No trilho instalado, mau grado os protestos dos que
sabem protestar. Quem pode, pode. Como na Rússia, de resto. Sem medos. Sem vergonhas. No dolo.
Desnorteio e vazio
Na última reunião do PS António Costa falou de “prioridades”, insistindo nelas com a aflição de um náufrago. Deviam estar tratadas. Sete anos depois não parece que estejam sequer a caminho.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 18 jan. 2023, 00:2226
1Quem diria tanta aceleração? Da
deliquescência a este actual “estado de vazio” tem sido um passo. Ponho entre aspas porque o vazio é ainda meio
difuso, indefinido, mas ele aí está. Existe pelo menos o sentimento –
palavra ardilosa – de uma terra de ninguém: sabe-“se” que não
se está politicamente bem entregue, da mesma forma que não se sabe bem que nova
morada aí vem. Mais ou
menos é isto. (Claro que é na futura morada política que tudo reside, um nó
górdio de duvida e incertezas mas o próprio de um “estado de vazio” é
justamente a não imediata percepção de um caminho como o mais ajustado para o
que as circunstâncias reclamam. Ou impõem. Lá virá o tempo.)
2O que parece impossível é
discordar de que há um desnorteio.
Deixo apenas três exemplos, breves, intensos e eloquentes, todos. São
conhecidos, é verdade., peço desculpa por maçar. É porém ainda mais verdade que
não podem ser esquecidos, varridos com leveza e destreza para debaixo do
(infectado) ar do tempo.
Quem
atente na intervenção de António Costa na reunião da Comissão
Política do PS ocorrida há
dias é em desnorteio que pensa: as “prioridades” que lançou — e nas quais ia
insistindo com a aflição de um náufrago — quase humilham o país: deviam estar
tratadas. Algumas delas a caminho de o estar, outras, em bom
andamento, outras ainda, quase concretizadas. À excepção da (incerta) execução do
mais recente Plano de Restruturação e Resiliência (PRR), o lote apresentado é
dramático pelo que revela do pouco feito ou não feito, não melhorado, não
intervencionado. Pergunta legítima: um lote com esta
importância não constava afinal da agenda do primeiro ministro mal ele entrou
em funções? Ou constava e durante dois governos fez-se pouco ou pouquíssimo
caso?
Relembro:
“reforma do Serviço Nacional de Saúde” (sete anos depois do início da governação e seis
depois das cativações que começaram a destruir o SNS é credível a palavra
“reforma”?); “política de
habitação” (uma
chaga que o governo não viu alastrar prejudicando centenas de milhares de
portugueses, legitimamente aflitos por um canto, debaixo de telha); “agenda do trabalho digno” (tanto, tanto ainda por fazer em questão tão crucial
para salvar o hoje e redimir de persente tao nefasto); “modelo dos professores” (o assunto é sério. Nem se resolve com manifestações,
embora bem se compreendam. Era preciso outra competência. Um fôlego que não se
restringisse a uma troca de cadeiras mas a uma revolução. E já agora, ninguém
pede contas a Tiago Brandão Rodrigues?);
“conclusão da descentralização” (à pressa, de qualquer maneira, para mostrar
serviço no desespero de uma crise grave?).
Deixo
à consideração.
Ouvindo
o chefe do governo falar para a sua gente, é como se estivéssemos a voltar a
casa de partida, com um recém chegado António Costa, a passar, há sete anos, a
porta da residência oficial de S. Bento. Falta
a TAP, vergonhas das vergonhas: desprivatizada
porque era preciso fazer o contrário de Passos Coelho mendiga hoje uma
reprivatização em condições mil vezes menos favoráveis. No entanto devora
vorazmente o nosso dinheiro. Uma história de terror.
Segundo
exemplo: que
dizer da existência de um questionário de avaliação de portugueses candidatos
ao Executivo do país? Uma dúzia
de demissões por feias razões explicam muita coisa no desnorteio reinante mas…
em todo o caso, uma pergunta legitima: António Costa admite que não é capaz de
separar o trigo do joio? Auto-demite-se da responsabilidade de ter um
critério, o seu? Teme o fracasso insuportável de futuras
escolhas? Enxota responsabilidades através de um “certificado” de seriedade? Eu
sei, já não se quer ouvir falar do questionário, causa um pasmo enjoado (ou
enojado). Mas não, paciência: trata-se da negação da política. estamos a
caminho do seu grau zero.
Pedindo
desculpa ao leitor – caso ainda me reste algum – só mais uma pergunta: nenhum
dos “autores” da redação das 36 perguntas se apercebeu da eventualidade da sua
ineficácia para o propósito em causa? (Alguns
dos afastados recentes teriam via verde para a governação…). O
Presidente da República valida a sua “utilidade” para apurar
“incompatibilidades.” Assim?
