Em desabafos do nosso “cante”…
Resignados e conformados com a mediocridade /premium
Portugal não tem ambições, acomodou-se
a rotinas imperfeitas, aceita as desigualdades como um fatalismo, abraça o
falhanço com a bonomia dos cábulas. Intriga-me que um país assim possa ter
futuro.
ALEXANDRE HOMEM CRISTO
OBSERVADOR, 25 fev 2021
Este artigo não é sobre racismo,
sobre a indicação de Mamadou Ba para um grupo de trabalho de combate à
discriminação racial ou, muito menos ainda, sobre petições pela sua deportação
(para onde se deporta um português?). Este artigo não discute revisionismos
históricos, nada opina sobre a vida de Marcelino da Mata e ignora a demolição
do Padrão dos Descobrimentos. Este artigo também não é sobre a disciplina de
Educação para a Cidadania, nem gasta uma linha a debater a educação sexual nas
escolas. O artigo não alude às ameaças de fascismos recauchutados ou à
proibição do Chega. E, por fim, este artigo não propõe o cancelamento de
artistas, comentadores ou figuras públicas, independentemente do que digam ou
defendam.
Este artigo não é, portanto, sobre o
que tem agitado o debate público nas últimas semanas. Começo mesmo por aí: há em Portugal uma
inclinação especial para discutir apaixonadamente o acessório e ignorar
aborrecidamente o essencial. E, hoje,
o essencial surge sob forma de questão: que Portugal ambicionamos e onde
queremos estar à saída da pandemia? Angustia-me verificar que não existe
resposta — do governo, do Presidente da República, dos partidos, da sociedade
civil. Angustia-me ainda mais suspeitar que são pouquíssimos os interessados em
sequer colocar a pergunta.
Portugal não tem rumo
definido. Navega à
vista e o amanhã logo se vê. O Programa de Recuperação e
Resiliência está em discussão pública,
com 14 mil milhões de euros em subvenções para distribuir, e representa aquilo
que mais próximo temos de visão política para o futuro. Infelizmente, a leitura não entusiasma e, sobretudo,
não se percebe como é que atirar dinheiro para cima dos problemas resultará
desta vez — há 20 anos que a estratégia falha e conduziu ao empobrecimento relativo de Portugal no contexto
europeu. Ganharão os do costume, perderão os de sempre. O
desinteresse no espaço público é quase total.
Entretanto, o país implode
discretamente, consumido pela pobreza à portuguesa — humilde, envergonhada e
silenciosa. Veja-se: milhares de crianças e jovens em risco foram esquecidos e
deixados para trás, condicionados no seu futuro e nas suas aspirações por quem,
num momento de grande urgência, não os protegeu. Falhou a aquisição de equipamentos, faltaram os apoios sociais, não houve a tarifa social de Internet,
desconhece-se o planeamento para recuperar deste
dano. Um país que não se indigna com isto merece a má sorte que tem.
Sei
que já escrevi o suficiente acerca do tema para soar a disco riscado.
Compreendo que o
abaixo-assinado “Prioridade à Escola” que subscrevi, pela reabertura
das escolas em Março, não gera acolhimento geral. Percebo que, de acordo com
uma sondagem recente, 42% não quer escolas abertas até após a Páscoa e que, lê-se com arrepios, há 15% que as pretende
fechadas até ao Verão (ou seja, até Setembro). Mas sei também que Portugal
é a excepção, pois em
vários outros países percebeu-se da necessidade em não deixar os seus mais
jovens para trás e viu-se a recuperação da aprendizagem ser apontada a
prioridade nacional. Por exemplo, no Reino Unido, após um período de
encerramento das escolas, o governo anunciou ontem um amplo pacote de medidas de compensação —
aulas no Verão, um generoso reforço orçamental para projectos de revisões e um
apelo político à acção para que “nenhuma criança fique para trás”. Qualquer
semelhança com a situação portuguesa é pura ilusão.
A
forma como Portugal olha para os seus desafios estruturais não é apenas errada.
