Eis uma
frase inesperada da minha mãe, dita em 30/6/2012, de que tomei nota tal a sua elegância
sibilina, e hoje mostrei-a à minha amiga. Fora a propósito da característica
que nos habituámos a aceitar, de longa data, no nosso povo desdentado e a minha
amiga logo se esmerou em retomar o tema da sua iracúndia: “Os portugueses são
uns desdentados.” E prosseguiu com facúndia:
- “Já se
nota na crise. As pessoas estão a desistir do dentista. Como é que uma pessoa
vem à televisão com aquela boca? Mas na televisão resolvem problemas
gravíssimos, por isso se mostram. Aquele brasileiro que cá esteve há uns anos
foi um bocado ofensivo, mas verdadeiro, quando disse que Portugal era um país
de desdentados. Há uns anos aqui não queriam aceitar os dentistas brasileiros,
mas a verdade é que a escola dentária no Brasil era uma categoria. Isto
melhorou, mas está a retroceder.
Por isso a
minha mãe lembrou o caso dos velhos do seu tempo, que iam decaindo e perdendo
dentes, e até os de meia idade e os mais novos, apostada que está em trazer à
baila assuntos da sua longa existência que a permanência na cama faz evocar, juntamente
com os versos e as canções, reveladores da ânsia de demonstrar que continua
viva e a interessar-se.
A minha
amiga aproveitou para estranhar o facto de as bocas em Portugal nunca terem
contado para os sucessivos governos, e eu, a desculpabilizar, recordei o excessivo número de dentes
de uma dentição completa, de preço impeditivo de comparticipação da rede de saúde
pública. Além disso, o povo português está de longa data habituado a fechar a
boca, quer para comer quer para falar - agora menos, todavia, mas tempo virá - não ia questionar-lhe os buracos que até
resultavam de um confortável abrandamento de dor com o arrancamento imediato e às
vezes até sem anestesia, quando de ligação a um qualquer impiedoso torniquete, a substituir
o oneroso e demorado tratamento, que implica broca, desvitalização, injecção,
perfuração, implante, e o mais que o progresso nos vai proporcionando em questão
de odontologia.
Diz-se que
quem tem boca vai a Roma, mas é preciso que seja uma boca cuidada, que tenha
posses para viajar e para ir ao dentista. Por isso, entre nós, só vai a Roma
quem cuide da boca, e quem diz a Roma diz a outras partes da esfera. Os da
esfera de sempre, afinal, que preferem cavar buracos alheios a criá-los em si
próprios. Ou se os criaram, em tempos de menos abundância, logo os preenchem
mal a cornucópia lhes sorria. Com as trinta e duas unidades da dentição completa.
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