terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Parole


Exigência, como tópico-primeiro, é bonito de se dizer, mas quase impossível de concretizar, nas condições criadas para um ensino massificado, que há muito toma a igualdade como ponto de mira… E a desonestidade como característica que fundamenta a nossa idiossincrasia de timidez e insegurança, que nos leva a malabarismos tortuosos para a realização pessoal, de preferência a uma conquista da competência pela via da exigência própria, são o ponto culminante a que tendemos, com pandemia ou sem ela. Mas pobres dos professores, condenados a um ensino - presencial ou a distância - sem condições mínimas para uma real eficácia. Pobres dos alunos, aparentemente conduzidos a espaços de aprendizagem, que o excesso de indisciplina e, hoje, a situação de confinamento torna irrisória. Salvo, evidentemente, aqueles alunos que têm possibilidades materiais e educativas para sanar as suas dificuldades, tudo parece treta, na questão do estudo por cá.

É por esse motivo que o texto de Paulo Rangel, por muito sério que queira ser, parece pura teoria sem viabilidade prática, num país onde a mentira se impõe, onde, para mais, se permite um AO achincalhador da própria língua – e do país subserviente que o pode ou não utilizar. Ao gosto do freguês, pois.

OPINIÃO

Pandemia, educação, igualdade

A escola tem de ser exigente e não facilitista e não tem de ter medo do ensino técnico e médio como um elevador social mais expedito. O nivelamento por baixo só perpetua o efeito reprodutor das assimetrias culturais e sociais.

PAULO RANGEL

PÚBLICO, 16 de Fevereiro de 2021

1. Se há debate virtuoso e cheio de virtualidades que a  nos trouxe é o debate sobre educação, igualdade de oportunidades e igualdade em Portugal. Embora arranque de uma situação muito inquietante, a verdade é que a privação de aulas presenciais põe a nu muitos dos desafios do nosso sistema educativo. Aquele que mais tem sido posto em evidência é o da desigualdade e do papel da escola na sua superação. Já há vários meses deixei aqui um rasgado elogio à intervenção cívica e até pedagógica de Alexandre Homem Cristo, Susana Peralta e Luís Aguiar-Conraria. São eles quem mais tem dado a cara no alerta para o efeito reprodutor e até amplificador das desigualdades no ensino à distância. Julgo que vale a pena, porém, olhar para o médio prazo – para o horizonte pós-pandemia – e voltar a esta discussão. Durante muitos anos escrevi nestas e noutras páginas e falei também no hemiciclo de S. Bento sobre a relação entre a escola e a mobilidade social. O presente contexto, ao dar ainda mais destaque às profundas assimetrias socioculturais das nossas crianças e dos nossos jovens, mostra bem como é necessário olhar para o sistema de ensino na óptica da mobilidade sociocultural.

2. A sociedade portuguesa é ainda profundamente aristocrática, para recorrer à terminologia clássica. E nesse sentido, bastante avessa e hostil à mobilidade social e à prevalência do mérito. Não tomemos estudos sociológicos, nem indagações estatísticas; quedemo-nos pelo “ambiente envolvente”, pelas percepções que ele nos propicia e pelo modo como as “interiorizamos”. Considere-se a obsessão com o tratamento por doutor, engenheiro ou arquitecto para perceber como estão vivos – vivíssimos – os resquícios da velha nobreza de toga. Ou tomar por referência a cultura da “cunha” ou do “conhecimento” ou do “empenho”. Esse entorno de proximidade e afinidade chega mesmo por vezes à velha “linhagem”, que recentemente ficou bem documentada na multitude de conexões familiares que grassava em torno do governo de António Costa e do poder socialista. Quando me reporto aqui ao traço aristocrático – talvez fosse mais exacto dizer “oligárquico” –, quero porém aludir à estratificação sociocultural que, a despeito das muitas excepções que todos serão capazes de identificar, permanece basicamente imóvel e congelada. Não sendo nem de perto nem de longe o único, a educação é um dos principais instrumentos de superação dessas diferenças estruturais e de promoção da igualdade de oportunidades. Nada disso, como há anos aqui insisto, implica um nivelamento do ensino e, muito menos, um nivelamento por baixo. É, de resto, necessária a consciência de que desigualdades fundas e resilientes não vão ser eliminadas de um dia para outro nem todas ao mesmo tempo. Para quem almeje uma destruição quase revolucionária das injustiças sociais, nenhuma reforma servirá, pois nenhuma deles realizará mágica ou automaticamente esse desiderato. Uma sociedade que queira progredir acabará sempre por o fazer apenas gradualmente, ainda que o deva fazer “aleatoriamente” e, portanto, sem discriminação.

