Que os partidos políticos, leigos, certamente, não podem interferir na
eleição do Presidente do Tribunal
Judicial. Paulo Rangel parece
pessoa bem formada e a sua opinião devia ser escutada, para mais com os
exemplos que cita, a respeito das declarações da deputada Ana Catarina Mendes mandatária, ao que parece, de um governo que exige docilidade na dependência, ou dependência na docilidade
- é irrelevante o cozinhado linguístico, porque o que conta mesmo é o cozinhado
governativo.
OPINIÃO
Quo vadis Estado de Direito?
Não estamos já a ultrapassar os
limites do aceitável e do tolerável? Não são casos e episódios a mais? Creio
mesmo que é tempo de o Presidente da República devotar algum tempo e alguma
energia a estas questões.
PÚBLICO, 23 de
Fevereiro de 2021
1. As
“insinuações” da presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista
sobre a “interferência” partidária na eleição do presidente do Tribunal
Constitucional são extremamente graves. As curtas e cifradas afirmações públicas que fez
exigem um esclarecimento público cabal. Entende aquela alta responsável do PS
que os partidos políticos devem dar instruções aos juízes do Tribunal
Constitucional sobre a eleição do respectivo presidente? E que, se não corresponderem à
“expectativa” que ela “interiorizou”, isso deve ser censurado? Ou até que deve
ser imputado ao partido que, muito atabalhoadamente, não fez o seu “trabalho de
casa” junto dos juízes? Pode
passar quase sem reparo e sem escândalo este estranhíssimo e revelador desabafo
de Ana Catarina Mendes? Não é ele um sinal muito preocupante de uma concepção
mais geral – de resto, com precedentes na história dos últimos vinte anos do PS
– sobre a
separação dos poderes e a independência judicial?
2. Esta
situação – só por si, altamente censurável – não representa um episódio isolado. Bem ao contrário, insere-se numa orientação
sistemática do Governo Costa no sentido de “adocicar” ou
“domesticar” altos cargos ou altas funções jurisdicionais. A mais recente delas foi, como é sabido, a indicação do chamado procurador europeu, em que a ministra da
Justiça, por decisão sua (e não alheia, ao contrário do que apregoa), não se
conformou com a classificação de um júri europeu independente. O caso está longe de estar encerrado e a ministra ainda
nem sequer cumpriu a promessa de fazer chegar ao Parlamento Europeu todos os
documentos relevantes. Os que até
agora enviou não passam de simples “areia
para os olhos”, incapazes
de esclarecer e convencer os muitos deputados, de todos os grupos políticos,
que não se conformam com esta manobra
deplorável do nosso Governo. Trata-se
de um caso muito grave e sério, que releva da mesma atitude que está na origem
das declarações a que acima aludi: a
“interferência” deliberada na escolha dos mais altos dignitários das
magistraturas.
3. Vale
a pena recordar o que se
passou com a designação do Presidente do Tribunal de Contas, onde, mais uma vez, se quis afastar um
magistrado de prestígio e independência inatacáveis. Vítor Caldeira tinha sido
um excepcional Presidente do Tribunal de
Contas Europeu e depois aceitou ser Presidente
do Tribunal de Contas português. Mas
aparentemente para o Governo PS era persona
non grata. A decisão de não recondução da procuradora-geral
da República Joana Marques Vidal é muito semelhante a esta. Diante de um mandato que primou pela
imparcialidade e pela eficácia, gerando uma grande confiança e expectativa no
funcionamento da justiça, o PS não descansou enquanto não substituiu aquela
magistrada de alto calibre. Nestes dois
casos, o Presidente da República tinha uma palavra a dizer, quanto mais não seja mostrando a sua relutância
em aceitar aquelas substituições, mas infelizmente alinhavou a doutrina
dos “mandatos únicos”,
que não tem tradução nem expressão na Constituição (e, muito menos, na versão
da Revisão de 1997 em que ele interveio directamente).
Valha-nos que, no caso do procurador europeu, o Presidente não hesitou em
sustentar que a ministra da justiça deveria ter apresentado a demissão. Veremos como, enquanto mais alto magistrado da
nação a quem compete dar posse aos juízes do Tribunal Constitucional, defende a
honra deste alto Tribunal e como vela pelas suas autonomia e independência.
4. Importa
pôr as coisas em perspectiva e olhá-las no seu conjunto. Se ouvíssemos falar de
um qualquer Estado da União Europeia em que (1) uma
procuradora-geral e um presidente do Tribunal de Contas, unanimemente
reconhecidos como independentes e competentes, não foram reconduzidos; (2) em que a
candidata seleccionada por um comité europeu independente para Procuradora
Europeia foi vetada pela ministra da Justiça e
(3) em que a
líder parlamentar do partido do Governo queria interferir na votação do
presidente Constitucional, não
estaríamos preocupados com os valores do estado de Direito nesse Estado?
Não estamos já a ultrapassar os limites do aceitável e do tolerável? Não são
casos e episódios a mais, todos no mesmo sentido e na mesma direcção, para nos
preocuparem? Creio que é tempo de fazer
soar os alarmes e chamar quem tiver de ser chamado à razão e à razoabilidade.
Mais: creio mesmo que é tempo de o Presidente da República, garante
do regular funcionamento das instituições democráticas, devotar algum tempo e
alguma energia a estas questões, que ele, aliás, conhece melhor do que ninguém.
É altura de pôr os pontos nos “is” e frenar estas perigosas tentações.
5. A
questão da interferência partidária na eleição do presidente do Tribunal
Constitucional nada tem que ver com as infelizes considerações,
em tempos feitas, pelo agora presidente. São
infelizes e inapropriadas, e devo dizer que muito me surpreenderam, conhecendo
a craveira, a cultura e o perfil do professor João Caupers, que estão claramente à altura das novas funções que
desempenha. Nem sequer o desculpa a ideia, para aí muito
apregoada, de que são datadas, porque em 2010 ou em 2011, submeter uma questão
de direitos fundamentais de igualdade à dialéctica “maioria-minoria” era mais
do que anacrónico. E, valha a verdade, se as mesmas elucubrações tivessem sido
produzidas por um juiz com uma mundividência de direita ou com uma conotação
religiosa, a reacção pública não teria sido tão branda. Dado que ele próprio as
considerou descuidadas (ou mesmo “tolas”) e que tinham um intuito também provocatório não merecem sinceramente que
com elas se gaste muito tempo. E, muito menos, que alguém, em seu perfeito
juízo democrático, se proponha ouvir um juiz no Parlamento. Por este caminho, e
com tanta tentação, ainda acabamos num “Direito de Estado” no lugar de um
“estado de Direito”.
SIM Presidente da República. Ao
suscitar a do
diploma que legaliza a eutanásia, o Presidente expressa as dúvidas e objecções excruciantes
que esta inoportuna decisão levanta.
NÃO Países desenvolvidos e vacinas. Pôs
o dedo na ferida: não é humanamente aceitável nem será sequer eficaz deixar os
mais pobres sem vacina. Nenhum dos países ricos se pode furtar à
responsabilidade global.
Eurodeputado (PSD)
JUSTIÇA OPINIÃO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL TRIBUNAL DE CONTAS GOVERNO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ANA CATARINA MENDES
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