É, antes disso, a confissão de um país conformado com a sua mediocridade. Não
tem ambições, exige pouco a si mesmo, acomodou-se às suas rotinas imperfeitas,
aceita as desigualdades sociais como um fatalismo, abraça o falhanço com a
bonomia dos cábulas. Intriga-me que um país assim possa ter futuro.
PS: o título deste artigo foi inspirado num outro, de João Miguel Tavares, publicado em Junho 2020,
cuja leitura recomendo.
POLÍTICA CRESCIMENTO
ECONÓMICO ECONOMIA EDUCAÇÃO
COMENTÁRIOS:
Andrade QB: Será a isto que se chama "meter a cabeça debaixo de areia"? Se
for, como eu penso que é, o plano é mesmo o de ir treinando para viver a
respirar pouco ar. A. Carnide: Que mudanças estruturais
poderiam ser feitas que não fossem reprovadas pelo Tribunal Constitucional, tal
como aconteceu com as diversas tentativas frustradas do Governo de PPC, que
levaram a um Enorme Aumento de Impostos? Seguramente muito poucas. Isto está
tudo encriptado para benefício e sobrevivência do socialismo. Ahmed Gany: Alguém dizia: "a intenção
dos governos é fazer melhor mas o resultado é sempre o mesmo", Paulo
Silva: Mais do que como
um fatalismo, Portugal entende as desigualdades como uma injustiça. O resultado
de anos e anos de mamadeira, a juntar às melodias dos amanhãs que cantam.
Enquanto assim for a capacidade e o mérito nunca serão valorizados. Igualdade
em mediocridade, o doce rum(in)ar ao socialismo... F A: Excelente artigo. Somos pouco exigentes
quando está em causa o futuro colectivo. Da Costa: Há anos que já não me intriga temos todos os ingredientes para sermos mais
do mesmo com grande tendência para piorar, somos e seremos uma coutada povoada
por gentes nobres mas com um grande déficit de análise e coerência aonde tudo
se transforma em novela e lamechice para gáudio de uma ínfima minoria mas com
décadas proveitosas deste nosso desvario. João Soares: A frustração é compreensível,
mas há uma questão que a que é necessário responder e, mais do que isso, ter a
coragem de aceitar a resposta: quando é que fomos diferentes? Bom, se olharmos para a nossa
história, apenas nas últimas décadas, que foram anormais e compradas à custa de
riqueza que não produzimos; fora estas, sempre fomos medíocres e estamos agora
a regressar ao nosso normal histórico: um país composto por uma pequena elite,
hereditária, ignorante e obcecada pelo poder, e uma enorme maioria ignorante,
com vidas curtas e reduzidas à luta pela sobrevivência (ou, sendo fino e
citando o outro 'a life poor, nasty, brutish, and short'). Sinceramente, parece-me que
somos, e sempre fomos, um outlier dentro do espaço geográfico onde estamos: sem
cultura (para além da popular), sem ciência, sem espírito. Como é que 'mudamos'? Não me
parece que seja possível, pelo menos como nação independente. Manuel
Ferreira: Excelente artigo! Ashley Albuquerque: Referiu o contraste entre os
planeamentos do Reino Unido e de Portugal relativamente à educação nesta altura
de crise. Guardo na memória uma visita que fiz há muitos anos ao museu de
História Natural de Londres. Entrei numa galeria onde estavam dezenas de
crianças à volta de um expositor, em absoluto silêncio ouvindo, ao jeito de
adultos que ouvem um guia turístico dentro de uma catedral, as explicações de
um adulto, presumo que o professor, ou o funcionário do museu. Esta imagem
contrasta com o que observei, há uns tempos, em visita ao museu da Ciência de
Lisboa, no Oriente. Várias dezenas de miúdos foram ali despejados, correndo por
todo o museu e perturbando quem lá estava, sem que os professores tivessem ou
procurassem "ter mão” neles. Uma verdadeira romaria. O nosso país tem
coisas boas, certamente não a educação. Estes contrastes existem! Manuel Ferreira21 > Ashley Albuquerque: Mas o
desenvolvimento dos povos e das Nações é por acaso? Basta ouvir o nível do
debate na Sky News para perceber a diferença. Ashley Albuquerque > Manuel Ferreira21: Sim, e tudo começa na educação.
