domingo, 21 de fevereiro de 2021

Bem vistas as coisas


Trata-se do decréscimo de leituras que talvez esses da luta de classes, de que trata AB, teriam feito, e os dos casos de agora, mais específicos e mesmo nominais, não necessitam de fazer (digo, leituras), pois dependem essencialmente das suas batidas cardíacas, bastando-lhes comunicar afavelmente com os do povo que vive malzinho e que a televisão traz à baila para o nosso afecto efervescente, que destaca simultaneamente os entrevistados e os entrevistadores da televisão ou dos partidos próprios dessa afabilidade ideológica que intuíram e lhes serve simultaneamente para a iracúndia das acusações contra os não seguidores da sua doutrina assente no coração que assim palpita. Por outro lado, também influem sobre esses, além da falta de esclarecimento pela leitura, o excesso das notícias arruaceiras que chegam do estrangeiro e influenciam naturalmente a expansão oral dos nossos activistas – de bondade ou de animosidade, conforme os destinatários desses seus sentimentos.

Esclarecendo melhor, aquilo que António Barreto satiriza, naturalmente, como absurdo próprio de deficientes em vários níveis da sua prestação humana – cerebral, moral, talvez física, talvez material/económica – está claramente comprovado em vários comentários dos tais defensores das causas concretas a que se reporta o cronista, desde os ciganos aos LGBT da sigla, aos fascistas segundo os com sigla ou sem ela, etc., etc. Acho que faltaram os das ecologias e também das eutanásias. Tudo gente boa que pretende uniformizar a massa humana, sem distinções de tamanho ou de cor, sabendo de antemão que todos serão iguais na morte, com eutanásia ou sem ela, e por tal motivo não deverão ser menos iguais na vida. Vá de atacar os do antigamente, da estirpe – ou mesmo não – do Velho do Restelo, - racistas, fascistas, são todos eles, vá de arrasá-los. Acho que é o que aventa António Barreto, na sua crónica, preocupado com o equilíbrio económico e moral, e portanto social, do país. E a seita concorda, religiosamente, as mãos erguidas piedosamente, docemente … ou antes, erguidos  os punhos, da ameaça…

OPINIÃO

Saudades da luta de classes

CONTEÚDO EXCLUSIVO

Os espectros que actualmente ameaçam a paz em Portugal, os vultos que rondam as ruas e os campos são as causas erradas. Não a pandemia, não a desigualdade, não a pobreza, não a incerteza económica e social, mas sim o fascismo e o antifascismo, o racismo e o anti-racismo.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 20 de Fevereiro de 2021

A pandemia e os seus efeitos, assim como os processos de combate, a organização dos serviços e a eficácia das medidas tomadas, ocupam os nossos dias, os jornais, as redes e o espaço público. É normal. Fala-se demais e surgem multidões com uma competência médica e cientifica inesperada. Tanta gente tem tantas opiniões definitivas sobre estes assuntos! Mesmo nestas circunstâncias é razoável que o tema seja a principal preocupação de todos, pessoas, organizações e jornais. Ainda por cima, com a acumulação de incerteza, de ineficiência e de erros, é compreensível que quase não se discuta outra coisa.

Mesmo assim, vivemos tempos em que novas polémicas se instalam, desenvolvem e sobem de tom. Ou antes, velhos preconceitos e antigas irracionalidades renascem. Fascismo e antifascismo, racismo e anti-racismo, antigas rivalidades, estão de novo presentes. Mesmo estando hoje desadequados à sociedade portuguesa, absolutamente fora de tempo e questão, sendo indignos disfarces para outras lutas e infames pretextos para envenenar as relações sociais e políticas, estes dilemas ocupam o espaço que deveria ser de razão e liberdade. Há fascistas em Portugal? Certamente. De todas as condições. Há racistas em Portugal? Não há dúvidas. De todas as cores. Devem a democracia, a razão e a liberdade combater essas pessoas e esses valores? Seguramente e sem hesitação. Mas o que fazem os que se classificam como antifascistas e anti-racistas é tão nefasto à liberdade quanto os adversários. A peste não se combate com a cólera.

Quando as coisas correm mal, mesmo muito mal, o pior vem ao de cima. Os espectros que actualmente ameaçam a paz em Portugal, os vultos que rondam as ruas e os campos são as causas erradas. Não a pandemia, não a desigualdade, não a pobreza, não a incerteza económica e social, mas sim o fascismo e o antifascismo, o racismo e o anti-racismo.

