quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

E o chão vai fugindo


No trilho instalado, mau grado os protestos dos que sabem protestar. Quem pode, pode. Como na Rússia, de resto. Sem medos. Sem vergonhas. No dolo.

Desnorteio e vazio

Na última reunião do PS António Costa falou de “prioridades”, insistindo nelas com a aflição de um náufrago. Deviam estar tratadas. Sete anos depois não parece que estejam sequer a caminho.

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 18 jan. 2023, 00:2226

1Quem diria tanta aceleração? Da deliquescência a este actual “estado de vazio” tem sido um passo. Ponho entre aspas porque o vazio é ainda meio difuso, indefinido, mas ele aí está. Existe pelo menos o sentimento – palavra ardilosa – de uma terra de ninguém: sabe-“se” que não se está politicamente bem entregue, da mesma forma que não se sabe bem que nova morada aí vem. Mais ou menos é isto. (Claro que é na futura morada política que tudo reside, um nó górdio de duvida e incertezas mas o próprio de um “estado de vazio” é justamente a não imediata percepção de um caminho como o mais ajustado para o que as circunstâncias reclamam. Ou impõem. Lá virá o tempo.)

2O que parece impossível é discordar de que há um desnorteio. Deixo apenas três exemplos, breves, intensos e eloquentes, todos. São conhecidos, é verdade., peço desculpa por maçar. É porém ainda mais verdade que não podem ser esquecidos, varridos com leveza e destreza para debaixo do (infectado) ar do tempo.

Quem atente na intervenção de António Costa na reunião da Comissão Política do PS ocorrida há dias é em desnorteio que pensa: as “prioridades” que lançou — e nas quais ia insistindo com a aflição de um náufrago — quase humilham o país: deviam estar tratadas. Algumas delas a caminho de o estar, outras, em bom andamento, outras ainda, quase concretizadas. À excepção da (incerta) execução do mais recente Plano de Restruturação e Resiliência (PRR), o lote apresentado é dramático pelo que revela do pouco feito ou não feito, não melhorado, não intervencionado. Pergunta legítima: um lote com esta importância não constava afinal da agenda do primeiro ministro mal ele entrou em funções? Ou constava e durante dois governos fez-se pouco ou pouquíssimo caso?

Relembro: “reforma do Serviço Nacional de Saúde” (sete anos depois do início da governação e seis depois das cativações que começaram a destruir o SNS é credível a palavra “reforma”?); “política de habitação” (uma chaga que o governo não viu alastrar prejudicando centenas de milhares de portugueses, legitimamente aflitos por um canto, debaixo de telha); “agenda do trabalho digno” (tanto, tanto ainda por fazer em questão tão crucial para salvar o hoje e redimir de persente tao nefasto); “modelo dos professores” (o assunto é sério. Nem se resolve com manifestações, embora bem se compreendam. Era preciso outra competência. Um fôlego que não se restringisse a uma troca de cadeiras mas a uma revolução. E já agora, ninguém pede contas a Tiago Brandão Rodrigues?); “conclusão da descentralização” (à pressa, de qualquer maneira, para mostrar serviço no desespero de uma crise grave?).

Deixo à consideração.

Ouvindo o chefe do governo falar para a sua gente, é como se estivéssemos a voltar a casa de partida, com um recém chegado António Costa, a passar, há sete anos, a porta da residência oficial de S. Bento. Falta a TAP, vergonhas das vergonhas: desprivatizada porque era preciso fazer o contrário de Passos Coelho mendiga hoje uma reprivatização em condições mil vezes menos favoráveis. No entanto devora vorazmente o nosso dinheiro. Uma história de terror.

Segundo exemplo: que dizer da existência de um questionário de avaliação de portugueses candidatos ao Executivo do país? Uma dúzia de demissões por feias razões explicam muita coisa no desnorteio reinante mas… em todo o caso, uma pergunta legitima: António Costa admite que não é capaz de separar o trigo do joio? Auto-demite-se da responsabilidade de ter um critério, o seu? Teme o fracasso insuportável de futuras escolhas? Enxota responsabilidades através de um “certificado” de seriedade? Eu sei, já não se quer ouvir falar do questionário, causa um pasmo enjoado (ou enojado). Mas não, paciência: trata-se da negação da política. estamos a caminho do seu grau zero.

Pedindo desculpa ao leitor – caso ainda me reste algum – só mais uma pergunta: nenhum dos “autores” da redação das 36 perguntas se apercebeu da eventualidade da sua ineficácia para o propósito em causa? (Alguns dos afastados recentes teriam via verde para a governação…). O Presidente da República valida a sua “utilidade” para apurar “incompatibilidades.” Assim?

