sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

A consciência inútil

 

Em desabafos do nosso “cante”…

Resignados e conformados com a mediocridade /premium

Portugal não tem ambições, acomodou-se a rotinas imperfeitas, aceita as desigualdades como um fatalismo, abraça o falhanço com a bonomia dos cábulas. Intriga-me que um país assim possa ter futuro.

ALEXANDRE HOMEM CRISTO

OBSERVADOR, 25 fev 2021

Este artigo não é sobre racismo, sobre a indicação de Mamadou Ba para um grupo de trabalho de combate à discriminação racial ou, muito menos ainda, sobre petições pela sua deportação (para onde se deporta um português?). Este artigo não discute revisionismos históricos, nada opina sobre a vida de Marcelino da Mata e ignora a demolição do Padrão dos Descobrimentos. Este artigo também não é sobre a disciplina de Educação para a Cidadania, nem gasta uma linha a debater a educação sexual nas escolas. O artigo não alude às ameaças de fascismos recauchutados ou à proibição do Chega. E, por fim, este artigo não propõe o cancelamento de artistas, comentadores ou figuras públicas, independentemente do que digam ou defendam.

Este artigo não é, portanto, sobre o que tem agitado o debate público nas últimas semanas. Começo mesmo por aí: há em Portugal uma inclinação especial para discutir apaixonadamente o acessório e ignorar aborrecidamente o essencial. E, hoje, o essencial surge sob forma de questão: que Portugal ambicionamos e onde queremos estar à saída da pandemia? Angustia-me verificar que não existe resposta — do governo, do Presidente da República, dos partidos, da sociedade civil. Angustia-me ainda mais suspeitar que são pouquíssimos os interessados em sequer colocar a pergunta.

Portugal não tem rumo definido. Navega à vista e o amanhã logo se vê. O Programa de Recuperação e Resiliência está em discussão pública, com 14 mil milhões de euros em subvenções para distribuir, e representa aquilo que mais próximo temos de visão política para o futuro. Infelizmente, a leitura não entusiasma e, sobretudo, não se percebe como é que atirar dinheiro para cima dos problemas resultará desta vez — há 20 anos que a estratégia falha e conduziu ao empobrecimento relativo de Portugal no contexto europeu. Ganharão os do costume, perderão os de sempre. O desinteresse no espaço público é quase total.

Entretanto, o país implode discretamente, consumido pela pobreza à portuguesa — humilde, envergonhada e silenciosa. Veja-se: milhares de crianças e jovens em risco foram esquecidos e deixados para trás, condicionados no seu futuro e nas suas aspirações por quem, num momento de grande urgência, não os protegeu. Falhou a aquisição de equipamentos, faltaram os apoios sociais, não houve a tarifa social de Internet, desconhece-se o planeamento para recuperar deste dano. Um país que não se indigna com isto merece a má sorte que tem.

Sei que já escrevi o suficiente acerca do tema para soar a disco riscado. Compreendo que o abaixo-assinado “Prioridade à Escola” que subscrevi, pela reabertura das escolas em Março, não gera acolhimento geral. Percebo que, de acordo com uma sondagem recente, 42% não quer escolas abertas até após a Páscoa e que, lê-se com arrepios, há 15% que as pretende fechadas até ao Verão (ou seja, até Setembro). Mas sei também que Portugal é a excepção, pois em vários outros países percebeu-se da necessidade em não deixar os seus mais jovens para trás e viu-se a recuperação da aprendizagem ser apontada a prioridade nacional. Por exemplo, no Reino Unido, após um período de encerramento das escolas, o governo anunciou ontem um amplo pacote de medidas de compensação — aulas no Verão, um generoso reforço orçamental para projectos de revisões e um apelo político à acção para que “nenhuma criança fique para trás”. Qualquer semelhança com a situação portuguesa é pura ilusão.

