A raspadinha é um engano. Um vício. Uma armadilha. Um erro. Mas… Errare humanum est. De vez em quando, para alimentar a ilusão...
OPINIÃO
Raspadinha do património: é isto um governo
socialista?
Estamos a empurrar para cima das
classes E e D a preservação dos monumentos nacionais, esmagadoramente
frequentados pelas classes médias, e que, como é óbvio, deveriam ser pagos
pelos impostos de todos.
PÚBLICO, 3 de
Abril de 2021
Há
uma semana, o PÚBLICO dedicou quatro páginas à nova
raspadinha do Património Cultural, uma daquelas decisões do governo que,
pelo seu simbolismo, devia estar a causar um escândalo nacional.
Infelizmente, não está. Já houve gente a escrever sobre este tema, como Luís
Aguiar-Conraria (“Como pôr os mais pobres a pagar
mais impostos? A Santa Casa da Miséria explica”) ou Daniel
Oliveira (“Raspar o pobre”), e eu
junto-me às suas vozes para sublinhar a incrível hipocrisia de um governo,
alegadamente socialista, se atirar à carteira dos pobres não para ajudar outros
ainda mais pobres – devia ser esse o trabalho da Santa Casa da Misericórdia –,
mas para reforçar o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural. Estamos a
empurrar para cima das classes E e D a preservação dos monumentos nacionais,
esmagadoramente frequentados pelas classes médias, e que, como é óbvio,
deveriam ser pagos pelos impostos de todos. Com a nova raspadinha do
património, o governo de António Costa está a tirar aos pobres para dar aos
ricos.
Isto
não é uma opinião. São factos, justificados por números recolhidos pela própria
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relativos a 2019, que o PÚBLICO divulgou
há uma semana. É este o perfil dos jogadores de raspadinha em Portugal: 50% são
da classe E (classe baixa); 26,6% são da classe D (média-baixa); 10,3% da
classe C (média); e 13,1% da classe AB (média-alta/alta). Ou seja, três em cada
quatro jogadores são pobres. Apenas um em cada dez jogadores é rico. E é
através de um jogo com este tipo de perfil que a ministra da Cultura, grande
adepta dos “drinks de fim de tarde”, planeia
recolher cinco milhões de euros anuais. Pergunto: é
isto o socialismo? São estes os grandes princípios sociais do PS?
Aquando
da apresentação
desta medida, Graça Fonseca ainda
teve a suprema lata de dizer que o objectivo do governo era não apenas
salvaguardar o património cultural e sacar mais umas massas para os
depauperados cofres da Cultura, mas – podem colocar o hino nacional a tocar –
“envolver todos” os portugueses num desígnio comum, “para que cada cidadão se
sinta parte da missão nacional de preservar o património”; para que “cada um de
nós se sinta parte de algo que tem de ser de todos”. Palavras tão lindas,
dignas do xerife de Notthingham.
No
final de Fevereiro, o Expresso divulgou um estudo de
dois professores da Universidade do Minho sobre o vício da
raspadinha em Portugal, centrado no ano de 2018. Os autores constataram que, só
nesse ano, os portugueses tinham gasto perto de 1,6 mil milhões de euros em
raspadinhas. Nada mais, nada menos, do que 4,4 milhões por dia, o que
representa um crescimento assustador face ao início da década (100 milhões de
euros em 2010), e demonstra que a raspadinha é jogo de pobres, mesmo. Em
Espanha, um país com 46 milhões de habitantes, foram gastos cerca de 600
milhões de euros em 2018. Três vezes menos.
E,
no entanto, quando o PÚBLICO foi ouvir o provedor da Santa Casa, Edmundo
Martinho, sobre o tema da raspadinha, a única
coisa que encontrou foi a desvalorização do vício e do problema. Infelizmente, a Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa está transformada numa agência de emprego de boys e girls socialistas,
como ainda esta semana demonstrava a revista Sábado (“Nomeações na Santa Casa: a grande e
santa família”), e, portanto, as necessidades do governo têm clara
prioridade em relação às necessidades dos mais pobres.
Uns raspam – os outros ficam com o prémio.
