- Acha
que teremos tranche? – pergunto eu, na inquietação que me aniquila a alma, sempre que as figuras
sinistras dos troikos de maleta se desenham no nosso horizonte nacional.
Mas a minha
amiga é muito prática nas questões da alma e das tranches e despachou-me deste
modo:
- Isso temos,
não se vive de outra maneira. Então, se eles não dessem mais dinheiro, Portugal
vivia de quê? Da agricultura? Ou do mar?
Torci-me
toda, no sentimento de humilhação em que a nulidade das nossas perspectivas nos
coloca, apesar do amparo momentâneo das promessas propaladas a espaços, relativas
à existência de petróleo ou ouro, que logo esmorecem e tombam, apenas surgem na
imprensa, vindas não se sabe de que ponto da rosa-dos-ventos. A minha amiga diz
que essas atoardas estão na mesma linha de pensamento que veicula os dados
optimistas sobre as exportações e que são imediatamente desmentidos ou
minimizados às vezes pelos do próprio governo que as propalou umas horas antes.
A propósito,
lembrei os comentários do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que
ouvi ontem sobre as visitas trimestrais da Troika para conferir os nossos gastos,
condenando tais visitas significativas de perda da nossa soberania, o que me
caiu muito mal no pensamento - para não dizer no goto, que é menos fino, para não dizer subtil - não
só porque vi nesses dizeres quanto ele se estava a desligar da política de honestidade,
pelo cumprimento dos compromissos, do seu Primeiro Ministro, provavelmente já
na perspectiva do salto para qualquer outro cargo da oposição quando a oposição
for governo, mas também porque discordei radicalmente da teoria, achando que,
muito pelo contrário, todos os emprestadores anteriores e presentes da CEE, U.E.
etc., nunca nos deveriam ter entregado as suas tranches sem cá virem verificar periodicamente
como estavam a ser aplicadas. Não teríamos chegado certamente a este estado de
desertificação económica, e de proliferação corruptiva.
Mas a minha
amiga achou que não valia a pena lamentarmo-nos sobre o leite derramado e
mergulhou nos seus referentes de fresca data – os cem jovens de Lisboa e do
Porto que foram enganados pelo vigarista que lhes prometeu trabalho na Holanda a
troco de 25 euros e faltou ao compromisso, (mas eu condenei os rapazes que já deviam saber pelos filmes - nossos, reais, e estrangeiros, ficcionais - que nunca se deve crer nos angariadores de trabalhadores), os homens que apanharam berbigão e
tiveram que o despejar no mar porque é proibido apanhar berbigão…
- Já viu
aquilo que eles sofrem? Primeiro, para apanhar berbigão e depois para não serem
apanhados. Agora porque é proibido, não percebo bem. Se a gente tem mar e
berbigões, porque não deixar viver quem vive disso? O país está seco.
Foi então que eu comparei este caso com o do sr. João da Esquina, que não queria tomar o arsénico recomendado pelo Doutor Daniel, o apaixonado final da Margarida, mas, antes, da Clara e agora, da menina Francisquinha, por conveniência da mãe desta, a srª Teresa, que, insinuantemente, insistia com o marido para ele o tomar, o que o levava ao rubro na sua cólera, ao ouvi-la dizer: "Toma arsénico, menino, toma. E porque não hás-de tomar arsénico?"
Foi então que eu comparei este caso com o do sr. João da Esquina, que não queria tomar o arsénico recomendado pelo Doutor Daniel, o apaixonado final da Margarida, mas, antes, da Clara e agora, da menina Francisquinha, por conveniência da mãe desta, a srª Teresa, que, insinuantemente, insistia com o marido para ele o tomar, o que o levava ao rubro na sua cólera, ao ouvi-la dizer: "Toma arsénico, menino, toma. E porque não hás-de tomar arsénico?"
Um país
seco, tal como o sr. João da Esquina, desconfiado contra Daniel por motivos que
não vêm ao caso, repelindo o arsénico da receita e respondendo com violência à
exortação da esposa. Um país que não quer tomar arsénico para viver e deixar
viver - do mar, da terra, do ar…
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