Desta história de JPP não gostei tanto como da anterior, julgo que, entre outros
motivos, porque me lembrei do choque que sentira por aquela altura com o
fuzilamento do casal Ceausescu, (como, de resto,
sentiria, mais tarde, com o enforcamento de Saddam Hussein). A pena de morte, tendo sido abolida na generalidade do
mundo em que vivemos, dificilmente me adaptaria a esse horror – embora nos
preparemos para o retomar, sob uma capa, todavia, misericordiosa, como é a que
(en)cobre a eutanásia. De toda a maneira, é uma página de História que gostei
de rever, amortecido o horror com a borracha do tempo, e que complementei com a
Wikipédia do nosso facilitismo.
OPINIÃO
Para não estarmos sempre a falar das mesmas coisas (2)
Em 1990, pouco depois da queda e da
execução de Ceausescu, perdi a diplomacia numa reunião em Bucareste onde se
discutia o futuro da polícia política.
PÚBLICO, 20 de
Fevereiro de 2021
Pouco
tempo depois da queda e da execução de Ceausescu participei numa delegação
internacional que visitou a Roménia em 1990. Os
acontecimentos do dia de Natal de 1989 ainda estavam encobertos por
muitas obscuridades e não se sabia muito bem o que tinha acontecido no julgamento
fantoche de Ceausescu e da mulher Elena, e a sua imediata execução por
fuzilamento numa caserna em Targoviste, onde tinham sido presos depois de
fugirem de Bucareste. Havia
igualmente muita controvérsia sobre o papel da polícia política Securitate, na própria queda do regime, assim como dos soviéticos, que Ceausescu culpou no julgamento
fantoche de serem os culpados do que lhe estava a acontecer. Havia também uma discussão em aberto sobre o futuro da
Securitate, num regime que se apresentava como democrático.
Nesses
dias de transição e durante alguns anos, os sucessores “democráticos” de
Ceausescu, como Iliescu,
mantinham muitas práticas autoritárias, perseguição de dissidentes, controlo do
aparelho de Estado e da comunicação social, mas recebiam legitimação ocidental,
principalmente no quadro das alianças militares com a entrada na OTAN em 2004
e, depois, na União Europeia. A Roménia, na verdade, não cumpria as
condições para ser membro da União Europeia a que aderiu em 2007, mas, como se
passou com outros Estados da Europa Central e do Leste, por razões geopolíticas
os olhos fecharam-se.
Houve
uma reunião no edifício do Parlamento em que participaram dirigentes romenos
ligados à junta que derrubara o regime comunista, entre os quais Petre
Roman, que ia suceder a Iliescu à frente do governo, e alguns deputados opositores ao
novo regime. Quando se discutiu o papel da Securitate, que as novas
autoridades queriam manter sob o pretexto de que o fariam apenas para os
“serviços técnicos” e não para a parte de polícia política, eu fiz uma
intervenção sobre o que acontecera à PIDE em Portugal. Referi que a PIDE fora
colectivamente incriminada, sem qualquer distinção sobre as funções dos
agentes, que, aliás, não podiam ser efectivamente separadas entre uma parte
“técnica” e outra política. Fui omisso quanto às circunstâncias do modo como a
maioria dos agentes tiveram a porta aberta para fugir e a escassez de
responsabilização, mesmo nos casos mais graves, uma vergonha da nossa democracia. Mas
insisti na responsabilização colectiva de uma associação de malfeitores como um
modelo possível para a Securitate.
FOTO: Fotografia de agência a
partir do filme feito pelos executores de Ceausescu e sua mulher Elena ARQUIVO
EPHEMERA
Notei
então uma certa agitação na sala, mas não lhe atribuí nenhuma importância. No
dia seguinte, na continuação da reunião, as coisas começaram a aquecer. Sem eu
saber, alguns dos presentes que eram contra a preservação cosmética dos
“técnicos” da Securitate tinham saído da reunião e irromperam numa reunião
destinada a discutir o futuro da Securitate, que formalmente ainda existia,
apresentando o exemplo português do que acontecera com a incriminação colectiva
da PIDE. Ao menos numa coisa, aliás das mais imperfeitas, a experiência
portuguesa da revolução de Abril poderia servir para alguma coisa.
Só
que na reunião estava outra personagem que até então permanecera silenciosa, Virgil
Magureanu, um dos
membros do tribunal que julgara Ceausescu e Elena, e então, informalmente, o chefe
da Securitate. Ele pega num dossier e faz uma intervenção dirigida ao “português”
(eu), negando que a PIDE tenha sido colectivamente extinta e incriminada e que,
bem pelo contrário, como acontecia na Roménia, os “serviços técnicos”
continuavam a funcionar.