A forma como Portugal olha para os seus desafios estruturais não é apenas errada. É, antes disso, a confissão de um país conformado com a sua mediocridade. Não tem ambições, exige pouco a si mesmo, acomodou-se às suas rotinas imperfeitas, aceita as desigualdades sociais como um fatalismo, abraça o falhanço com a bonomia dos cábulas. Intriga-me que um país assim possa ter futuro.

PS: o título deste artigo foi inspirado num outro, de João Miguel Tavares, publicado em Junho 2020, cuja leitura recomendo.

POLÍTICA  CRESCIMENTO ECONÓMICO  ECONOMIA  EDUCAÇÃO

COMENTÁRIOS:

Andrade QB: Será a isto que se chama "meter a cabeça debaixo de areia"? Se for, como eu penso que é, o plano é mesmo o de ir treinando para viver a respirar pouco ar.          A. Carnide: Que mudanças estruturais poderiam ser feitas que não fossem reprovadas pelo Tribunal Constitucional, tal como aconteceu com as diversas tentativas frustradas do Governo de PPC, que levaram a um Enorme Aumento de Impostos? Seguramente muito poucas. Isto está tudo encriptado para benefício e sobrevivência do socialismo.               Ahmed Gany: Alguém dizia: "a intenção dos governos é fazer melhor mas o resultado é sempre o mesmo",               Paulo Silva: Mais do que como um fatalismo, Portugal entende as desigualdades como uma injustiça. O resultado de anos e anos de mamadeira, a juntar às melodias dos amanhãs que cantam. Enquanto assim for a capacidade e o mérito nunca serão valorizados. Igualdade em mediocridade, o doce rum(in)ar ao socialismo...                F A: Excelente artigo. Somos pouco exigentes quando está em causa o futuro colectivo.           Da Costa: Há anos que já não me intriga temos todos os ingredientes para sermos mais do mesmo com grande tendência para piorar, somos e seremos uma coutada povoada por gentes nobres mas com um grande déficit de análise e coerência aonde tudo se transforma em novela e lamechice para gáudio de uma ínfima minoria mas com décadas proveitosas deste nosso desvario.        João Soares: A frustração é compreensível, mas há uma questão que a que é necessário responder e, mais do que isso, ter a coragem de aceitar a resposta: quando é que fomos diferentes? Bom, se olharmos para a nossa história, apenas nas últimas décadas, que foram anormais e compradas à custa de riqueza que não produzimos; fora estas, sempre fomos medíocres e estamos agora a regressar ao nosso normal histórico: um país composto por uma pequena elite, hereditária, ignorante e obcecada pelo poder, e uma enorme maioria ignorante, com vidas curtas e reduzidas à luta pela sobrevivência (ou, sendo fino e citando o outro 'a life poor, nasty, brutish, and short'). Sinceramente, parece-me que somos, e sempre fomos, um outlier dentro do espaço geográfico onde estamos: sem cultura (para além da popular), sem ciência, sem espírito. Como é que 'mudamos'? Não me parece que seja possível, pelo menos como nação independente.            Manuel Ferreira: Excelente artigo!             Ashley Albuquerque: Referiu o contraste entre os planeamentos do Reino Unido e de Portugal relativamente à educação nesta altura de crise. Guardo na memória uma visita que fiz há muitos anos ao museu de História Natural de Londres. Entrei numa galeria onde estavam dezenas de crianças à volta de um expositor, em absoluto silêncio ouvindo, ao jeito de adultos que ouvem um guia turístico dentro de uma catedral, as explicações de um adulto, presumo que o professor, ou o funcionário do museu. Esta imagem contrasta com o que observei, há uns tempos, em visita ao museu da Ciência de Lisboa, no Oriente. Várias dezenas de miúdos foram ali despejados, correndo por todo o museu e perturbando quem lá estava, sem que os professores tivessem ou procurassem "ter mão” neles. Uma verdadeira romaria. O nosso país tem coisas boas, certamente não a educação. Estes contrastes existem!           