sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Quis brilhar, está visto


Se não concorda com a lei da despenalização da eutanásia, podia usar o seu direito de a vetar, simplesmente, mas quis prolongar o tempo da sua actuação em cena, contra-argumentando com razões de grande efeito no seu palco de sensaboria, a esconder uma real cobardia de agarrar o touro pelos cornos. Quis prolongar o pesadelo de todos os que discordam e a ilusão de todos os que aprovam, para continuar a ser o herói da cena, no fundo, indiferente a tudo e a todos, simultaneamente jogando com os trunfos de uma aparente intelectualidade, que não é mais que a sabujice de quem joga a todos os carrinhos e paira acima, falso Deus ex machina que nada soluciona e apenas se exibe… em função da sua pessoa, palavra que também significa máscara. Mas disso conhecia Pessoa, claramente, sem falcatrua.

Eutanásia. Os motivos de Marcelo para mandar o diploma para o Tribunal Constitucional /premium

O Presidente foi rápido a enviar o diploma que despenaliza a morte medicamente assistida para o Tribunal Constitucional. Não invoca o direito à vida, diz que o legislador não cumpre a Constituição

VERA NOVAIS     Texto

OBSERVADOR, 18 fev 2021

Marcelo Rebelo de Sousa é católico e contra a morte medicamente assistida

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu, esta quinta-feira, o diploma que que despenaliza a morte medicamente assistida e, prontamente, o enviou para o Tribunal Constitucional para “fiscalização preventiva da constitucionalidade” por “violação dos princípios da legalidade e tipicidade criminal”.

Marcelo Rebelo de Sousa escreve que os motivos para o requerimento ao Tribunal Constitucional não foi saber se a eutanásia está ou não em conformidade com a Constituição, mas sim se o diploma que a apresenta é constitucional.

O Presidente Marcelo demarcou-se assim do cidadão Marcelo, católico praticante que é contra a morte medicamente assistida: em vez de se focar no facto de o direito à vida ser inviolável, apoiou-se em questões jurídicas, como conceitos mal definidos, um legislador que delega competências e um quadro legal pouco seguro.

"Não é objecto deste requerimento ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição, mas antes a questão de saber se a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição, numa matéria que se situa no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana."

Como se define “sofrimento intolerável”?

“Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável“, cita o requerimento do Presidente, que depois considera que “este conceito não se encontra minimamente definido”.

Marcelo Rebelo de Sousa considera que o conceito, por ter “uma forte dimensão de subjectividade” não pode ser perfeitamente definido pelas “leges artis médicas”, o conjunto de regras científicas e técnicas e princípios profissionais que o médico tem a obrigação de conhecer e utilizar tendo em conta o estado da ciência e o estado concreto do doente.

Primeiro problema: como o médico orientador e o médico especialista têm de justificar o porquê da decisão e, consequentemente, o uso do conceito, o Presidente considera que é “pouco claro como deve ser mensurado esse sofrimento: se da perspectiva exclusiva do doente, se da avaliação que dela faz o médico”.

Segundo problema: “Este grau de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição”. Ou seja, para o Presidente, o conceito e a forma de o avaliar têm de ser perfeitamente claros e bem definidos.

Uma “lesão definitiva de gravidade extrema” pode justificar a antecipação da morte?

“Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável, ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal.” O segundo ponto tem uma adenda ao que tinha sido inicialmente proposto — “com lesão definitiva ou doença incurável e fatal” —, mas ainda assim o Presidente considerou insuficiente.

Marcelo Rebelo de Sousa considera este subcritério uma “solução pouco consentânea com os objectivos assumidos pelo legislador”, porque permite interpretar que “a mera lesão definitiva de gravidade extrema poderia conduzir à possibilidade de morte medicamente assistida”, ainda que o objectivo do legislador fosse conjugar a “lesão definitiva de gravidade extrema” com “o sofrimento intolerável”.

O Presidente questiona também como é que uma lesão definitiva, sem esclarecimento se é fatal ou não, pode justificar a antecipação da morte, uma vez que dessa lesão pode não resultar a morte da pessoa.

Quem deve definir: o legislador ou o médico?

A falta de definições concretas para “sofrimento intolerável”, “lesão definitiva de gravidade extrema” ou “consenso científico”, faz com que o Presidente considere que o legislador não fornece “ao médico interveniente no procedimento um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua actuação”.

“Esta insegurança afecta todos os envolvidos: peticionários, profissionais de saúde, e cidadãos em geral, que assim se vêem privados de um regime claro e seguro, num tema tão complexo e controverso”, escreve o Presidente no requerimento.

