca: Faça
um esforço e volte a ler e se continuar sem compreender, peça a alguém que lhe
explique. Maria
Nunes: Magnífica crónica, MJA. Obrigada. Lápis Afiado: Muito bem observado.
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