Eu
não sabia quem era a personagem, só soube depois, mas achei que aquilo era
demais e perdi a diplomacia e disse-lhe que o que ele estava a dizer era tudo
mentira. Na agitação subsequente, um dos participantes militares romeno
resolveu acalmar as coisas prometendo-nos uma visita a Targoviste, para o dia
seguinte. Eu calei-me e Magureanu também. Era uma magnífica proposta visto que
não havia precedentes, que eu saiba, do local do julgamento e execução do casal
Ceausescu ter sido visitado por observadores independentes, havia dúvidas sobre
o fragmento de filme então realizado com o objectivo de mostrar que estavam
realmente mortos, se fora ali a execução, e onde estavam os cadáveres. E lá fomos, mas
isso é toda uma outra história.
A
caminho do pelotão de fuzilamento, Ceausescu cantou A Internacional e Elena
insultou as mães dos soldados. A Roménia, dias depois, aboliu a pena de morte,
sendo os Ceausescu os últimos a serem executados.
HISTORIADOR
TÓPICOS
HISTÓRIA EUROPA ROMÉNIA PIDE COMUNISMO DIPLOMACIA BUCARESTE
Makidada: EXPERIENTE: Gostei destas duas últimas crónicas, seria interessante
que outros contemporâneos de JPP também começassem a fazer o mesmo. Porque não
um programa de televisão entre estes protagonistas seniores? Por temas, não
necessariamente cronológicos, podem ser temáticos: a gastronomia, a estupidez,
a mentira, a vaidade, a beleza, a gaffe, o insulto, a cabala, etc, etc. rafael.guerra EXPERIENTE: Envelopes no bolso ou por baixo da mesa, pequena e
grande corrupção, têm sido moeda corrente na Roménia. País flagelado por uma
corrupção selvagem após a praga do comunismo e de 3 séculos de domínio otomano.
Há sinais de que as coisas estão a melhorar com a ajuda da UE. Infelizmente, o
nacionalismo idiota também por lá está bem difundido, o qual traz benefícios
apenas para quem vive dele. (PS: que prazer de ler JPP) fernando f franco EXPERIENTE: Estas histórias da diplomacia pouco têm de
verdadeiramente interessante, sobretudo quando narradas na primeira pessoa,
pois parecem uma colecção de cromos que nos alimenta o Ego. Quanto ao episódio
em si, de tão banal e frequente nas deposições de regimes, precisava de um bom
acervo de ficção para o transportar para uma outra latitude, sei lá, talvez um
certo atrevimento ideológico por parte de PP, quebrando a básica ideia de que
de um lado estão os bons e do outro os maus. pintosa INICIANTE: Surpreende-me que JPP tenha sugerido o modelo português
de responsabilização colectiva da polícia política (PIDE/DGS), o qual nunca foi
aplicado em mais país nenhum, nem às polícias das ditaduras comunistas, nem às
das ditaduras fascistas e/ou militares! Pela simples razão de que sendo as
polícias reguladas pelas leis dos Estados depostos, e não prevendo
expressamente os seus Regulamentos a prática de crimes como tal universalmente
considerados (assassinato, tortura, sequestro, etc), em si mesmas não eram consideradas
criminosas face à lei que as criou, e não podem vir a sê-lo retroactivamente a
não ser violando o artº. 8 da Declaração dos Direitos do Homem, segundo o qual
"ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e
promulgada ANTES do delito". FPS INFLUENTE: Estas
transições foram, e continuam a ser, histórias ainda mal e insuficientemente
contadas ou, pelo menos, percebidas. O fuzilamento do casal Ceausescu, presumo,
nunca vai ser completamente digerido e muito menos compreendido. E veremos como
é que a Ucrânia vai resolver a sua transição que, com o regresso das políticas
de Obama, as coisas podem mesmo complicar-se, e muito... Paulo Batista EXPERIENTE: Gosto destas partilhas de JPP. Contudo não esqueça de
ir fazendo a leitura do que se vai passando cá na paróquia pois precisamos do
seu sentido analítico e crítico, independentemente de concordarmos mais ou
menos. Figueira da Foz EXPERIENTE: Quero também agradecer a partilha desta história.
Ceratioidei MODERADOR: O JPP podia oferecer-nos um livro de memórias, que
compraríamos com muito gosto. História viva contada na primeira pessoa.
Interessante, informativo, enfim, excelente! Palavras para quê?