Mas veja o estado em que estão as carreiras no ensino. Ninguém quer ser
professor. Veja as médias de entrada nas escolas superiores de educação. Mas gostamos
de nos congratular com as nossas praias, comidas, belezas naturais,
hospitalidade... Se reparar quase tudo coisas que ou nos foram dadas pela
natureza ou que não precisam de grande disciplina ou esforço intelectual. Cristina Lopes: Os políticos são básicos mas a
verdade é que a matéria prima de que são feitos também não é grande coisa!
Enfraqueceu, acobardou-se e tornou-se num povo medroso. Antonio Mello: É a nossa sina! Muito triste.
Não há políticos nem presidentes ( nem ideias) para estar á frente deste
pequeno país, (e se calhar nem povo,)que poderia ser Grande. Ser Patriota,
falar em Nação ou Pátria, é rotulado de direita. Somos moles de mais e
desculpem o termo, passamos a vida a baixar as calcinhas. Os sucessivos
governos, são acéfalos. Não há um pensamento sobre Portugal. Continuamos a
caminhar alegremente com a cabeça entre as orelhas. Procuramos consensos. Farto
de consensos. Esta paz podre tem que acabar, mas quando alguma ideia ou
reforma, é classificada de fracturante, encolhe-se timidamente... PORTUGAL
PRECISA DE MEDIDAS E IDEIAS FRACTURANTES.ACORDA PORTUGAL. Quero deixar um
Portugal melhor aos meus filhos. FDS!! Lourenço de Almeida: Não tem futuro. Já no final do séc XIX e durante a primeira república foi
assim e só não desapareceu graças ao ultramar e à revolução do Estado Novo que
com a entrada em cena do Salazar deu um rumo ao país que não passava
simplesmente pela sua autodissolução. E isto não é um apelo a que se volte ao
Estado Novo mas apenas um lembrar que, não tem que ser assim porque já o foi, e
deixou de o ser. Sapatão Machista: É continuar a apostar em sociologias, psicologias,
jornalismos, politica internacional e tal que a coisa vai correr bem, como tem
corrido até agora. Tudo menos matemática, fisica, ensino de codigo de
programação, isso é que não, isso são ciências exactas, não dá para botar
discurso. Fernando Feijó: Importante foram as buzinadelas
de ontem porque o Benfica não está bem de futebol jogado. O tempo que perderam
e a atitude que tiveram, podiam ter sido dirigidas para os assuntos que na
realidade interessam. Enfim... Folclore de má qualidade. Fonseca
Ralhão: O futuro que tem é o que as
esmolas da Europa continuarem a permitir. É assim desde 1974-1975 e assim
continuará. Viriato
Afonso: Compreendo e partilho a frustração e revolta do AHC,
mas o artigo parece-me algo ingénuo. Porque desde que se decidiu, no 25 de
Novembro, que o país seria uma democracia que simplesmente nunca existiu um
plano e uma visão de futuro para o rectângulo. Excepção talvez para os anos de
Cavaco (PM) e Passos. Agora um plano sustentado em traves mestras acordadas
pelos partidos do arco da governação, única maneira de se conseguir
desenvolvimento sustentado? Nunca! Porque aconteceria agora, quando é o PS a
governar enquanto correm desordenadamente em todas as direcções para ficar no
mesmo sítio?! Pedro Castanheira: Alguém me explique o que é isso de um país 'com
futuro'?... Mas há prazo de validade?... Será que o próprio AHC tem futuro?...