Em tempos de crise, há quem culpe os estrangeiros. É sempre assim, há séculos. Doença ou greve, fuga de capital ou conspiração, terrorismo ou desordem, tudo vem com os estrangeiros. Porque eles tomam conta dos nossos empregos, casam com as nossas mulheres, ficam com os nossos homens, ocupam as nossas casas, trazem valores deles para as nossas escolas, não respeitam as nossas tradições nem as nossas leis. São estrangeiros e abusam da nossa hospitalidade. Aprenderam a viver à custa dos subsídios do Estado, não pagam impostos, só têm direitos, não querem ter deveres. Se não se sentem bem, deveriam ir-se embora. Para o seu país.

E depois há os que além de serem estrangeiros são negros, amarelos ou castanhos. Asiáticos ou ameríndios. Árabes ou chineses. Sem falar nos judeus e nos muçulmanos. São duplamente nocivos. Não respeitam as nossas tradições e querem impor as deles. Desprezam as nossas leis e querem forçar as suas regras. Com os seus deuses, as suas comidas, as suas famílias, as suas regras de casamento e educação, não fazem esforços para se integrar. Forjam casamentos contratados, vendem crianças e adolescentes, trocam pessoas por fortunas, tratam mal os animais, vivem fechados nas suas comunidades, só tratam dos seus e sujam o espaço público de todos e o nosso em particular. Oprimem os seus e não querem saber da democracia.

Somos nós os europeus verdadeiros, senhores de um passado, mestres da descoberta. Filhos e herdeiros de uma longa história, de uma velha tradição, não podemos deixar que nos destruam costumes, regras e crenças. Fomos generosos a ponto de deixar entrar estrangeiros, minorias, negros e árabes, mas eles não se querem integrar nem respeitar as nossas leis. Por isso temos de restaurar a nossa pátria, reconsiderar as nossas tradições e exigir respeito, sem o que terão de ir embora, até porque muitos vieram com mentira, não são refugiados, não são exilados e não são perseguidos. Uns procuram trabalho, outros nem sequer, entregam-se a actividades ilegais, a comércio ilícitos, conspurcam as ruas e as instituições. Não é verdade que somos todos iguais. Quem não está bem que se retire. Não sou racista. Até tenho amigos pretos.

É por isso que combatemos os “supremacistas” brancos. Nós, portugueses de outra etnia, imigrados, minoritários, africanos, estrangeiros, brancos solidários com as minorias e que denunciamos a superioridade dos brancos, dos antigos colonialistas, dos esclavagistas e dos nostálgicos do fascismo. São esses brancos que nos exploram, abusam das nossas mulheres, tentam vender-nos droga, não nos pagam a horas e quando pagam são salários de miséria. Não nos admitem nas suas escolas nem nos seus hospitais, não cuidam dos nossos velhos, pagam mal as pensões e quando as coisas não correm bem para eles, por causa deles, a primeira coisa que lhes ocorre é dizer-nos “vão-se embora”. Nem sequer percebem que muitos de nós, cada vez mais, nascemos aqui. Por isso, exigimos medidas contra os racistas, contra os que, no espaço público, alimentam o ódio contra os estrangeiros, querem restaurar as glórias do colonialismo, a força dos conquistadores, os direitos ilimitados dos brancos e dos poderosos sobre os trabalhadores. Exigimos que nos devolvam o património que nos roubaram durante séculos. E que a história seja expurgada do racismo e do colonialismo.

Estes confrontos envenenam a vida política portuguesa. Destroem a inteligência e o sentido de comunidade solidária. Estes episódios fazem-nos ter saudades da luta das classes! Dos tempos em que as lutas se desenrolavam à volta de questões políticas, económicas e sociais de grande importância e de relevo para a direcção de uma sociedade e para a afirmação de um poder! Dos debates em que estavam em causa o poder político, as relações entre o capital e o trabalho, a propriedade dos meios de produção e a repartição do produto e do rendimento. Dos combates em redor da organização do Estado, da defesa nacional, da paz e da guerra e da segurança colectiva. Saudades dos tempos em que se lutava por valores essenciais da política, do trabalho e do emprego, dos direitos dos trabalhadores e dos patrões, das obrigações e dos deveres de cada um e de todos! Saudades das lutas pelos serviços de saúde e de educação e pelos direitos e deveres dos idosos! Dos tempos em que a liberdade e a democracia estavam no centro das discussões e das lutas e não eram consideradas, como hoje, hábitos adquiridos e secundários ao lado da importância decisiva de símbolos, da memória e da culpa.