Manuel Ferreira21 > Ashley Albuquerque: Mas o desenvolvimento dos povos e das Nações é por acaso? Basta ouvir o nível do debate na Sky News para perceber a diferença.            Ashley Albuquerque > Manuel Ferreira21: Sim, e tudo começa na educação. Mas veja o estado em que estão as carreiras no ensino. Ninguém quer ser professor. Veja as médias de entrada nas escolas superiores de educação. Mas gostamos de nos congratular com as nossas praias, comidas, belezas naturais, hospitalidade... Se reparar quase tudo coisas que ou nos foram dadas pela natureza ou que não precisam de grande disciplina ou esforço intelectual.          Cristina Lopes: Os políticos são básicos mas a verdade é que a matéria prima de que são feitos também não é grande coisa! Enfraqueceu, acobardou-se e tornou-se num povo medroso.             Antonio Mello: É a nossa sina! Muito triste. Não há políticos nem presidentes ( nem ideias) para estar á frente deste pequeno país, (e se calhar nem povo,)que poderia ser Grande. Ser Patriota, falar em Nação ou Pátria, é rotulado de direita. Somos moles de mais e desculpem o termo, passamos a vida a baixar as calcinhas. Os sucessivos governos, são acéfalos. Não há um pensamento sobre Portugal. Continuamos a caminhar alegremente com a cabeça entre as orelhas. Procuramos consensos. Farto de consensos. Esta paz podre tem que acabar, mas quando alguma ideia ou reforma, é classificada de fracturante, encolhe-se timidamente... PORTUGAL PRECISA DE MEDIDAS E IDEIAS FRACTURANTES.ACORDA PORTUGAL. Quero deixar um Portugal melhor aos meus filhos. FDS!!             Lourenço de Almeida: Não tem futuro. Já no final do séc XIX e durante a primeira república foi assim e só não desapareceu graças ao ultramar e à revolução do Estado Novo que com a entrada em cena do Salazar deu um rumo ao país que não passava simplesmente pela sua autodissolução. E isto não é um apelo a que se volte ao Estado Novo mas apenas um lembrar que, não tem que ser assim porque já o foi, e deixou de o ser.          Sapatão Machista: É continuar a apostar em sociologias, psicologias, jornalismos, politica internacional e tal que a coisa vai correr bem, como tem corrido até agora. Tudo menos matemática, fisica, ensino de codigo de programação, isso é que não, isso são ciências exactas, não dá para botar discurso. Fernando Feijó: Importante foram as buzinadelas de ontem porque o Benfica não está bem de futebol jogado. O tempo que perderam e a atitude que tiveram, podiam ter sido dirigidas para os assuntos que na realidade interessam. Enfim... Folclore de má qualidade.           Fonseca Ralhão: O futuro que tem é o que as esmolas da Europa continuarem a permitir. É assim desde 1974-1975 e assim continuará.        Viriato Afonso: Compreendo e partilho a frustração e revolta do AHC, mas o artigo parece-me algo ingénuo. Porque desde que se decidiu, no 25 de Novembro, que o país seria uma democracia que simplesmente nunca existiu um plano e uma visão de futuro para o rectângulo. Excepção talvez para os anos de Cavaco (PM) e Passos. Agora um plano sustentado em traves mestras acordadas pelos partidos do arco da governação, única maneira de se conseguir desenvolvimento sustentado? Nunca! Porque aconteceria agora, quando é o PS a governar enquanto correm desordenadamente em todas as direcções para ficar no mesmo sítio?!         Pedro Castanheira: Alguém me explique o que é isso de um país 'com futuro'?... Mas há prazo de validade?... Será que o próprio AHC tem futuro?... Quantos anos?... Lourenço de Almeida > Pedro Castanheira: é um país que não seja simplesmente um apêndice de outros. Que tenha um mínimo de autonomia na tomada de decisão sobre os seus assuntos e que as decisões tomadas sejam a favor de um colectivo e de uma cultura nacional e não apenas a favor de grupos de interesse específicos...de famílias, ou máfias, conforme se lhes queira chamar. Há países que simplesmente desapareceram. Ou porque se federaram noutros ou porque foram federados á força, ou noutros