Hoje a dona
do café veio perguntar-nos radiante, julgo que pelo prestígio que, no seu foro
íntimo, o seu café passaria a ter, após a auspiciosa presença que tomou a sua bica
ao balcão, na pressa dos seus afazeres públicos:
- Sabem
quem acabou de sair daqui?
Não
reparáramos, entretidas que estávamos a dar conta dos caprichos meteorológicos,
que nos fizeram abandonar a esplanada, e logo ela explicou que se tratava de Cândida Almeida, a
procuradora-geral Adjunta, que todas nós escutáramos embevecidamente há dias, quando
declarou alto e bom som em Castelo de Vide que não havia corrupção em Portugal,
donde se depreendia que era tudo fofoca.
Eu e a
minha amiga até nos tínhamos penitenciado das nossas fofocas várias vezes acusadoras
dos distúrbios das vigarices nacionais à medida que os media os vão propalando,
com extraordinária dimensão e sem poupar ninguém, sobretudo aqueles a quem a
vida mais promoveu, e que a nossa mesquinha inveja mais deseja eliminar.
- Por
isso ela se chama Cândida, esclareceu a minha amiga com compostura.
- Só
falta da Purificação, largou a minha filha que veio à sua bica pingada,
antes de partir para as aulas da tarde.
- Oliveira
– acrescentou a minha amiga, na seriedade dos seus cursos acidentais de rua, com
livrinhos esclarecedores, fornecidos pelas Testemunhas de Jeová.
Mas
eu defendi Cândida, considerando tratar-se a sua expressão de uma visão
optimista, embora sem o cariz irónico do Candide de Voltaire, e mais do foro humanitário
do nosso santo Padre Américo, para quem o lema “Não há rapazes maus” era ponto
assente, como o da nossa Cândida Almeida, apesar de a minha amiga contestar que
a rapaziada do Padre Américo pertencia à rua, não se tratava dos referidos no
discurso televisionado da nossa Cândida.
Fosse
como fosse, o que nos tornou mesmo felizes foi a satisfação da nossa simpática
dona do café, que vê na presença de Cândida um furo para o seu negócio em
baixa. Eu candidamente espero que assim seja, mas a minha amiga tem a mania de
me tratar por madre Teresa de Calcutá quando eu revelo certas ingenuidades
menos comuns, e assim o disse hoje. Quando se fala de confiança logo vem o mais
sabedor falar de utopia!
“Mundo muito mal feito, Marquês!”, diria
Afonso da Maia ao ser embaraçadamente surpreendido nas suas caridades (Cap. X
de “Os Maias”). É por isso que não se me
dá que Cândida Almeida tenha dito o que disse. Puro acto de caridade ou de bondade, como o do nobre avô de Carlos da Maia, e não embarque em submissa navegação nas nossas procelas nacionais.
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