Sociólogo

TÓPICOS

OPINIÃO  RACISMO  DIREITOS HUMANOS  QUESTÕES SOCIAIS  EXTREMA-DIREITA  EXTREMA  ESQUERDA  MEMÓRIA

COMENTÁRIOS:

Mathias Mecking Weigl EXPERIENTE: António Barreto pretende que estas coisas estão a ser desenterradas, quase que artificialmente, ignorando que sempre cá estiveram, simplesmente não se falavam. Agora todos falam,  e isso faz comichão a quem se vê confrontado com o seu reflexo no espelho.        Américo Martins INICIANTE: Já agora!!! Fala-se e escreve-se muito, utilizando "a torto e a direito" as palavras "nazismo", "fascismo" e "ditadura", a maior parte das vezes sem sentido, mas apenas como ofensa pessoal e outras, à falta de argumentos, para sustentar ideias ocas; afinal o que significam realmente em termos históricos aquelas palavras .Um ex. "Em Portugal houve fascismo ou simplesmente, ditadura?" E em Espanha? Sr. Barreto, livre-me, se tiver tempo e paciência deste enigma pessoal. Obg             Jose MODERADOR: A lista das gordas da comunicação social serão a lista que hoje nos trás AB: pandemia, fascismo, antifascismo, racismo e anti-racismo, desigualdade, pobreza, incerteza económica e social, xenofobia, supremacistas brancos, pátria, colonialistas, animalistas, imigrantes, minorias, assimilação cultural... pareceu-me faltar na lista Ciganos. Estarão em minorias misturados com causas Lgbti+, eutanásia, ... talvez. Seja como for estas discussões são a luta de classes discutida por partes. Talvez por isso tenha tido saudades da discussão principal. A desigualdade material é pai e mãe de todas as desigualdades sociais. Faltou também a palavra globalização que leva o amo aos sítios dos escravos sem que os escravos procurem amos. Celebremos o regresso à luta principal, a luta de classes enquanto há.        mpro EXPERIENTE: A marcha do tempo é inexorável, por alguma razão, as pessoas vão perdendo discernimento. A saudade da luta de classes, das questões políticas, económicas e sociais, está à parte de tudo o que anteriormente foi escrito. Não compreender, ou não querer compreender, que a evolução da sociedade se faz subindo degraus nas interacções de raça, cor, religião, ou culturais, é ter morrido para a evolução.       Sandra. MODERADOR: (Da banda de um amigo: "C4 - Marcha do Tempo") :- Bom, não me tinha dado conta que a luta de classes tinha terminado. Nem é necessário que o caro António Barreto tenha saudades das lutas de que fala no  seu último parágrafo. Elas (as lutas) continuam bem vivas, como seguramente sabe. Mas ok, é um estilo discursivo. Pessoalmente, o essencial está no último parágrafo, o resto, o resto é o curso da vida, as suas "cristalizações", a "realidade social" reinventada, reinterpretada. No último parágrafo sim, está o que conta na essência. A paz, a segurança colectiva, as relações entre o capital e o trabalho, a propriedade dos meios de produção, a repartição do produto e do rendimento, o direito ao trabalho, as lutas pela educação, pela saúde, etc. Está tudo aí. Que bom era já não ter saudades destas lutas, era sinal de que já tinham sido ganhas.     Soeiro INICIANTE: Ganhas por quem?         Sandra. MODERADOR: Ganhas por quem tem perdido desde sempre.         Soeiro INICIANTE: Então já foram ganhas por alguém. Já acabaram.         Jose MODERADOR: A luta de classes é talvez a única luta que só acaba com a vitória de todos os lutadores, a ausência de classes e o fim das lutas.           Sandra. MODERADOR: "Uma terra sem amos". Quando aí chegarmos, é o fim da luta. Por ora, por ora é seguir em frente, a lutar, sempre!            José Cruz Magalhaes MODERADOR: A nostalgia da luta de classes, que constitui o lamento de AB, é muito mais um equívoco do que um estado de alma. Parte do pressuposto, falso, de que a luta de classes está extinta e que a democracia terá suplantado as dinâmicas e as clivagens sociais. Tal engano radica na ausência de percepção de que as divergências e confrontos sociais não se anulam com a mudança e a queda dos regimes e sistemas políticos, têm uma origem cultural e confrontam interesses, motivações, impulsos e objectivos, que são antagónicos e se excluem. Os casos recentes, em que as questões de raça, género, orientação sexual ou identitária, agitam e motivam acesso debate e posições extremadas, são exemplo do actual estado em que as lutas de classe excedem ,em muito, as lutas laborais e os conflitos de uma sociedade em que a produção industrial e os mecanismos de domínio e controlo, ocupavam um lugar central, na disputa do poder.     Manuel Sobreiro INFLUENTE: Óptimo texto, obrigado.          Macuti EXPERIENTE: Racismo de todas as cores? A professora/ investigadora Joana Cabral do SOS racismo diz que só há racismo branco. Falta mundo a esta gente! E são estes os “especialistas” que contribuem para uma opinião totalmente desligada da realidade.          