Jornalista
TÓPICOS
JOGOS SOCIAIS PATRIMÓNIO SANTA CASA DA
MISERICÓRDIA ANTÓNIO COSTA GRAÇA FONSECA EDMUNDO MARTINHO CULTURA
COMENTÁRIOS
Joao Garrett EXPERIENTE: Excelente artigo. Como sempre,
o PS no seu melhor! Jorge Sm MODERADOR: Pergunta o JMT se “isto é um
Governo socialista”. JMT escreve uma crónica para nos dizer que isto não é
socialismo. E é o quê? Do totobola criado no tempo do salazar aos mais recentes
jogos criados pela Santa Casa, incluindo a “raspadinha” criada no tempo do
Cavaco Silva, qual a ideologia política associada a todos eles? Qual é a
ideologia política do jogo? Uma crónica sem pés, nem cabeça. ganso.baraoINICIANTE: Neste caso a questão que se põe
não é o produto em si mas sim o uso que se lhe dá. Jorge Sm MODERADOR: O uso que se dá sempre foi o
mesmo: o jogo como co-financiador de serviços públicos. E os clientes
principais dos jogos da Santa Casa sempre foram classes mais pobres. Desde
sempre. Já era assim com o totobola, quando era o único jogo que existia. OldVic1 MODERADOR: Pois, mas agora introduz-se uma
nova classe de beneficiados: as classes subsidiadas da "cultura" e
populações associadas, através de um mecanismo de dependência psicológica que
afecta sobretudo os mais desfavorecidos. É um símbolo perfeito de um Estado cuja
regra de ouro é ir buscar o carcanhol onde puder, como puder e quanto puder; e
se isso tornar os pobres mais pobres, temos pena. Jorge Sm MODERADOR: As habituais indignações
selectivas de JMT. A raspadinha foi criada por um governo de direita, com
objectivos declarados que são os mesmos de hoje. Durante tantos anos, parece
que não causou indignação nenhuma a JMT, nem nos negros tempos da
"troika" e do governo de passos coelho. A indignação em JMT nasce por
ser o governo do Costa. E omite, claro, que se trata de criação de um governo
de direita, se calhar para que as pessoas concluam que foi ideia do Costa. Ou,
se calhar, JMT está a querer dizer que estas "imoralidades" são
normais quando o governo é de direita... Carlos Diogo MODERADOR: A raspadinha para suportar I
ministério da cultura no seu orçamento não foi criação do Passos. Por essa
situação ordem , o Passos tb não criou impostos , já existiam antes e o culpado
foi o um rei qq que criou em primeiro lugar Jorge Sm MODERADOR: Isso são lérias. Isto atravessa
todos os governos e se fosse um Governo PSD/CDS o JMT podia escrever uma
crónica igual e perguntar “é isto um governo social-democrata?” e “é isto um
governo democrata-cristão?”. O que está em causa aqui é a velha questão
polémica do jogo. Deve-se proibir, preferindo-se que o jogo vá para a
clandestinidade e para o crime? Não se proibindo, é preferível ser o Estado a
patrociná-lo, com regras e benefício para a comunidade? O que preferem os
liberais? Serem os privados a patrocinar o jogo, ou seja, as pessoas gastam o
mesmo dinheiro no jogo, mas o lucro vai para os bolsos de alguns? Tudo isto é
controverso e não tem respostas óbvias. Reduzir isto a uma questão de ser PS
vs. outros partidos é conversa ridícula para enganar totós. jorge morais INICIANTE: Jorge Sm sempre a sonhar com
Passos Coelho. Se aquilo que ele criou para pagar a bancarrota de Sócrates foi
errado, que tal Costa, que herdou um país com as contas na ordem, ainda não
acabou com as raspadinhas e segundo consta até vai criar uma para a Cultura?
Que tal dar a ideia lá no Largo do Rato? Não é só receber ordens, dê também uns
bitaites lá no partido e deixe de ser fanático. Nuno Silva INICIANTE: O património deve ser
sustentado na maior parte pelos impostos de todos, e nalguma parte por mecenas.
Não se devem usar as raspadinhas, que se estão a tornar numa droga viciante
(tal como os jogos de apostas online), e um problema de saúde mental em
Portugal e nos outros países.
Mário Guimarães EXPERIENTE: Meu Deus ao que isto chegou.
Usar um jogo que se raspa, para ver se tem prémio por um senhor, ou senhora mal
vestida com ar de pobreza estampada no rosto para manter o nosso património em
condições. Estamos no nosso perfeito juízo? Não temos quem fale connosco (um padre
por exemplo) que nos diga "não faças isso).. O fantasma Gaspar INICIANTE: Em Portugal fomenta-se a
sorte...não o trabalho honesto. finas EXPERIENTE: Sem dúvida. Para que trabalhar
se o dinheiro aparece na mesma ao fim do mês. finas EXPERIENTE: Acho que o JMT poderá não estar
a ver a totalidade da questão. Efectivamente são os pobres que mais gastam
dinheiro em raspadinhas, mas de onde vem esse dinheiro em primeiro lugar. Será
de subsídios? Se assim for, acabamos por ser todos nós e os que ainda não
nasceram a pagar por elas.