Por este andar a luz verde passará com celeridade a linha vermelha: alguém normalmente constituído, sério de carácter, praticante natural da ética, se exporá a este vexame? Pelo menos ninguém que tenha uma família, uma profissão, um património. Uma vida, enfim.

Terceiro exemplo e porque os últimos serão os primeiros: o Presidente estará ele próprio também contagiado pelo que de inusitadamente absurdo ocorre politicamente no país? Decidiu ganhar tempo através de um, digamos, artificio chamado “ governo com data de validade”. O Presidente “dá” um ano ao Executivo? Dá? Mas “dá” como? Uma estreia absoluta: a instituição presidencial intervindo directamente (inexplicavelmente?) na esfera governativa.

3Lembramo-nos todos de alguns maus dias políticos. (Ou péssimos). Tão estranhamente maus como estes, não me lembro.

PS: Porque é que Marcelo Rebelo de Sousa é tão, tão brilhante a discursar — como na terça-feira no Museu dos Coches, entre mil outros exemplos que poderia dar — e tão mais baço e retraído a presidir?

GOVERNO    POLÍTICA   ANTÓNIO COSTA

COMENTÁRIOS (de28)

António Lamas: "Porque é que Marcelo Rebelo de Sousa é tão, tão brilhante a discursar — como na terça-feira no Museu dos Coches, entre mil outros exemplos que poderia dar — e tão mais baço e retraído a presidir? " Porque Marcelo, não é presidente, nunca foi nem será. É um entertainer comentador, inventor de factos e" factinhos" que sabe que se ele fosse ou primeiro-ministro faria o mesmo que Costa, ou seja nada mais que se manter à tona. Por isso fala, fala, fala, a ver se outro se mexe e faz aquilo que ele próprio não conseguiria, nem quereria fazer. Não vai ficar bem no retrato histórico dos presidentes portugueses.               João Eduardo Gata: António Costa e o seu PS sempre foram um Embuste, uma Inutilidade. Nada têm para oferecer, a não ser inutilidades. roubos, nepotismo, corrupção. Portugal estaria bem melhor sem este PS a atrapalhar e a criar problemas.                 Carlos Quartel: Tudo se baseia num erro de análise de milhões de portugueses e também de alguns comentadores bem-intencionados. O PS nunca foi um partido de projecto, foi sempre um partido de poder. Todo o trabalho do PS é feito tendo como objectivo o controle do poder, que permitirá a captura. Daí partimos para o saque, em vários tons e graus, mas o que se pretende é povoar o poder de gente da casa, distribuir benesses, fazer fortuna, vagens, carros e casas de luxo. Qualquer pequeno pelintra consegue 10 mil por mês (esta Jamila é um bom exemplo), as câmaras estão pejadas de cunhados, mulheres, maridos, sobrinhos e parentes. Quanto a jornalistas, grande parte está na algibeira e, se, em vez de andarem a vasculhar os telefonemas dos polícias, andassem à procura de PS's na reforma chegariam à conclusão de que nem um vive exclusivamente com o seu ordenado ou a sua pensão. Haverá sempre um esquema qualquer, que proporcione receita .........                Domingas Coutinho: É mesmo verdade. António Costa fala sempre como se acabasse de chegar ao Governo, como se para parvos falasse. E o pior é que há ainda quem acredite.             Filipe Paes de Vasconcellos:  “La grande Bouffe” Claro que li o seu belíssimo texto até ao fim e com vontade de o reler. Quando se fala em regionalização até fico arrepiado. Estão a ver o que seria se esta gentalha tivesse mais uma camada de cargos e dinheiro para se banquetearem. Este regime corrupto que o Costa implantou em Portugal faz-me lembrar o filme “La grande bouffe “.               Sérgio: Soberbo. DESgoverno mais inapto e incompetente e medíocre e nepotista e desleixado e irresponsável e reles e rasca é impossível!               Madalena Sa: Muito bom! Tudo isto e muito mais! Marcelo tem grande culpa! Deu sempre a mão a este PS execrável, uma verdadeira vergonha que deixou destruir o País! Quem não sabe ser Presidente não se candidata!             Ferreira de Carvalho: Parabéns por mais um artigo excelente na forma e no conteúdo! É com enorme prazer que leio os seus artigos (aliás, uma das principais razões pela qual assino o Observador) que são sempre tão verdade, acutilantes, assertivos, oportunos, corajosos e escritos com um estilo tão próprio e maior... e claro que li o artigo até ao fim! Como sempre! Obrigado Maria João Avillez!

 

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