segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

A corda bamba de sempre


Mas haja quem avise. Para acautelar, se for possível, já que a esperança é a última a morrer, descontando o pessimismo…

OPINIÃO

Cuidado com as ambições!

Dentro dos partidos, começou a temporada de luta e caça. Até no PS, que deveria estar mais empenhado em tratar do Governo e do país, apareceram as primeiras “movimentações”.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 6 de Fevereiro de 2021

Um boato corre o mundo: foi a pandemia que derrotou Donald Trump. A vida política é feita destas pequenas verdades e destes grandes boatos, assim como de rumores académicos, disfarçados de rara sabedoria. Inventados por gente esperta, são depois retomados nas redacções dos jornais e nos canais de televisão. Assim se chegou à certeza de que a pandemia tem potencialidades políticas inesperadas. Logo se começou a pensar que é preciso agir depressa para aproveitar o momento. De imediato se começaram a fazer cálculos para as mais insensatas aventuras, para o que políticos portugueses rapidamente se prepararam.

Está estabelecida a ideia de que “quanto pior melhor”. Se tudo correr mal nos hospitais e nos centros de saúde, perde o Governo e ganha a oposição. Como de facto muito não está a correr bem, os políticos de oposição sentem que têm de estar atentos. Não só os actuais dirigentes, mas também os candidatos. As direcções partidárias do PS, do PSD, do CDS, do Bloco e até, imagine-se, do PCP são vítimas da pandemia.

Assim é que, dentro dos partidos, começou a temporada de luta e caça. Até no PS, que deveria estar mais empenhado em tratar do Governo e do país, apareceram as primeiras “movimentações”. Nos outros partidos, vai haver luta pela liderança antes do Inverno. Na previsão de que, até lá, se confirme a perda de reputação de António Costa e do seu PS. Desde a votação do orçamento que se percebeu que a maioria estava desfeita. Bloco e PCP fazem contas à vida e percebem, com as presidenciais, que o seu futuro está periclitante. Foi quanto bastou para que a competição interna desse sinais de aquecimento. No PSD, que nunca deixou de estar em guerra consigo próprio, revelaram-se já ambições inesquecíveis.

A verdade é que o Governo e as autoridades sanitárias não têm desempenhado as suas funções com eficácia. Antes pelo contrário. Mostraram hesitação, ignorância e medo. Revelaram prepotência e capricho. Deram provas de uma obscena inclinação para a propaganda política. Deixaram vir à tona do discurso toda a sua aversão à sociedade e à economia privadas. Ganharam terreno as alucinadas veleidades do PCP e do Bloco, que sonham com a destruição pura e simples do mundo privado.

As autoridades enganaram-se com as máscaras, o plano de vacinas, a duração e as regras do confinamento, os comércios a fechar, o ensino à distância, o teletrabalho e a colaboração com os hospitais privados. Falharam nas previsões. Mesmo sabendo, como os socialistas dizem há anos, que o Serviço Nacional de Saúde estava com enormes faltas de pessoal, instalações e equipamento, não foram tomadas medidas suficientes, mal se soube o que aí vinha. Erraram para além do admissível numa área particularmente sensível, a do racionamento e das prioridades das vacinas.

Exageraram nas facilidades e no optimismo quando deviam ser firmes nas regras e nos costumes. Tentaram manipular as taxas e as estatísticas, como fazem os ditadores. Exageraram nas conferências de imprensa ou nas conversas de vão de escada, deram avalanches de pormenores técnicos, logo contrariados no dia seguinte, afogaram a opinião pública, confundiram os cidadãos com excesso de informações inúteis, ocultaram sistematicamente os números simples e reveladores em proveito das enxurradas de equações e taxas. Conduziram uma política de comunicação errada. Informação a mais. Pormenores técnicos a mais. Política a mais. Ideologia a mais. Auto-suficiência a mais. Foram meses que poderão servir, dentro de anos, nas escolas de comunicação, como exemplos da arte de errar e manipular.

Portugal já revelou os melhores resultados do mundo, está agora na fase dos piores resultados do mundo! A chegada de equipas médicas das Forças Armadas alemãs, com material e equipamento, foi festejada como uma vitória diplomática. Foi gesto único ou quase em toda a Europa. A recepção no aeroporto foi um triunfo. Só que o facto não foi apenas visto com reconhecimento. Levou toda a gente a concluir o inevitável: a situação é pior do que se pensava, está tudo mais grave do que se imaginava.