A2 EXPERIENTE: Acho que falta é dizer qual é a
fracção daquelas classes na população. É claro que há mais pobres que ricos,
afinal somos os 99%. Carlos Diogo MODERADOR: O problema é que esses dois ou
três euros diários deveriam ser usados para alimentar melhor os filhos ou para
terem melhores condições de vida finas EXPERIENTE: Concordo Carlos. Eu acho é que
não é a distribuir dinheiro às pessoas que se criam melhores condições de vida
de forma sustentada. Sem dúvida que o dinheiro dá jeito, o problema, é que o
dinheiro fácil não transforma os pobres em ricos. Transforma os pobres em
pobres dependentes de ricos. E os ricos não duram sempre, como se vê em
Portugal. Estamos já a endividar portugueses que ainda nem nasceram porque já
não temos ricos suficientes para sustentar o país. É criando escolas,
hospitais, justiça célere, enfim, usando o dinheiro dos impostos em obras que
beneficiem todos ao longo de muitas gerações ao invés de o gastar em algo
(dinheiro) que depois se esfuma num momento ao ser usado para comprar
raspadinhas. viana EXPERIENTE: Poucas vezes concordo com JMT,
mas nisto estou totalmente de acordo. Pena que não vá mais longe e defenda a
ilegalização de todo o jogo a dinheiro. Ou não há vício entre quem joga nos
outros jogos da Misericórdia ou nos Casinos?... Não há qualquer justificação
para tais actividades serem legais. finas EXPERIENTE: Talvez a justificação de que as
pessoas têm o direito de fazerem o que bem entenderem com elas e com o que é
delas desde que isso não se intrometa com o direito dos outros? X5 EXPERIENTE: " A 31 de julho de 1995
foi lançada a Lotaria Instantânea, com o principal objectivo de financiar as
políticas sociais do Estado com particular abrangência nas áreas da Saúde,
Solidariedade Social, Desporto e Cultura. " (Sendo primeiro ministro à
data Aníbal Cavaco Silva ) " Em Março de 2010, a Lotaria Instantânea
assumiu uma nova identidade, sob a marca comercial “Raspadinha”. Nesse mesmo
ano, foi lançado um jogo (nº 151) com o mesmo nome – Raspadinha –, que
assinalou a introdução de mais e melhores prémios, previstos após as alterações
fiscais já efectuadas, em Outubro de 2009, nos jogos sociais do Estado, quando
os prémios dos jogos deixaram de ser tributados em sede de IRS." Imputar o
jogo da raspadinha aos socialistas é no mínimo fraudulento e manipulador. francisco cruz EXPERIENTE: JMT, estou em desacordo
consigo, no que toca a nomear socialista este ou outro governo com matriz do
Partido "Socialista" - isto vale também para o PCP. As
organizações políticas que se auto-nomeiam de esquerda, são ponta de lança
essencial para manter o status quo capitalista impoluto, ou seja: uma grandiosa
mentira para incautos. Quanto à Santa Casa da Misericórdia e suas congéneres,
deviam ser controladas com mão férrea por uma comissão independente. Durante 2
anos pratiquei voluntariado na Santa Casa da Misericórdia, o que presenciei
exaustivamente nesses 2 anos foi decisivo; desenvolvi enérgica aversão a
esse tipo de organização falsamente solidária com a pobreza alheia. A única
solidariedade é entre-portas para engordar mais e mais o incomensurável património. ATV EXPERIENTE: O problema é a
inexistência de uma lei de mecenato a sério. Desde quando é que se paga por
visitar museus em Londres, NY ou Washington? Paga-se em Lisboa, onde as pessoas
simplesmente não têm recursos para o fazer. Aliás, o mecenato nos demais países
é visto como uma obrigação ilustre que permite não só manter as estruturas e o
seu funcionamento, como promove a visita dos mesmos por todos. Mas aqui não:
são os mais pobres a pagar por aquilo que serve aos menos pobres. É uma
vergonha completa. Luis_Morgado EXPERIENTE: Isso mesmo, ao
mecenato acrescento o voluntariado. Na América do Norte, por exemplo, o
trabalho voluntário em instituições culturais, é visto como uma coisa séria
onde jovens e mais velhos contribuem para a comunidade com profissionalismo,
orgulho e dedicação. ramalheira63 INICIANTE: Faz prática dos
Governos da 3ª República Portuguesa, especialmente os do século XXI, tirar
custos ao Estado, escondendo-os das mais diversas formas. É o caso em causa.
