O homem
jovem apareceu com a filhita, separados um do outro, entraram no café e vieram
para a esplanada, a criança triste e bem comportadinha, o homem para beber o
seu café. Mudos, distantes, de caras voltadas, pois nem sequer em
frente-a-frente amigável mas cada um no lado contíguo, a criança magrita
provavelmente engolindo a sua tristeza, de bracinhos pendentes e olhos perdidos
solitariamente. O homem jovem telefonou em voz baixa pelo telemóvel, pagou a bica.
Não houve um olhar trocado, uma palavra dita, ergueram-se, foram-se embora,
separados, ambos magros, os passinhos da criança mais rápidos, para acompanhar
os do pai que, naturalmente, não lhe agarrou na mão.
A minha amiga,
que me tinha feito mudo sinal para reparar no quadro, apressou-se a explicar: a
criança era sua vizinha recente, tinham chegado havia pouco ao prédio, uma
família composta de bisavó, bisavô, avó, extremamente gorda, para subir pesadamente
os três andares, a tia, a mãe - três mulheres divorciadas - a menina magra e
uma irmã de berço. O homem jovem, sério e distante, estava separado da mãe da
criança. A bisavó tinha morrido, a menina chorara convulsivamente ao ser
informada, o pai fora buscá-la para a distrair.
Um quadro
aterrador, de uma criança que não ama o pai, pois chora sempre que este a vai
buscar, desamor talvez feito de medo, pois que o progenitor não tenta encurtar
a distância entre ambos, jamais debruçado sobre a filha, nem mesmo na
circunstância presente da tragédia vivida da morte da bisavó.
- Há os
casos em que as crianças não querem ir com o pai.
A minha
amiga recordou a filha de uma sua amiga, obrigada pelo Tribunal aos fins de
semana e às férias com o pai, que ela recusara chorando e argumentando em plena
sessão do tribunal, contra uma decisão judicial que ela repelia, centrando os
seus afectos filiais exclusivamente na mãe. Lembrei que quando isso se passara,
há muitos anos já, em que a minha amiga servira de testemunha de defesa, eu
condenara a filha desamorosa e a mãe, que provavelmente a instigara nesse
sentido. E contara do caso seu conhecido da mãe que igualmente se separara em
desavença, mas sempre respeitara o direito dos filhos ao amor paterno.
- Pois ela
tem feito um percurso muito bem feito. Foi excelente aluna e tem um excelente
trabalho como como técnica de
radioterapia. Apesar da falta do pai, que ela sempre detestou.
E voltámos
a referir a criança que se sentara à nossa frente na esplanada, ente indefeso contra
a violência da presença muda do pai ao seu lado, sem sequer uma mão estendida
para a criaturinha a quem dera o ser.
E
arrepiámo-nos, ante os maus tratos sofridos por muitos órfãos em todos os
tempos, coisa que nos habituáramos a reconhecer já na infância, nas gatas
borralheiras e brancas de neve e tantas outras figuras das histórias de
encantar e continuáramos a reviver nas Jane Eyres da adolescência, de madrastas
ásperas e injustas, o que couraçara as enteadas para um sentido de
responsabilidade e de luta pela vida, como neste último caso, ou no da Margarida de Júlio Dinis, no das histórias
de encantar as princesas sendo favorecidas pela bênção das fadas madrinhas salvadoras.
Mas na
sociedade ocidental imperam as separações entre os casais, o que traz como
consequência as situações sempre injustas e mesmo trágicas das divisões dos
filhos, reclamados pelos respectivos progenitores, frequentes vezes usando de
vis manobras de chantagem material na recusa de participação financeira na
educação dos filhos, mau grado as decisões judiciais. O filme “Kramer contra Kramer”,
obra prima do cinema americano, explora magistralmente o assunto, num amor
feito de cedência, opondo ao egoísmo a comovida opção materna final pelo
bem-estar do filho, como exemplo de grande beleza moral, embora, talvez, pouco
real, num mundo de tropelia.
Retomámos o
optimismo recordando os casos conhecidos dos filhos de pais separados em
amizade, ou, pelo menos, tentando salvar o equilíbrio emocional dos filhos com as
dádivas das suas generosidades compensadoras da ausência, outras vezes empenhando-se
a sério no seu crescimento espiritual.
A vida
segue, depressa chegará a vez dos filhos de seguirem as suas opções de vida, as
amarras cada vez mais soltas, num mundo cada vez menos comedido.
Mas a
figurinha frágil daquela menina triste, ao lado dum pai tão indiferente, permanece
como um nó, no nosso espanto acabrunhado.
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