sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ele e ela


A mulher foi desde o seu bíblico início
Uma personagem condenada
Pelo seu espírito de teimosia,
Pois não só comeu o fruto
Que Jeová proibia,
Como levou Adão, homem singelo,
A comê-lo,
E isso não se fazia.
Ficou-lhe assim o estigma
De que La Fontaine se aproveitou no seu enigma
Que parece de cortesia
Mas que é cheio de ironia
Feroz,
Numa sociedade em que a força e a valentia
Do ser macho sempre se impôs,
Sem harmonia, nem fantasia
Até mesmo hoje
Como se comprova na doméstica violência diária
Vária
Seja na Europa, na América, na Ásia,
Na África, ou na Oceânia,
Pois a Antártida ainda não conta
A não ser para os pinguins dos confins.

«A mulher afogada»

«Eu não sou daqueles que dizem: “Não é nada:
Trata-se de uma mulher afogada.”
Digo que é excessivo; e esse sexo vale, sem fantasia,
Que nós o lamentemos, pois faz a nossa alegria.
O que avanço aqui não é um desaguisado,
Visto que se trata nesta fábula lamentável
De uma mulher que os seus dias tinha acabado
Nas ondas, em destino deplorável.
O seu esposo do corpo andava à procura
Para lhe prestar, nesta triste aventura,
As honras da sepultura.
Aconteceu que pelas margens do rio,
Autor da desgraça inclemente,
Passeavam pessoas que ignoravam o acidente.
O pobre do marido perguntou por desfastio
Se não tinham avistado o rasto da sua mulher:
“Nenhum, respondeu um; mas procurai-a mais abaixo:
Segui o fio do rio.”
Outro redarguiu: “ Não, não o sigais para baixo
Ide antes para cima, para trás.
Seja qual for a inclinação
Com que a água a poderia levar,
O espírito de contradição
Doutra forma a fará flutuar.”
Este homem troçava sem qualquer justificação.
Quanto ao humor contraditório
Não sei se tinha razão,
Mas que esse humor seja ou não
O defeito do sexo ou a sua inclinação,
Quem quer que com ele nascer
Sem falta com ele vai morrer:
Até ao fim ela irá contradizer
E, se possível, até bem para além
Do que é possível conceber.»

Eu poderia informar
Sobre outros defeitos do nosso ser
Com que a minha amiga e eu,
Sem jamais usarmos o teu e o meu,
E sem mais aquela,
Às vezes debatemos sobre os defeitos dela,
Embora mais vezes sobre os defeitos dele.
Mas o tempo é de cautela:
Falemos antes na beleza dela,
Critiquemos a debilidade dele,
Que só fala, fala, fala,
Menos na nossa esparrela.
Ai dele e ai dela!


 

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