"O legislador criou uma situação de insegurança jurídica que seria, de todo em todo, de evitar, numa matéria tão sensível."

Marcelo Rebelo de Sousa critica também que o legislador delegue nos médicos a definição dos conceitos que deviam estar claramente definidos no diploma e que interferem com direitos fundamentais do cidadão. “Na verdade, ao utilizar conceitos altamente indeterminados, ademais em matéria de direitos, liberdades e garantias, remetendo a sua definição, quase total, para os pareceres dos médicos orientador e especialista, o legislador parece violar a proibição de delegação, constante no artigo 112.º da Constituição.

O ponto 5 do artigo 112.º da Constituição diz que “nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”. Ou seja, o legislador não pode deixar para os médicos as decisões com base em conceitos vagos.

A definição dos conceitos pode vir na regulamentação da lei?

O Presidente da República é muito claro em relação a esta questão: “Não se diga, por outro lado, que a insuficiente densificação normativa pode ser corrigida em sede de regulamentação da lei”.

Marcelo lembra que da promulgação deste diploma até que seja aprovada a respetiva regulamentação podem passar 90 dias e tudo o que pode ser avaliado neste momento é o documento votado na Assembleia da República. E que não se pode avaliar a constitucionalidade de uma lei com base num conteúdo que não se conhece.

“Sendo o presente Decreto o único instrumento legislativo que pode ser analisado neste momento, e padecendo ele das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece, ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime presente”, escreve o Presidente.

"É sobre este, e apenas sobre ele, que deve recair o juízo de conformidade constitucional."

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

O Tribunal Constitucional tem agora 25 dias para se pronunciar sobre o pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República. Esta é a segunda vez que Marcelo Rebelo de Sousa recorre ao Tribunal Constitucional desde que assumiu a chefia do Estado, a 9 de março de 2016 — a primeira esteve relacionada com a alteração da legislação sobre a Procriação Medicamente Assistida, em particular na parte da gestação de substituição.

A lei da morte medicamente assistida foi aprovada no dia 21 de janeiro de 2021, na especialidade, na comissão de Assuntos Constitucionais, com os votos favoráveis do PS, BE e PAN, o voto contra do CDS-PP e PCP e abstenção do PSD. E, depois, aprovada em votação global final, no dia 29 do mesmo mês, com 136 votos a favor (a maioria dos deputados do PS, alguns do PSD, BE, PAN, PEV, IL e as deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues). Houve 78 contra e quatro abstenções.

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COMENTÁRIOS:

Coronavirus corona: Marcelo (e quem andar atento ao que se passa) sabe perfeitamente o que se passou na Bélgica e na Holanda com esse mecanismo da "eutanásia". Hoje eliminam-se crianças porque têm uma doença incurável, eliminam-se velhos com consentimento dos filhos porque alegadamente terão uma doença irrecuperável, eliminam-se pessoas porque, no fundo, são inúteis. Se retirarmos o engodo, vemos que se trata de um sofisma e que, na verdade, a ideia subjacente (tanto à eutanásia como ao aborto) é a mesma que esteve subjacente ao Action 4: o encanto, a fantasia, a ilusão por uma sociedade pura, perfeita, sem deficientes, sem doentes. Esse sonho, infantil e revelador de pouca densidade intelectual, embalou-nos para situações execráveis no passado. E continua a embalar meninos. Apesar da barba, das rugas e dos anos de vida acumulados no corpo, continuam a ser uns meninos. Que fazem disparates numa ideia infantil e reveladora de estreiteza intelectual. bento guerra: "Eutanásia? Tirem-me isso da frente, que ainda julgo que é comigo e eu sou hipocondríaco"    Zé Sousa: Este marcelo é cá um artista! Este Marcelo é impagável... Uma alminha atormentada pelo desígnio de agradar a Deus e ao Diabo...            José Maria Tartufo: É melhor procurar obedecer a Deus que à judiaria internacional       Snyder Cut: Curioso não ter esta preocupação pela vida de tantos portugueses que sofrem pela falta de resposta do SNS. Quando à eutanásia, é para aprovar naturalmente.     Rui Brandao > Snyder Cut: Eu sou a favor da possibilidade da eutanásia (sobre a lei criada para o efeito não me pronuncio por desconhecimento), mas acho qualquer leitura que não seja de "artimanha pura" concorda que é inconstitucional.

Mas também acho a CRP um texto de muito dúbia qualidade.

 

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