Por
este andar a luz verde passará com celeridade a linha vermelha: alguém
normalmente constituído, sério de carácter, praticante natural da ética, se
exporá a este vexame? Pelo menos ninguém que tenha uma família, uma profissão,
um património. Uma vida, enfim.
Terceiro exemplo e porque os
últimos serão os primeiros: o Presidente estará ele próprio também contagiado
pelo que de inusitadamente absurdo ocorre politicamente no país? Decidiu ganhar tempo através de um, digamos,
artificio chamado “ governo com data de validade”. O
Presidente “dá” um ano ao Executivo? Dá? Mas “dá” como? Uma estreia absoluta: a
instituição presidencial intervindo directamente (inexplicavelmente?) na esfera
governativa.
3Lembramo-nos
todos de alguns maus dias políticos. (Ou péssimos). Tão estranhamente maus como estes, não me lembro.
PS: Porque é que Marcelo Rebelo de Sousa
é tão, tão brilhante a discursar — como na terça-feira no Museu dos Coches,
entre mil outros exemplos que poderia dar — e tão mais baço e retraído a
presidir?
GOVERNO POLÍTICA ANTÓNIO COSTA
COMENTÁRIOS (de28)
António Lamas: "Porque é
que Marcelo Rebelo de Sousa é tão, tão brilhante a discursar — como na
terça-feira no Museu dos Coches, entre mil outros exemplos que poderia dar — e
tão mais baço e retraído a presidir? " Porque Marcelo, não é presidente,
nunca foi nem será. É um entertainer comentador, inventor de factos e" factinhos"
que sabe que se ele fosse ou primeiro-ministro faria o mesmo que Costa, ou seja
nada mais que se manter à tona. Por isso fala, fala, fala, a ver se outro se mexe e faz aquilo
que ele próprio não conseguiria, nem quereria fazer. Não vai ficar bem no
retrato histórico dos presidentes portugueses. João Eduardo Gata:
António Costa e o seu PS sempre foram um Embuste, uma
Inutilidade. Nada têm para oferecer, a não ser inutilidades. roubos, nepotismo,
corrupção. Portugal estaria bem melhor sem este PS a atrapalhar e a criar
problemas. Carlos
Quartel: Tudo se baseia num erro de análise de
milhões de portugueses e também de alguns comentadores bem-intencionados. O
PS nunca foi um partido de projecto, foi sempre um partido de poder. Todo o
trabalho do PS é feito tendo como objectivo o controle do poder, que permitirá
a captura. Daí partimos para o saque, em vários tons e graus, mas o que se
pretende é povoar o poder de gente da casa, distribuir benesses, fazer fortuna,
vagens, carros e casas de luxo. Qualquer pequeno pelintra consegue 10 mil
por mês (esta Jamila é um bom exemplo), as câmaras estão pejadas de cunhados, mulheres, maridos,
sobrinhos e parentes. Quanto a jornalistas, grande parte está na algibeira e,
se, em vez de andarem a vasculhar os telefonemas dos polícias, andassem à
procura de PS's na reforma chegariam à conclusão de que nem um vive
exclusivamente com o seu ordenado ou a sua pensão. Haverá sempre um esquema
qualquer, que proporcione receita ......... Domingas Coutinho:
É mesmo verdade. António Costa
fala sempre como se acabasse de chegar ao Governo, como se para parvos falasse.
E o pior é que há ainda quem acredite. Filipe Paes de
Vasconcellos: “La grande Bouffe” Claro que li o
seu belíssimo texto até ao fim e com vontade de o reler. Quando se fala em
regionalização até fico arrepiado. Estão a ver o que seria se esta gentalha tivesse
mais uma camada de cargos e dinheiro para se banquetearem. Este regime corrupto
que o Costa implantou em Portugal faz-me lembrar o filme “La grande bouffe “. Sérgio: Soberbo. DESgoverno mais inapto
e incompetente e medíocre e nepotista e desleixado e irresponsável e reles e
rasca é impossível! Madalena
Sa: Muito bom! Tudo
isto e muito mais! Marcelo tem grande culpa! Deu sempre a mão a este PS
execrável, uma verdadeira vergonha que deixou destruir o País! Quem não sabe
ser Presidente não se candidata!
Ferreira de Carvalho: Parabéns por mais um artigo excelente na forma e no
conteúdo! É com enorme prazer que leio os seus artigos (aliás, uma das
principais razões pela qual assino o Observador) que são sempre tão verdade,
acutilantes, assertivos, oportunos, corajosos e escritos com um estilo tão
próprio e maior... e claro que li o artigo até ao fim! Como sempre! Obrigado
Maria João Avillez!
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