Para reflectir e curtir. Como
habitualmente. Com António
Barreto, a quem agradecemos a análise ponderada, como sempre. E
num português bonito de se ler.
OPINIÃO:
Ainda as duas esquerdas
A esquerda é actualmente a mais
importante força de estabilidade e de conservação política. Se pudesse, tudo
ficava como está. Mas sabe que, mantendo-se imóvel, fica dependente e pode
perder os trunfos actuais. Por isso vamos, quase inevitavelmente, assistir a
grandes movimentos políticos e doutrinários no universo esquerdista.
ANTÓNIO
BARRETO PÚBLICO, 27 de Fevereiro de 2021
Por vezes, as grandes crises são
propícias às transformações. A actual pandemia é disso um bom exemplo. Aliás, mesmo antes de esta última se ter revelado,
já havia sinais de que se preparava uma reconfiguração da política portuguesa.
Havia sinais inconfundíveis. O declínio assustador da direita
democrática e da democracia cristã. A decadência do centro social-democrata. A
frenética ascensão da extrema-direita e do Chega. O imobilismo comunista. A
deriva da esquerda radical não comunista. O desenvolvimento das tendências e
das “sensibilidades” socialistas. E a proliferação de pequenos partidos.
O protagonismo do Presidente
da República acrescentou uma nota consistente e um peso específico próprio com o qual teremos de contar durante os
próximos anos. Na sociedade em geral, no mundo sindical, nos meios
católicos, nos ambientes maçónicos, nos círculos profissionais e no universo
intelectual, surgem fenómenos inéditos que não desmentem a descrença política e
sugerem novas afirmações políticas.
Por
enquanto, em Portugal, a pandemia tem favorecido o que está estabelecido, o statu
quo e o poder do dia. E tem beneficiado os socialistas. Não se sabe por quanto
tempo. Por isso, com a necessidade de aprovar três novos orçamentos, com a
aproximação das eleições autárquicas e já com as legislativas (antecipadas ou
não) no horizonte, a urgência de revisão política é total. Tanto nas esquerdas
como nas direitas.
Estranhamente ou não, a esquerda é actualmente a mais importante força
de estabilidade e de conservação política.
Se pudesse, tudo ficava como está. Aos outros, na oposição, nas margens
e nas extremas, compete o mais difícil: reconquistar, reorganizar, renovar e
consolidar. Mas a
esquerda sabe que, mantendo-se imóvel, fica dependente e pode perder os trunfos
actuais. Por isso vamos, quase inevitavelmente, assistir a grandes movimentos
políticos e doutrinários no universo esquerdista. E aqui
surge, uma vez mais, a necessidade de clarificar as semelhanças e as diferenças
entre as duas esquerdas.
Há
muitos anos, mais de um século, as divisões dentro das esquerdas são
conhecidas. Martov e Kerenski, por um lado, Lenine e Trotski ou
Estaline, por outro, representam
boa parte dessas diferenças. Que atingiram estados elevados de violência,
como é sabido: o assassinato de milhares de socialistas pelos bolchevistas
constitui ainda hoje inesquecível marco.
Antes
e depois deles, na Rússia e alhures, as discussões dentro das esquerdas nunca
foram suaves. Karl Kautsky e Eduard Berenstein protagonizaram visões moderadas
do socialismo. Tal como Ebert, na Alemanha, Leon Blum, em França, ou os
trabalhistas ingleses Attlee, Bevin e Bevan. Enquanto os comunistas desses
países se constituíram depositários do poder soviético e da tradição
autoritária e despótica da esquerda.
Em
todas as esquerdas europeias, passando pelas alemãs, as suecas, as italianas e
as espanholas, encontramos fenómenos semelhantes: desde a segunda metade do
século XIX e, até há bem pouco tempo, as separações dentro das esquerdas foram
sempre um capítulo fundamental, muitas vezes violento, da história política
europeia. Por exemplo, os confrontos entre as duas esquerdas, em plena guerra
civil espanhola, ficaram para a história.
Mais perto de nós e sem o carácter sangrento de outras paragens, o
confronto entre socialistas e comunistas, ou entre Soares e Cunhal, transformou-se no mais sério contributo dos
portugueses para a história política das esquerdas na Europa.
A associação do PS às esquerdas radicais (PCP e BE), no Parlamento e
no governo, já criou uma situação inédita que dura há quase seis anos. Na crise actual, já se percebeu que as coisas não
ficarão como estão ou como têm sido. E o que está em causa é muito importante. Juntam-se
finalmente as esquerdas democráticas e as não democráticas? Separam-se de vez?
A esquerda democrática consegue atrair e digerir as esquerdas não democráticas?
Ou estas últimas obtêm a vitória histórica de mudar e dominar os socialistas
democráticos?
Os socialistas têm o benefício das
opiniões e dos votos. Por enquanto. Fortemente
identificados com a Europa e a democracia (e a Aliança Atlântica), mostram
vantagem. Mas
a sua vulnerabilidade diante dos negócios, dos grandes grupos económicos, da
corrupção e do jacobinismo abre-lhe um flanco mais fraco. Tal como a sua
dificuldade em combater a desigualdade e em alicerçar uma aliança durável com o
mundo do trabalho. Dependentes das outras esquerdas, os socialistas, para
ganhar, podem ter de vender alma e doutrina.
Na sua melhor tradição, os socialistas opõem-se aos métodos
revolucionários, ao terrorismo, à violência, à colectivização, à destruição da
iniciativa privada, à opressão da Igreja, ao monopólio do Estado na educação e
na saúde, à aniquilação das Forças Armadas e a formas de governo não
democráticas e não parlamentares. Mas
também sabem que nas esquerdas há muito fortes tendências exactamente
contrárias, com especial inclinação para destruir o mercado livre e a
iniciativa privada, com um estranho afecto por formas “populares” de governo,
com a obsessão do monopólio do Estado e com uma absoluta aversão pelo
investimento privado. Estão
ainda conscientes de que as esquerdas radicais têm uma concepção elástica dos
direitos fundamentais, sobretudo dos direitos cívicos e políticos; assim como
têm convicções condescendentes sobre a guerra civil e a luta das classes, a
violência e o terrorismo (se este for de esquerda, das minorias, de tudo quanto
é anti-capitalista ou anti-americano…) contrárias às tradições socialistas. Como é sabido que nas esquerdas vegeta uma
grande complacência, quando não admiração, por formas de governo muito
especiais, como sejam as do despotismo tropical latino-americano, as das
ditaduras militares africanas e asiáticas, as das burocracias parasitárias
africanas e árabes, as dos movimentos radicais muçulmanos e as dos separatistas
europeus violentos.
Quando,
há seis anos, António Costa
decretou “o fim do tabu”, isto
é, dispôs-se a governar em aliança com as esquerdas radicais, iniciou-se uma
nova e interessante fase na política nacional: a colaboração
entre as duas esquerdas. Na Europa, com o desaparecimento dos
partidos comunistas e aparentados, já não se falava disso. Mas, em Portugal,
quase sempre atrasado, iniciou-se essa colaboração. Por necessidade, claro,
mais do que por convicção. Mas, sem esclarecimento, trata-se de colaboração
passageira. Sem objectivos. Sem horizonte. Quer isto dizer que a hora das
escolhas está a chegar.
Sociólogo
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COMENTÁRIOS:
José Cruz
Magalhaes MODERADOR: A solução que permitiu uma maioria de governo estável, desde
2015, não pode ser percepcionada como nefasta, ou contranatura, como AB, abnegadamente,
pretende fazer crer. Os governos monopartidários, à semelhança do que sucede, desde
há três décadas, pelo menos, por toda a Europa, são cada vez mais, simples
miragens e as hegemonias partidárias, meros acidentes de percurso. Ao
contrário, em todas as democracias estáveis, são os compromissos e a qualidade
das alianças que determinam o sucesso ou fracasso de cada governo. Poderá objectar
AB, como se depreende, que a qualidade, os objectivos e os programas dos
partidos do que classifica como esquerda radical, não permitem soluções
estáveis, o que representa preconceito, ou a avaliação da praxis destes, por
transposição simples, de episódios condenados que a História finou Fowler Fowler INICIANTE: Há seis anos que a esquerda
democrática (PS) fez a sua escolha: governar em aliança com os partidos de
esquerda com assento parlamentar, afirmando os seus valores democráticos nos
programas de governo e a defesa da Constituição. Agora, está mais que na hora
dos partidos do centro Direita se demarcarem da Direita radical. Mas, sobre
isso, o autor nunca se pronunciou. Só se preocupa com a demarcação entre as
esquerdas como se se tratasse de uma necessidade urgente e vital para o país.