casos, simplesmente deixaram de ter qualquer voz nos seus destinos. A Grécia, os Balcãs, a Bulgária, Roménia e outros territórios naquela zona, simplesmente deixaram de ser os países que eram quando foram integrados no império Otomano e a Grécia que hoje existe não é aquela que existiu no período clássico. A URSS desapareceu, como desapareceu a DDR. E Portugal praticamente desapareceu depois das Guerras Peninsulares em que ficou um apêndice do Reino Unido - apesar de uns arrufos pelos motivos errados como o do Mapa Cor de Rosa - desde que o Wellington correu com os franceses até que os militares de 1926 decidiram por ordem no pagode.     Pedro Castanheira > Lourenço de Almeida: Anacronices...          josé maria: Portugal está entre as economias que mais recuperam em 2021 em todo o mundo. O ano de 2020 foi catastrófico para a saúde das economias em todo o mundo, com vários países a registarem quedas expectáveis de dois dígitos. Agora, o FMI aponta para uma recuperação em praticamente todas as nações no ano que está agora a começar. Portugal surge entre as maiores recuperações Jornal de Negócios,2/1/2021 Já não acredita no FMI, Alexandre ?          Luis de Freitas > josé maria: A tolice sempre existiu. É só olhar para a estrutura económica do país assente na indústria automóvel e no turismo para perceber como essas expectativas são irrealistas, como tantas vezes já o foram no passado.             josé maria > Luis de Freitas: Cavaco deu um "excelente" contributo para destruir a agricultura e as pescas, com a política do pousio forçado de terras e do abate de embarcações da frota pesqueira, substituindo esses sectores económicos pela política despesista do betão e de auto-estradas a multiplicarem-se como os cogumelos, enquanto o resto do país se mantinha desertificado e sem vias de acesso condignas.           Manuel Magalhães: Comecemos pela enorme mediocridade do maior e mais incompetente governo da nossa história (pelo menos dos últimos 45 anos) que quando há algum problema chama um especialista para fazer ou executar o tal plano e que na maioria dos casos é logo substituído porque também não presta, depois temos um eleitorado ignorante e acomodado que elege governos destes, enfim parece-me que este país não tem mesmo remédio!!!            bento guerra: O salazarismo "educou" os avós e estes "compraram" os filhos e os netos. "A minha política é o trabalho" era a frase de então,agora é o "carpe diem"      advoga diabo: A culpa é dos portugueses, cábulas reféns da bonomia, esses madraços medíocres. Outro que acha que é preciso mudar de povo em vez de se pôr a andar. O estilo AG faz escola entre colegas! Especialmente surpreendente neste suposto expert em Educação.          Maria Augusta > advoga diabo: Tu és um bom exemplo porque chegamos a este ponto e com tendência óbvia para piorar. É natural que não entendas, nunca vais perceber.       Zé Sousa: Brilhante crónica AHC, completamente de acordo. O povo está tolhido de medo e acovarda-se, os políticos aproveitam, o que contribuí para a tragédia que irá acontecer!        Sr Leão: Sim, a mediocridade, espécie de anestesia cuja continuidade vai matando aos poucos.               Adelino Lopes:  “Um país que não se indigna como isto merece a má sorte que tem.”? Excelente. E porque não se indigna? Porque continua à procura de emprego (não é para trabalhar), de subsídio, etc? Porque falta conhecimento, cultura, disciplina, austeridade pessoal, etc. Discussão pública do PRR? Para quê? Para se chegar a consenso de que aquele “grupo” também merece estar à mesa? Futuro? Depois de gasto o dinheiro voltaremos ao mesmo. Ou piores, porque entretanto ficarão mais umas rendas (tipo PPP’s rodoviárias) para pagar. E já que estamos em maré de questões: porque será que me parece que o Costa e Silva anda quase desaparecido? Auto-afastado, ou afastado pelos que querem o protagonismo (os votos)?

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