J. J. Quantz INICIANTE: Tranquilize-se AB. A luta contra o racismo é, sobretudo, uma luta de classes «à volta de questões políticas, económicas e sociais de grande relevo», como diz.            nunos INICIANTE: Não vejo ninguém a culpar os estrangeiros da crise. Coitados, ainda estão pior que nós. Nunca vi ninguém a queixar-se de que eles se casam com as nossas mulheres. Os empregos que eles têm, são aqueles que nós não queremos. Não respeitam as nossas tradições nem as nossas leis". É mentira? Todos eles respeitam? E assim por diante.... Gosto de ler AB, mas sinceramente, hoje foi só para encher papel. Pega-se numa série de opiniões, vindas dos dois lados, umas patetas outras nem tanto, e mete-se tudo no mesmo saco, ridicularizando-as. Olhem para mim, do alto da minha sapiência desengonçada rindo-me das pessoas lá em baixo. Os debates e combates referidos na parte final da peça são precisamente feitos destas opiniões , que AB minimiza.         Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos Santos INICIANTE: Isto é do mais baixo que tenho lido em jornais. A técnica de se colocar acima, num plano superior e reinterpretar as posições de uns e outros. Não é verossímil, não é revelador e até chega a ser caricatural. A moral da história é manter as coisas como estão porque está nos antípodas de quem se interroga, reflecte à medida dos acontecimentos. Não se engana, ou pelo menos, não se retracta, será sempre da pretensão posição de sábio, pragmático e até providencial que formula as suas posições públicas. É um postiço que tem servido ao profundo conservadorismo que persiste e uma certa nostalgia do que está por cumprir, mas que nunca vira porque as "elites" não têm a sua integridade ou perderam-se na bebedeira do poder ou nos corredores do sistema. É assim, uma espécie de outsider que observa de longe mas com acuidade.        Luis INICIANTE: Acho que o seu comentário está no tom errado e os argumentos que usa na sua crítica são contraditórios. Como é que o texto pode ser do mais baixo e depois qualifica o autor como integro e alguém que observa com acuidade? O que o artigo evidencia é uma grande capacidade de alteridade, de se colocar na posição dos outros e de enunciar (e não de re-interpretar, como escreveu) essas mesmas posições. É um exercício de clareza, um pouco nostálgica, é certo, mas só uma má-fé argumentativa ou ódio de estimação pode ver no texto nada mais do que um exercício de soberba postiça.             H2O INICIANTE: Bom artigo mas título muito infeliz....a luta de classes não é nada de bom            Jose MODERADOR: Caro H2O Não fez, não, nem fará o sr. outra coisa que não a luta de classes. Ainda bem que luta, é porque está vivo.                GMA EXPERIENTE_ No último parágrafo do texto, o Professor Barreto faz um excelente contraponto entre o que se deveria discutir, porque continua a ser importante, e o que se "discute nos fóruns científicos" das chamadas redes sociais. OldVic1 MODERADOR: Mais uma vez, obrigado pelo bom senso e por se ter dado ao trabalho de fazer uma lista dos disparates que voam de barricada em barricada das tribos em guerra. A sociedade em geral, essa, tem muito mais em que pensar, e os activistas e contra-activistas vão descobrir, um dia, que dos seus púlpitos já não falam para ninguém.            afercosta INICIANTE: De facto os disparates voam de barricada em barricada das tribos em guerra. Activistas e contra-activistas julgam-se (todos) donos da verdade. A sociedade está a saturar-se, por ter que pensar nos problemas reais. Isso é o primeiro passo para que para que ninguém os oiça. Continuarão a falar... mas para ninguém.          Luís Pires INICIANTE: AB e Bonifácia, o mesmo combate! Chega (livra!!) a ser confrangedor este nem/nem: permanente em AB e delírio em FB. É verdade que a luta entre propostas diferentes de vivermos em conjunto, com mais justiça, escasseiam. Mas AB, narrador "lúcido e omnisciente " parece viver obcecado com traumas antigos e, no entanto, cada vez menos visíveis em paredes do país. AB repete-se continuamente.         Opinativo EXPERIENTE: Muito bem. De qualquer forma parece que se trata de uma moda, mais uma vez inspirada lá fora. Um problema que, a meu ver, não tem significado real em Portugal, mas que diversos protagonistas tentam capitalizar para proveito próprio. A “luta” irá sempre existir mas é realmente uma pena os temas escolhidos. Orlando-Figueiredo INICIANTE: Expliquem-me lá, como é que a luta pelos direitos mais fundamentais da pessoa humana pode envenenar o que quer que seja. Acham mesmo que vivemos num paraíso? Ainda esta semana elegemos um misógino homofóbico para Presidente do TC. Nada de novo na linha de pensamento do AB. Apenas a tentativo de desvio da luta para aquela em que se sente confortável. O resto não importa.

 

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