As mudanças de regras e de critérios relativamente às vacinas, a denotar demagogia e propaganda, constituíram os momentos mais confrangedores desta opereta. A elaboração das listas dos “vacináveis” é um monumento à incompetência. Mais de oitenta anos? Mais de 65? Mais de 50, mas com doenças? Que doenças? E os políticos? Os governantes e os deputados? E os profissionais de saúde? E os cuidadores? E os autarcas? E os habitantes dos lares? E os responsáveis das IPSS?

Desorientação convida a sonhar e crise acelera as ambições. Que fazer? Convocar eleições? Dissolver o Parlamento? Demitir o Governo? Nomear um governo de iniciativa presidencial? Obrigar a um governo de unidade nacional com todos os partidos? Forçar um bloco central com o PS e o PSD? Exigir uma coligação formal com toda a esquerda? Estamos no domínio da fantasia. Os especialistas em artes e manhas políticas sabem tanto ou mais do que os especialistas em máscaras cirúrgicas e em marcas de vacinas.

Reformar? Sim. Mudar um ministro? Com certeza. Demitir um director? Sem dúvida. Criar um serviço mais competente, menos político, menos partidário, mais isento e mais operacional? Sem hesitações.

Mudar o Governo? Fazer novo orçamento? Repartir cargos pelos diferentes partidos? Distribuir os directores pelos partidos apoiantes? Voltar aos debates programáticos no Parlamento? Nem pensar nisso! Não há tempo, nem necessidade. Nem se compreenderia uma monumental perturbação política no meio da pandemia, da terceira ou quarta vaga. A não ser que se pretenda pura e simplesmente esquecer a democracia, congelar direitos e deveres, impor autoridade sem limites…

Faça-se o que tem de ser feito neste maldito ano. Mude-se um ou vários ministros. Secretários de Estado. Comissários e directores gerais. Alterem-se procedimentos. Acabe-se com o discurso ridiculamente propagandístico. Recorra-se cada vez mais aos profissionais e aos cientistas. E, sobretudo, vacine-se o país! Quando chegarmos a um equilíbrio sanitário, a um controlo eficaz e a uma relativa imunidade de grupo, nessa altura terão tempo para fazer eleições, recompor maiorias e governos, derrubar presidentes e secretários-gerais, ajustar contas, derrotar com seriedade os extremos, elaborar plataformas pré-eleitorais adequadas e conhecidas a sufragar pelo eleitorado… E, sobretudo, terão salvado vidas.