Maria Odete
Vilas Coutinho MODERADOR: Ideia
excelente. PP tem mundivivência, é culto, e não escreve mal; seria muito
interessante poder ler as suas "aventuras políticas" sem ser a
conta-gotas, aqui no jornal. De resto, identifico-o como uma das mais interessantes
figuras contemporâneas, e espero ainda que a sua voz possa voltar a ser ouvida,
em perímetros mais vastos...
M Cabral INICIANTE: Obrigado pela partilha de mais uma interessante
história da História e pelo gosto de ouvir falar de "outras coisas". Por bom caminho e segue EXPERIENTE: Pacheco Pereira, da sua intervenção resultou de facto o
quê? Conta uma história em que pretende passar por protagonista, mas que não
passa afinal de um episódio anedótico, mais próprio de umas memórias
biográficas que de um artigo de opinião. pronouncer EXPERIENTE: Do texto resulta a tentativa de defender a face da
Securitate com base numa mentira. Reflecte uma postura típica de espíritos
totalitários e mafiosos. Se não lhe cheirou a isto, consulte um médico do
nariz. José Oliveira INICIANTE: Obrigado pelas belas histórias que nos conta.
NOTAS DA INTERNET:
Nicolae Ceaușescu
Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
Nicolae Ceauşescu (Scorniceşti,
26 de janeiro
de 1918 — Târgovişte,
25 de dezembro de 1989)
foi um político romeno que serviu como Secretário-geral
do Partido
Comunista do seu país de 1965 a 1989, servindo também, a
partir de 1974, como Presidente
da República
Socialista da Roménia. O seu governo ditatorial foi
derrubado na Revolução de
1989.
Nascido em 1918 na cidade de Scornicești,
no condado de
Olt, Ceaușescu
juntou-se, ainda na juventude, ao Partido Comunista Romeno. Ele foi subindo pelas patentes durante o
governo socialista de Gheorghe
Gheorghiu-Dej até que, quando este morreu, em 1965, Ceaușescu foi
apontado seu sucessor como Secretário-Geral do Partido Comunista.
Ao subir ao poder, mostrando-se
inicialmente como um moderado, ele aliviou a censura à imprensa e condenou a invasão da
Tchecoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia
com um discurso em 21 de agosto de 1968, que fez com que sua popularidade
aumentasse. O período de estabilidade, contudo, foi breve; o seu governo, com o passar dos anos, foi
ficando cada vez mais autoritário e tornou-se um dos mais ditatoriais do Leste Europeu. A sua polícia secreta, a Securitate, era
responsável pela vigilância em massa
e repressão política, acusada de abuso de direitos humanos. O regime de Ceaușescu
acabou por censurar a imprensa e fechar jornais com viés de oposição, criando
um dos aparelhamentos de segurança interna mais brutais do mundo na época. Eventualmente,
a má gestão económica levaria a um crescimento da dívida externa, colocando a
economia romena num forte ciclo de recessão; em 1982, ele ordenou que
quase todo o potencial agrícola e industrial produzido pelo país fosse
exportado, com o objectivo de gerar renda adicional para pagar as dívidas da
nação. Isso causou enormes escassezes de bens de subsistência,
levando a subsequentes reduções nos índices de qualidade de vida, devido a
falta de água, comida, petróleo e derivados, aquecimento, remédios, electricidade
e outras coisas. Para
tentar aparentar estabilidade, o culto da
personalidade ao redor de Ceaușescu foi aumentado exponencialmente,
acompanhado por um deterioração das relações internacionais e falta de apoio
externo.
A partir de Dezembro de 1989, protestos anti-governo foram
reportados em Timișoara. A resposta de Ceaușescu
foi rápida e ele deu ordens para que as forças de segurança nacionais
reprimissem os protestantes, levando a muitas mortes. As notícias da repressão levaram a mais
manifestações e revoltas populares contra a ditadura em várias cidades do país.
Os protestos eventualmente chegaram a Bucareste e
a revolta generalizada viria a ser conhecida como Revolução
Romena — tornando-se o único derrube violento de um regime comunista
durante as revoluções de 1989 pela Europa Oriental. Ceaușescu e sua esposa, Elena, fugiram
do sitiado palácio do governo e evadiram-se da capital num helicóptero militar, mas
foram logo capturados por tropas do exército romeno que haviam passado para o
lado dos revolucionários. Em 25 de Dezembro, com o país
mergulhando no caos, Ceaușescu e sua esposa foram rapidamente julgados por
"sabotagem económica e genocídio", sendo então sumariamente executados por um pelotão de fuzilamento. Ceaușescu foi
sucedido no poder por Ion Iliescu, um dos
líderes da Revolução.
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