Não se estranhe, pois, o lavor obsessivo do sr. Barreto em relação às esquerdas
que odeia e despreza, em tempo de crise ou fora dela. É uma luta de décadas que
impõe a si próprio, irresistível. Fragoso Borges INICIANTE Seria possível ao António
Barreto explicar melhor o que significa "jacobinismo"?!!! Luis INICIANTE: Wikipédia: "Originário da Revolução
Francesa, o termo jacobinismo, também chamado jacobinos, é evolutivo ao longo
dos tempos. Mas como expressão é, às vezes, usada na Grã-Bretanha de maneira
pejorativa para políticas radicais revolucionárias de esquerda e qualquer corrente
de pensamento republicana e laicista de extrema-esquerda, assim como, o de
jacobino para quem fosse e seja "defensor de opiniões revolucionárias
extremistas" dessa mesma linha política, social e económica."
27.02.2021 17:12 Gualter Cabral INFLUENTE: Ouço dizer, porque de bola não
gosto, que nos campeonatos depois de todos os recontros, quem ganha é a
Alemanha. Não gosto dos Partidos pela mesma razão que não gosto de bola:
corrupção, e hipocrisia. Assim, arrisco um prognóstico; nas próximas eleições,
depois de toda a disputa ganha a abstenção; e porquê? Estão fartos de
blá...blá...e de muito pouca obra feita. Jose MODERADOR: Caro Gualter Cabral Está a
vista em que blá...blá...blá... vota, custe o que custar. GMA EXPERIENTE: Nos modelos de sociedade de
sociedade sem partidos é tudo "obra feita"! Que tal experimentar a
Coreia do Norte? Gualter Cabral INFLUENTE: É evidente que me vou abster.
José. Além das razões referidas, acrescento, que não voto em eleições viciadas
onde se não pode escolher candidatos e onde os movimentos estão, na prática,
excluídos. Parece ao GMA, que diz ser do centro, uma "tentação,", que
parece estar no cerne das pessoas que não sabem o que é democracia, em querer
exilar cidadãos dos países onde nasceram para partes remotas do planeta,
ficando eles, os "sensatos e bons" a governar a seu belo proveito.
Enxerguem-se. Gualter sem subterfúgios escondidos em siglas. GMA EXPERIENTE: No comments!... chagas_antonio MODERADOR: A opção pela abstenção é
compreensível, mas só obliquamente tem a ver com a falta de representatividade.
Na maior parte das vezes, o desinteresse anda de mãos dadas com a falta de
cultura política. E esse é o maior dos problemas da sociedade actual. Existe um
enorme fosso entre os representantes e os representados, não só devido ao
natural conflito de agência, mas principalmente porque os representados se
demitem do seu dever cívico de se interessarem pela política. Este não é um
problema recente: já Platão o identificou. Mas é precisamente por ser tão
antigo que é confrangedor hoje continuarmos a assistir a essa demissão da vida
política. Lamento que se abstenha, Gualter Cabral; perdemos todos. Gualter Cabral INFLUENTE: Chagas - Há os que se abstêm
por desinteresse, e os que se abstêm por considerarem as eleições, aqui, se não
possa escolher os representantes democraticamente. Como está explícito eu estou
nessa linha. Portanto a " pedagogia" do meu amigo cai, quase, pela
base já que, curiosamente observa que os cidadãos não se consideram
representados. Assim, a "representação" anda na casa dos 20%
Convenhamos que a representação é pindérica. E, depois onde fica o "dever
cívico?", votar, tipo totobola ou na esperança do milagre imorredouro
dessas cabeças duras? Claro que com esta " pedagogia" do pensamento
abstracto, sem fim que o valha, há sempre quem ganha, mas não é certamente o
cidadão comum, esquecido e enxovalhado. chagas_antonio MODERADOR: Talvez me tenha treslido, já
que eu não referi que o problema fosse uma crise de representação - antes pelo
contrário. E, se é verdade que votar é um dever cívico (e a abstenção seria,