Sociólogo

TÓPICOS

GOVERNO  PARTIDOS POLÍTICOS  DEMOCRACIA  PANDEMIA  VACINAS  SAÚDE  ANTÓNIO COSTA

COMENTÁRIOS:
Amadeu Br..909128
INICIANTE:
"Mesmo sabendo, como os socialistas dizem há anos, que o Serviço Nacional de Saúde estava com enormes faltas de pessoal, instalações e equipamento, não foram tomadas medidas suficientes, mal se soube o que aí vinha." É curiosa esta afirmação, reiterada por inúmeros outros colunistas e opinadores. Todavia praticamente todos eles condenaram, sem apelo nem agravo, o BE por ter votado contra o OE21... precisamente, e sobretudo, por esta mesma aparente 'evidência universal'!... Faz lembrar aquela já velha 'blague' dos 'prognósticos?... só depois do jogo!...          Fowler Fowler INICIANTE: O discurso miserabilista sobre o nosso país indigna-me, sobretudo quando vem de um treinador de bancada, como é o caso. Neste tempo de crise, o “quanto pior melhor” tem sido escalpelizado até à náusea, rendendo mais-valias à comunicação social e à oposição política. Como sabe que não há alternativa, o conselheiro Acácio vem dizer aos rapazes para se aquietarem e deixarem António Costa agastar-se na tarefa da vacinação em curso. Até ao próximo Orçamento do Estado. Até as sondagens permitirem antever uma maioria de direita no parlamento. Nada de ambições, por enquanto. Primeiro a “tragédia”.           Conde de Montecristo INICIANTE: Todos dizem o mesmo, mas de forma diferente: os nossos governantes não nos merecem.             ganso.barao INICIANTE: Excelente análise.      Mario Coimbra EXPERIENTE: Caro AB, muito bom. Obrigado pela acutilância. E não foi só a pandemia que derrubou Trump. Ajudou a mostrar a inconsistência, incompetência e falta de liderança.       António Maria Coelho de Carvalho INICIANTE: Meu Caro A. Barreto A sua crónica é, para mim, uma espécie de vitamina espiritual. Hoje li “Recorra-se cada vez mais aos profissionais e aos cientistas. E, sobretudo, vacine-se o país!” Fiquei preocupado. A maior parte dos profissionais e dos cientistas, também não nos oferece soluções fidedignas. Porque só lhes ensinaram nas escolas, e por isso praticam, as terapias erróneas que nos levaram ao crescimento exponencial das doenças crónicas; ou porque fazem da “sua” ciência uma espécie de Santo Ofício. Daí que o “sobretudo, vacine-se o país” seja questionável e fruto da nossa generalizada ignorância sobre o conflito que há mais de 100 anos opôs Pasteur a um outro cientista: Antoine Béchamp. No Google e na Wikipedia encontrará informação suficiente para o pôr a reflectir. Muito obrigado AB. VivaViriatoLusitano EXPERIENTE: Gosto de ler os seus artigo , mas desta vez, foi demasiado genérico e pessimista. Varreu tudo... rafa7r7.1017226 INICIANTE: Disse o essencial.           Arur João Lourenço Vaz INICIANTE: De treinadores de bancada e acertadores do euromilhões à segunda-feira está o inferno cheio. Com António Barreto a governar, pensando, dizendo e fazendo tudo e o seu contrário... o país endireitava sem remédio. Como aconteceu com o outro Antoninho!...            Mario Coimbra EXPERIENTE: Já cá faltava. INICIANTE: Já não é permitido fazerem-se comentários, é? Censura intelectual, é isso? Não sabe melhor? E se o meu caro se desse antes ao trabalho de nos vir dizer o que acha de errado no que AB diz, no artigo? Não seria bem mais útil do que invocar o defunto de Sta. Comba Dão?? Francamente...  Leonor Rito.896449 INICIANTE: Gostei. Claro que aguardamos a todo o momento o comentário da cunhada do AB, aqui conhecida por Fowler Fowler, que vai dar um arraso. Há anos que anda nisto.            Paulo Batista EXPERIENTE: Sim. No governo é preciso trabalhar mais e falar menos. Comunicar o que é importante e verdadeiro, e não o supérfluo, o fantasista, o improvável, o irreal ... a seu tempo os eleitores julgarão se gostam mais do mesmo ou se querem mudar ... No entanto num país pobre e maioritariamente dependente do Estado não poderemos alimentar grandes esperanças em mudança. Tivéssemos gente séria e competente nos diversos níveis de governação do País já seria muito bom. Mas a realidade é o que é... pelo que não tenhamos ilusões. Se isto não for para pior já será uma sorte ... já não temos dinheiro na gaveta e com uma dívida monstruosa, basta fecharem-nos a torneira ...     rafa7r7.1017226 INICIANTE: (...) a seu tempo os eleitores julgarão se gostam mais do mesmo ou se querem mudar ... " Para que alternativa?? O nosso panorama político está de tal forma depauperado, que é difícil encontrar uma solução credível e que seja aceite pela generalidade dos cidadãos, sobretudo da parte dos que beneficiam de forma directa ou indirecta das benesses do Estado. Aquando do tempo da "troika", tivemos essa oportunidade. Podiam ter-se imposto regras bem mais duras, decalcadas de outros países com resultados bons. Mas não... Encarregou-se disso Paulo Portas, que foi o mesmo que pôr a raposa de dente afiado a guardar um galinheiro...          JLMB INICIANTE: Como sempre um pensamento sem preconceitos e carregado de sabedoria. danielavramos9.996715 INICIANTE: Meu caro, sempre atento, sempre alerta, sempre preciso, sempre actual. Sempre importante a leitura da sua opinião. E é isso mesmo. Cuidado com as ambições. E palpita-me que, no momento actual a ambição vai "matar" os seus precursores.   rafa7r7.1017226 INICIANTE: Já "matou"... Foi precisamente a "ambição" desmesurada durante décadas, sem o país ter recursos para isso, que levou a termos a situação actual (falta de poder de resposta a um evento catastrófico e imprevisto, mas não imprevisível!). E o "já matou" vê-se nas linhas iniciais do artigo de AB, que estamos aqui a comentar. "Já se notam movimentos internos nos partidos"...

Nenhum comentário: