Se não concorda com a lei da despenalização
da eutanásia, podia usar o seu direito de a vetar, simplesmente, mas quis
prolongar o tempo da sua actuação em cena, contra-argumentando com razões de
grande efeito no seu palco de sensaboria, a esconder uma real cobardia de
agarrar o touro pelos cornos. Quis prolongar o pesadelo de todos os que
discordam e a ilusão de todos os que aprovam, para continuar a ser o herói da
cena, no fundo, indiferente a tudo e a todos, simultaneamente jogando com os
trunfos de uma aparente intelectualidade, que não é mais que a sabujice de quem
joga a todos os carrinhos e paira acima, falso Deus ex machina que nada soluciona e apenas se exibe… em função da
sua pessoa, palavra que também significa máscara. Mas disso conhecia Pessoa,
claramente, sem falcatrua.
Eutanásia. Os motivos de Marcelo para
mandar o diploma para o Tribunal Constitucional /premium
O Presidente
foi rápido a enviar o diploma que despenaliza a morte medicamente assistida
para o Tribunal Constitucional. Não invoca o direito à vida, diz que o legislador
não cumpre a Constituição
VERA NOVAIS Texto
OBSERVADOR, 18 fev
2021
Marcelo
Rebelo de Sousa é católico e contra a morte medicamente assistida
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
O
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu, esta quinta-feira, o
diploma que que despenaliza a morte medicamente assistida e, prontamente, o
enviou para o Tribunal Constitucional para “fiscalização preventiva da
constitucionalidade” por “violação dos princípios da legalidade e tipicidade
criminal”.
Marcelo
Rebelo de Sousa escreve que os motivos para o requerimento ao Tribunal Constitucional não foi
saber se a eutanásia está ou não em conformidade com a Constituição, mas sim se
o diploma que a apresenta é constitucional.
O
Presidente Marcelo demarcou-se assim do cidadão Marcelo, católico praticante
que é contra a morte medicamente assistida: em vez de se focar no facto de o
direito à vida ser inviolável, apoiou-se em questões jurídicas, como conceitos
mal definidos, um legislador que delega competências e um quadro legal pouco
seguro.
"Não é
objecto deste requerimento ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, a
questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a
Constituição, mas antes a questão de saber se a concreta regulação da morte
medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma
com a Constituição, numa matéria que se situa no core dos direitos, liberdades
e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua
limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana."
Como se define “sofrimento intolerável”?
“Considera-se
antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte
da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e
esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável“, cita o requerimento do
Presidente, que depois considera que “este conceito não se encontra minimamente
definido”.
Marcelo
Rebelo de Sousa considera que o conceito, por ter “uma forte dimensão de subjectividade”
não pode ser perfeitamente definido pelas “leges artis médicas”, o conjunto de regras científicas e técnicas e princípios
profissionais que o médico tem a obrigação de conhecer e utilizar tendo em
conta o estado da ciência e o estado concreto do doente.
Primeiro
problema: como o
médico orientador e o médico especialista têm de justificar o porquê da decisão
e, consequentemente, o uso do conceito, o Presidente considera que é “pouco
claro como deve ser mensurado esse sofrimento: se da perspectiva exclusiva do
doente, se da avaliação que dela faz o médico”.
Segundo
problema: “Este grau
de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade
normativa resultantes da Constituição”. Ou seja, para o Presidente, o conceito
e a forma de o avaliar têm de ser perfeitamente claros e bem definidos.
Uma
“lesão definitiva de gravidade extrema” pode justificar a antecipação da morte?
“Considera-se
antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte
da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e
esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável, ii) com lesão definitiva
de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e
fatal.” O segundo ponto tem uma adenda ao que tinha sido inicialmente proposto
— “com lesão definitiva ou doença incurável e fatal” —, mas ainda assim o
Presidente considerou insuficiente.
Marcelo
Rebelo de Sousa considera este subcritério uma “solução pouco consentânea com
os objectivos assumidos pelo legislador”, porque permite interpretar que “a
mera lesão definitiva de gravidade extrema poderia conduzir à possibilidade de
morte medicamente assistida”, ainda que o objectivo do legislador fosse
conjugar a “lesão definitiva de gravidade extrema” com “o sofrimento
intolerável”.
O
Presidente questiona também como é que uma lesão definitiva, sem esclarecimento
se é fatal ou não, pode justificar a antecipação da morte, uma vez que dessa
lesão pode não resultar a morte da pessoa.
Quem deve definir: o legislador ou o médico?
A
falta de definições concretas para “sofrimento intolerável”, “lesão definitiva
de gravidade extrema” ou “consenso científico”, faz com que o Presidente
considere que o legislador não fornece “ao médico interveniente no procedimento
um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua actuação”.
“Esta
insegurança afecta todos os envolvidos: peticionários, profissionais de saúde,
e cidadãos em geral, que assim se vêem privados de um regime claro e seguro,
num tema tão complexo e controverso”, escreve o Presidente no requerimento.
"O
legislador criou uma situação de insegurança jurídica que seria, de todo em
todo, de evitar, numa matéria tão sensível."
Marcelo
Rebelo de Sousa critica também que o legislador delegue nos médicos a definição
dos conceitos que deviam estar claramente definidos no diploma e que interferem
com direitos fundamentais do cidadão. “Na verdade, ao utilizar conceitos
altamente indeterminados, ademais em matéria de direitos, liberdades e
garantias, remetendo a sua definição, quase total, para os pareceres dos médicos
orientador e especialista, o legislador parece violar a proibição de delegação,
constante no artigo 112.º da Constituição.”
O
ponto 5 do artigo 112.º da Constituição diz que “nenhuma lei pode criar outras
categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder
de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou
revogar qualquer dos seus preceitos”. Ou seja, o legislador não pode deixar
para os médicos as decisões com base em conceitos vagos.
A definição dos conceitos pode vir na
regulamentação da lei?
O
Presidente da República é muito claro em relação a esta questão: “Não se diga,
por outro lado, que a insuficiente densificação normativa pode ser corrigida em
sede de regulamentação da lei”.
Marcelo
lembra que da promulgação deste diploma até que seja aprovada a respetiva
regulamentação podem passar 90 dias e tudo o que pode ser avaliado neste
momento é o documento votado na Assembleia da República. E que não se pode
avaliar a constitucionalidade de uma lei com base num conteúdo que não se
conhece.
“Sendo o presente Decreto o
único instrumento legislativo que pode ser analisado neste momento, e padecendo
ele das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser
sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece,
ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime presente”, escreve o Presidente.
"É
sobre este, e apenas sobre ele, que deve recair o juízo de conformidade
constitucional."
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República
O Tribunal
Constitucional tem agora 25 dias para se pronunciar sobre o pedido de
fiscalização preventiva do Presidente da República. Esta é a segunda vez que
Marcelo Rebelo de Sousa recorre ao Tribunal Constitucional desde que
assumiu a chefia do Estado, a 9 de março de 2016 — a primeira esteve
relacionada com a alteração da legislação sobre a Procriação Medicamente
Assistida, em particular na parte da gestação de substituição.
A
lei da morte medicamente assistida foi aprovada
no dia 21 de janeiro de 2021, na especialidade, na comissão de Assuntos
Constitucionais, com os votos favoráveis do PS, BE e PAN, o voto contra do
CDS-PP e PCP e abstenção do PSD. E, depois, aprovada
em votação global final, no dia 29 do mesmo mês, com 136 votos a favor (a
maioria dos deputados do PS, alguns do PSD, BE, PAN, PEV, IL e as deputadas
não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues). Houve 78 contra e
quatro abstenções.
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COMENTÁRIOS:
Coronavirus corona: Marcelo (e
quem andar atento ao que se passa) sabe perfeitamente o que se passou na
Bélgica e na Holanda com esse mecanismo da "eutanásia". Hoje
eliminam-se crianças porque têm uma doença incurável, eliminam-se velhos com
consentimento dos filhos porque alegadamente terão uma doença irrecuperável,
eliminam-se pessoas porque, no fundo, são inúteis. Se retirarmos o engodo,
vemos que se trata de um sofisma e que, na verdade, a ideia subjacente (tanto à
eutanásia como ao aborto) é a mesma que esteve subjacente ao Action 4: o
encanto, a fantasia, a ilusão por uma sociedade pura, perfeita, sem
deficientes, sem doentes. Esse sonho, infantil e revelador de pouca densidade
intelectual, embalou-nos para situações execráveis no passado. E continua a
embalar meninos. Apesar da barba, das rugas e dos anos de vida acumulados no
corpo, continuam a ser uns meninos. Que fazem disparates numa ideia infantil e
reveladora de estreiteza intelectual. bento guerra: "Eutanásia? Tirem-me isso da frente, que ainda julgo
que é comigo e eu sou hipocondríaco" Zé
Sousa: Este marcelo é cá um artista!
Este Marcelo é impagável...
Uma alminha atormentada pelo desígnio de
agradar a Deus e ao Diabo... José Maria Tartufo: É melhor procurar obedecer a Deus que à judiaria
internacional Snyder
Cut: Curioso não ter esta preocupação pela
vida de tantos portugueses que sofrem pela falta de resposta do SNS.
Quando à eutanásia, é para aprovar
naturalmente. Rui
Brandao > Snyder Cut: Eu
sou a favor da possibilidade da eutanásia (sobre a lei criada para o efeito não
me pronuncio por desconhecimento), mas acho qualquer leitura que não seja de
"artimanha pura" concorda que é inconstitucional.
Mas
também acho a CRP um texto de muito dúbia qualidade.
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