Uma coisa tenho por certa: apesar dos muitos progressos que, ao longo de décadas, o sistema de ensino português fez, ele continua a ser uma instância reprodutora e até amplificadora das diferenças socioculturais.

3. A pandemia e os seus confinamentos gerais obrigaram as escolas portuguesas a migrar para aulas à distância. Não vou aqui voltar à incompetência da total falta de previsão da hipótese de um novo encerramento das escolas, nem à vergonha das promessas feitas pelo primeiro-ministro e pelo ministro da pasta sobre a compra de computadores e, muito menos, à mentira descarada sobre a possibilidade de aulas digitais durante os primeiros quinze dias de suspensão. Importa, isso sim, sublinhar o modo como a pandemia e as absolutas insuficiências do ensino à distância trouxeram de novo para a ribalta as grandes assimetrias socioculturais que existem entre os nossos alunos. Assimetrias que, por um lado, reflectem as desigualdades preexistentes, mas que, por outro – e esse é o drama –, as conservam e até ampliam no futuro.

4. Em contexto de pandemia, e dada a absoluta falta de preparação do governo, é evidente que a forma de minimizar e remediar essas insuficiências é regressar ao ensino presencial, assim que seja possível. Se a educação à distância e a pandemia agravam desmesuradamente as condições de desigualdade, o certo é que, mesmo com aulas presenciais a funcionar regularmente, essas condições subsistem, ainda que menos ostensivamente. Insisto, pois, no ponto inicial: se há algum efeito virtuoso nos graves malefícios que a pandemia infligiu ao processo educativo é justamente ter reforçado enormemente a consciência desta adversidade estrutural.

5. No curto prazo, esta consciência implica um plano para regressar às aulas presenciais e para recuperar as aprendizagens perdidas, em especial por parte dos alunos que, na prática, ficaram apartados das soluções alternativas. Mas, no médio prazo, temos de voltar a perfilar a mobilidade social (ou sociocultural) como um dos grandes desígnios da escola. O que significa, desde logo, que a escola tem de ser exigente e não facilitista – porque o facilitismo favorece sempre os que dispõem de meios alternativos de aprender – e que a escola não tem de ter medo do ensino técnico e médio como um elevador social mais expedito. Muitos dos mais canoros defensores da escola dita “inclusiva”, mesmo que bem-intencionados, têm contribuído activamente para um nivelamento por baixo. O nivelamento por baixo só perpetua o efeito reprodutor das assimetrias culturais e sociais. Há lições preciosas da pandemia que valem muito para além dela. Oxalá não as esqueçamos.

SIM e NÃO

SIM Carlos Ferreira de Almeida. Um grande jurista e um grande professor. De rara inteligência, cultura, rigor e humildade. Um civilista que se atreveu na filosofia da linguagem. Um cidadão virtuoso à boa maneira romana. 

NÃO António Costa e Marta Temido. Astúcia e duplo padrão. Sempre em propaganda a respeito da simples administração de vacinas. Já quando se trata das suas, fazem tudo para esconder e passar discretamente.

Eurodeputado (PSD)

TÓPICOS

EDUCAÇÃO  OPINIÃO  ESCOLAS  ENSINO À DISTÂNCIA  CONFINAMENTO  DESIGUALDADES  CORONAVÍRUS

COMENTÁRIOS:

EXPERIENTE: Diminuir o número de alunos por turma faria toda a diferença. Isso permitiria um ensino efectivamente mais centrado no aluno. Pregar preocupações holísticas e falar na necessidade de adaptar o ensino a cada aluno é lindo mas irrealista quando, com turmas de 28 alunos, um professor de Português ou Matemática que dê aulas ao 8º ano pode ter 6 turmas... Um professor de Geografia pode ter 10 turmas e ainda ter horário incompleto. Querer ensino centrado no aluno quando um professor tem 200, 300 alunos ou mais não é realista. Não é por acaso que o Norte da Europa perde menos tempo da aula a tratar de questões burocráticas ou disciplinares: a Suécia tem turmas de 15 ou 16 alunos. Se tiverem alunos com problemas ainda são mais pequenas... O barato (turmas grandes) sai mesmo muito caro...

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