Mas é um escândalo utilizarem a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,
organização criada em 1482 por D. Leonor viúva do rei D. João II para prover o
tratamento e sustento de enfermos e inválidos e dar assistência a
"expostos" ou seja recém-nascidos abandonados, para o efeito. Mas um
precedente já tinha sido aberto quando a Santa Casa ajudou a resolver os
problemas do banco Montepio criados pelos seus gestores, isto no governo
socialista de António Costa. O Zé do Telhado, no século XIX, roubava os ricos
para dar aos pobres, agora, no século XXI, roubam-se os pobres para dar aos
ricos. João Pereira INICIANTE: A ideia até nem é
original. É a lotaria que em Inglaterra paga muita recuperação de património,
compra de obras para museus, aquisição de bens móveis e imóveis que dizem
respeito à história da Inglaterra etcetera etcetera. E não são as marquesas
inglesas que jogam na lotaria... como muitas vezes, nesta crónica, lá está o pé
a fugir para a chinela. Não é crónica é crónico. OldVic1 MODERADOR: A casta que nos
suga há séculos é agora socialista pelo simples facto de que a situação é
socialista. Essa casta já foi salazarista, republicana, monárquica,
"liberal", absolutista, feudal, e por aí fora até 1143. O que conta é
manter o seu acesso à pouca riqueza que o povo consegue criar apesar dos
esforços da dita casta para o impedir de o fazer. Mario Coimbra INFLUENTE: Excelente
crónica. Não só concordo como vou partilhar. É de facto um escândalo. Obrigado
e cumprimentos. Luís Azenha Bonito EXPERIENTE: Do princípio ao
fim da sua exposição, JMT, à excepção de um ou outro detalhe que não
acrescentaria valor, trata-se de uma lição magistral sobre a redundância da
pobreza. É grotesca, verdadeiramente grotesca, a argumentação de Graça Fonseca.
Impossível não estar inteira e honestamente de acordo consigo, JMT. EXPERIENTE:
Infelizmente
há muitos anos a Santa Casa se tornou mais uma das empresas públicas, que por
ser rica, serve propósitos sociais mas também políticos e partidários. A
raspadinha prova que o vicio, nasce do analfabetismo de uma cultura de
irracionalidade financeira, que é apanágio do povo português. Discordo da
obsessão com a raspadinha cultural: não foi por criar uma nova forma de jogo
que surgiu o problema do vício. E se o jogo arruina vidas, ou se proibe e
persegue todo o jogo a dinheiro, ou que se mantenha no controlo do estado. Para
mim não faz sentido o governo manter os casinos on-line, ou sites de apostas,
por exemplo. Vasco Ferreira.888089 INICIANTE: Sejamos práticos.
A ilusão e possibilidade, embora ínfima, que a raspadinha traz ao quotidiano do
comum cidadão, serve como máscara de forma a camuflar os dividendos úteis que
daí advêm dos crentes. O socialismo, apesar de ser alicerçado por correntes dotadas
de nobrezas e solidariedade, em nada difere com os restantes modelos,
valorizando os fins independentemente dos meios
ricardo.andre INICIANTE: A raspadinha
deveria ser proibida. É um mau jogo, apenas feito para viciar. A2 EXPERIENTE: Discordo. Se
não houver jogos legais, passa a haver ilegais, e o estado não ganha nada com
esses. O jogo é o desespero do pobre; se não tem dinheiro, tempo ou
inteligência para investir na sua educação ou num negócio, estes jogos, ainda
assim não viciados (!), são a melhor, se bem que remota, hipótese de um pobre
sonhar com dias muito melhores. graça dias EXPERIENTE:
@A2 - A sua
analogia sobre o tema/problema aqui em foco é de uma pobreza e mediocridade
intelectual confrangedora. Miguel Leitão 77 INICIANTE: Caro A2, este
comentário é o típico pensamento de esquerda burguesa: Coitadinhos dos
pobrezinhos, deixem-nos estar entretidos, eles assim podem sonhar, não têm
inteligência para mais... Ah e se não conseguimos impostos com outros vícios,
vamos sacar com este.
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