por essa via de raciocínio, uma fuga a esse dever), também é verdade que a
participação na vida política para além do voto, nomeadamente nos fóruns
partidários ou não, também o é. Era a isso que eu me referia, Gualter Cabral;
não sei se agora terei sido entendido. Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos Santos
INICIANTE: O centro tem
detido o poder em Portugal. A alternância de poder em Portugal fez-se com os
partidos do arco da governação. A corrupção e a falta de escrutínio e o
discurso TINA alimentado pelo estableshiment tem sido refém dos grandes
interesses. A esquerda em Portugal não é só parlamentar é autárquica, sindical
e ligada ao activismo. Equiparar o PCP e o BE ao Chega não é só um erro de
avaliação, é falso e um insulto. Esqueceu-se de referir que a esquerda radical não
comunista foi a única força parlamentar que se não foi banquetear com o Estado
Chinês quando lhe abriram as portas dos negócios do país. Se isto não é uma
concepção elástica dos direitos humanos e políticos fundamentais, é o quê?
Certamente, não é anticapitalismo. Sabemos que não existe iniciativa livre na
China, só o Estado Chinês pode ser capitalista. viana EXPERIENTE: Muito bem visto! E AB também se
deve ter "esquecido" quem é que tinha relações muito amigáveis com o
regime ditatorial Angolano, em particular nos tempos em que jorrava dinheiro
daquela zona do mundo... e quem é que sempre denunciou o carácter assassino e
absolutamente corrupto desse regime. Não, não foi a Direita
"democrática", nem o PS, ou o PCP... honestidade intelectual é algo
difícil de encontrar nestes textos. Ao contrário da hipocrisia. Mario Coimbra INFLUENTE: Caro AB, excelente crónica.
Obrigado GMA EXPERIENTE: Definitivamente, o Dr. Barreto
é perseguido pela assombração da "esquerdas radicais", ao contrário
das "direitas radicais", com as quais parece conviver pacificamente.
Não sei se como sequela de noites assombradas pelos radicais de esquerda, meia
volta e cá temos o Dr. Barreto a perorar sobre as suas assombrações
esquerdistas. Está o Dr. Barreto na política para o Dr. Todo Bom (JdN e
Expresso) na economia / gestão! Contra as "esquerdas radicais"
marchar, marchar!... Mario Coimbra INFLUENTE: Caro GMA, no parlamento tem,
infelizmente, um deputado da direita radical. Da esquerda radical tem muitos
mais - BE, PCP e Verdes. O PAN, nem percebo muito bem o que é. Acha que o autor
deve preocupar-se com um deputado ou bancadas inteiras. A geringonça esteve e
está ligada à governação de Costa para o bem e para o mal. E está a aburguesar-se
cada vez mais. Portanto é uma questão de tempo até serem facções dentro do PS.
Isto a mim no longo prazo preocupa-me claro. Mais por causa da resposta da
direita e como ela vai reagir a isso. Eu continuo a preferir o centro e a
governação ao centro e não nos extremos. Mas é o que é. GMA EXPERIENTE: Caro Mário Coimbra, obrigado
pelo seu comentário. O Mário prefere a governação "ao centro" que,
julgo, ser sinónimo de governação em regime Democrático e de Estado de Direito.
E, se assim é, então estamos do mesmo lado da barricada. Diz o Mário que a
direita radical tem apenas um deputado; mas nas presidenciais teve mais de 10%
dos votos. Mas, independentemente de números e percentagens, diga-me, caro
Mário, uma proposta, posição, da dita esquerda radical que atente contra os princípios
do Estado de Direito. Faça o mesmo exercício para a direita radical que
"tem, infelizmente, um deputado...". Com consideração do Gualter. pintosa INICIANTE: E ainda bem que temos António
Barreto (suave) e Todo Bom (frontal)! Sem eles a esquerda radical dominava isto
tudo, nos media.
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