Quantos anos?... Lourenço
de Almeida > Pedro Castanheira: é um país que não seja
simplesmente um apêndice de outros. Que tenha um mínimo de autonomia na tomada
de decisão sobre os seus assuntos e que as decisões tomadas sejam a favor de um
colectivo e de uma cultura nacional e não apenas a favor de grupos de interesse
específicos...de famílias, ou máfias, conforme se lhes queira chamar. Há países
que simplesmente desapareceram. Ou porque se federaram noutros ou porque foram
federados á força, ou noutros casos, simplesmente deixaram de ter qualquer voz
nos seus destinos. A Grécia, os Balcãs, a Bulgária, Roménia e outros territórios
naquela zona, simplesmente deixaram de ser os países que eram quando foram
integrados no império Otomano e a Grécia que hoje existe não é aquela que
existiu no período clássico. A URSS desapareceu, como desapareceu a DDR. E
Portugal praticamente desapareceu depois das Guerras Peninsulares em que ficou
um apêndice do Reino Unido - apesar de uns arrufos pelos motivos errados como o
do Mapa Cor de Rosa - desde que o Wellington correu com os franceses até que os
militares de 1926 decidiram por ordem no pagode. Pedro
Castanheira > Lourenço de Almeida: Anacronices...
josé maria: Portugal está
entre as economias que mais recuperam em 2021 em todo o mundo. O ano de 2020
foi catastrófico para a saúde das economias em todo o mundo, com vários países
a registarem quedas expectáveis de dois dígitos. Agora, o FMI aponta para uma
recuperação em praticamente todas as nações no ano que está agora a começar. Portugal
surge entre as maiores recuperações Jornal de Negócios,2/1/2021 Já
não acredita no FMI, Alexandre ?
Luis de Freitas > josé maria: A tolice
sempre existiu. É só olhar para a estrutura económica do país assente na indústria
automóvel e no turismo para perceber como essas expectativas são irrealistas,
como tantas vezes já o foram no passado. josé maria > Luis de Freitas: Cavaco deu um "excelente" contributo para
destruir a agricultura e as pescas, com a política do pousio forçado de terras
e do abate de embarcações da frota pesqueira, substituindo esses sectores
económicos pela política despesista do betão e de auto-estradas a
multiplicarem-se como os cogumelos, enquanto o resto do país se mantinha
desertificado e sem vias de acesso condignas. Manuel
Magalhães: Comecemos pela enorme mediocridade do maior e mais
incompetente governo da nossa história (pelo menos dos últimos 45 anos) que
quando há algum problema chama um especialista para fazer ou executar o tal
plano e que na maioria dos casos é logo substituído porque também não presta,
depois temos um eleitorado ignorante e acomodado que elege governos destes,
enfim parece-me que este país não tem mesmo remédio!!!
bento guerra: O salazarismo "educou" os avós e estes "compraram" os
filhos e os netos. "A minha política é o trabalho" era a frase de
então,agora é o "carpe diem" advoga diabo: A culpa é dos portugueses, cábulas reféns da bonomia,
esses madraços medíocres. Outro que acha que é preciso mudar de povo em vez de
se pôr a andar. O estilo AG faz escola entre colegas! Especialmente surpreendente neste suposto expert em Educação. Maria Augusta > advoga diabo: Tu és um bom exemplo porque chegamos a este ponto e
com tendência óbvia para piorar. É natural que não entendas, nunca vais perceber. Zé Sousa: Brilhante crónica AHC, completamente
de acordo. O povo está tolhido de medo e acovarda-se, os políticos aproveitam,
o que contribuí para a tragédia que irá acontecer! Sr Leão: Sim, a mediocridade, espécie
de anestesia cuja continuidade vai matando aos poucos. Adelino Lopes: “Um país que não se indigna como isto merece a
má sorte que tem.”? Excelente. E porque não se indigna? Porque continua à
procura de emprego (não é para trabalhar), de subsídio, etc? Porque falta
conhecimento, cultura, disciplina, austeridade pessoal, etc. Discussão pública
do PRR? Para quê? Para se chegar a consenso de que aquele “grupo” também merece
estar à mesa? Futuro? Depois de gasto o dinheiro voltaremos ao mesmo. Ou
piores, porque entretanto ficarão mais umas rendas (tipo PPP’s rodoviárias)
para pagar. E já que estamos em maré de questões: porque será que me parece que
o Costa e Silva anda quase desaparecido? Auto-afastado, ou afastado pelos que
querem o protagonismo (os votos)?
……………………………………………………………
Nenhum comentário:
Postar um comentário